São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Sem números, está lindo

Reforma tributária de Lula parece razoável e consensual. Mas falta explicar os números e dizer quem pagará a conta

É MUITO BOM que o governo Lula pareça empenhado na reforma tributária. Planos de mudanças institucionais relevantes haviam se tornado raridade nos últimos três anos, por aí. De resto, a linha geral do projeto de mudança faz sentido e reflete o senso comum na praça. Mas quede os números?
Quem vai ceder quanto a quem?
O primeiro problema de reformas dos impostos no Brasil é a fragmentação federativa de poderes tributários. União, Estados e mais de 5.000 cidades têm poderes e interesses tão entrincheirados que abortaram as tentativas de mudança depois da ditadura e da Constituição de 1988.
O ICMS é uma barafunda que encarece negócios, prejudica exportações, propicia fraudes e ilegalidades oficializadas à base do grito e do favor políticos, além de estabelecer pelo país variações de alíquotas quase, digamos, feudais. A reforma colocaria ordem nisso. Alguns Estados, porém, vão perder dinheiro, em geral para regiões mais pobres. O governo diz que compensará a perda, ao menos num período de transição.
Estranhamente, está todo mundo quieto, governadores em especial. A gente poderia imaginar que Lula já acertou os ponteiros com os Estados. Não foi o caso. Os governadores de Estados mais ameaçados de perda de receita estão esperando números e detalhes para reclamar.
Quais números? O governo propôs a criação de um Fundo de Equalização de Receitas para compensar as perdas dos Estados que "exportam" para outras partes do Brasil.
Tal fundo depende de lei complementar à reforma. Vai dar rolo.
De quanto será o fundo? Como será financiado? Quem vai geri-lo? Como serão calculadas as perdas e como será a distribuição do dinheiro?
Vai ser objeto de disputa política, ou quase isso, como a Lei Kandir?
A fim de simplificar o sistema e reduzir custos administrativos (e fraudes) nas empresas, o governo pretende unificar tributos federais. O dinheiro de Cofins, PIS, Cide e salário-educação será cobrado via IVA.
A CSLL virá por meio do Imposto de Renda das empresas. Quais as alíquotas? Ou, ao menos, qual o método para calibrar a receita? Em geral, quando governos mudam o modo de cobrança de tributos, chutam as alíquotas para cima, a fim de não perder dinheiro. Num primeiro momento, pode ser prudente. Mas vai haver uma norma para "devolver" o eventual excesso de arrecadação?
Outro problema difícil é a redução de impostos sobre a folha de salários. Trata-se de mudança essencial para aumentar a formalização do trabalho (e assim também a proteção social dos trabalhadores). O governo propõe reduzir em um terço o peso desses impostos. Mas não sabemos como a Previdência Social será compensada pela perda de receita, que de resto terá de ser reposta por algum imposto cuja arrecadação esteja correlacionada com as variações do mercado de trabalho.
Por fim, o governo quer fazer média. Começou com a história de mudança no Imposto de Renda da pessoa física. Quanto mais se mexer, mais difícil aprovar a reforma, técnica e politicamente. Seria um avanço enorme dar cabo da confusão do ICMS, unificar impostos federais e reduzir a tributação sobre a folha de salários. Se começar a perfumaria demagógica, a coisa não anda.


vinit@uol.com.br

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