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FOGO AMIGO
Ex-ministro da Economia da Argentina acredita que momentos de grande liquidez internacional favorecem erros
Valorização cambial é "loucura", diz Lavagna
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
O ex-ministro da Economia da
Argentina Roberto Lavagna afirma que a valorização do câmbio é
um dos "erros e loucuras" que os
países cometem em momentos de
bonança nos mercados financeiros, como o atual.
No raciocínio de Lavagna, a liquidez nos mercados causa "uma
tendência de revalorizar artificialmente a moeda nacional, o tipo de
câmbio, ainda que isso afete o
crescimento".
Cauteloso na hora de tecer comentários diretos sobre a política
econômica brasileira, o ex-ministro fez uma crítica ao modelo até
então paloccista, de real valorizado (e PIB de 2,3% em 2005). A Argentina mantém a receita de Lavagna: dólar alto (e PIB de 9,2%).
Em entrevista à Folha por escrito, o ex-ministro defende os resultados de seus quase quatro anos
de gestão, terminados em novembro de 2005, avalia por que a economia do vizinho está bem e diz
que a inflação, a maior dor de cabeça da Casa Rosada, é menor do
que a de países que passaram por
megadesvalorizações.
Estrela da renegociação da dívida argentina, depois da moratória
de 2001, o ex-ministro defende
que não é hora de reabrir negociação com os chamados "holdouts"- os 24% de credores que
não aceitaram a proposta de troca
da dívida. O tratamento dado a
eles é criticado pelo FMI (Fundo
Monetário Internacional) e outros organismos multilaterais.
Na Argentina, é grande a expectativa sobre o futuro político de
Lavagna. Quando ele deixou o governo Néstor Kirchner, era o ministro mais bem avaliado do gabinete. Chegou a ter mais aprovação que o presidente.
Como a Casa Rosada não tem
hoje opositores com fôlego eleitoral, a questão é se o ex-ministro
vai ou não disputar a sucessão
presidencial. A seguir, trecho da
entrevista:
Folha - Com Guido Mantega, seguirá a mesma política econômica
paloccista? Isso é bom ou ruim?
Roberto Lavagna - Isso eu não
respondo.
Folha - O sr. já disse que momentos como esse, de dinheiro farto
nos mercados financeiros, são um
risco. Por quê? A Argentina tem
aproveitado bem a boa fase? E o
Brasil, que cresceu só 2,3%?
Lavagna - O pior momento é
aquele em que há abundância de
recursos financeiros porque é o
momento dos erros e das loucuras dos países. Uma das conseqüências dessa situação nos mercados é a tendência de revalorizar
artificialmente a moeda nacional,
o tipo de câmbio, ainda que isso
afete o crescimento. A outra é a
enorme volatilidade que introduz
na economia real, produtiva e no
emprego.
Folha - O Mercosul completa 15
anos em crise. Há futuro para o bloco? Por que o sr. propôs o MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva) para regular o comércio Brasil-Argentina?
Lavagna - O Mercosul segue sendo uma opção estratégica. Existem avanços, apesar de que menos do que o potencial do bloco
permite. Há coisas importantes
que às vezes equivocadamente se
apresentam como negativas.
Uma são os fundos estruturais a
favor de Uruguai e Paraguai. A
outra é o MAC, que dota o Mercosul de instrumentos que não tinha. O bloco, diferentemente da
Europa, não tem fundos estruturais de magnitude para favorecer
os ajustes, e deveria dotar-se de
outro de instrumento que assegure equilíbrio de investimentos
sem baixar o comércio bilateral.
Folha - A Argentina bate recordes
de crescimento, mas se apontam
aumento da desigualdade e falta
de investimento. O que fazer?
Lavagna - A Argentina se recuperou e cresceu ininterruptamente, a taxas muito altas, desde 2002,
um período de quase quatro anos,
que não tinha precedente em um
século. Terminou 2005 com superávits gêmeos [fiscal e comercial]
importantes, feito inédito no pós-guerra, com 9,7% de desemprego,
caindo desde quase 24% do início
de 2002, recorde de investimento
em muitas décadas, forte aumento de produtividade, 6 milhões de
pessoas a menos abaixo da linha
da pobreza.
Folha - Mas a inflação não pode
corroer esses números positivos?
As medidas tomada pelo governo,
como o acordo de preços, para
combatê-la são suficientes?
Lavagna - Uma inflação de 12%
anuais, muito próxima da meta
prevista no Orçamento de 2005 e
da orçada para esse ano (11 %).
Há mudança de preços relativos
que requerem este nível [de inflação] para permitir os ajustes.
Se compararmos o período de
2002 ao fim de 2005 com outras
experiências internacionais de
megadesvalorizações (Sudeste
Asiático, Rússia, México e Brasil)
ou à nossa própria experiência
passada, veremos que, ainda com
os valores de inflação de 2005 e
previstos para 2006, a transferência de preços da desvalorização
foi -e por muito- a menor.
O que temos que evitar, agora
que a economia está muito bem, é
a disputa pela distribuição da renda [que vem com o crescimento,
uma referência principalmente às
campanhas salariais em curso].
Para isso, contamos com instrumentos fiscais, monetários e com
políticas de renda.
Folha - A Argentina tem boa situação fiscal, há pouco pagou o
FMI, mas a questão dos "holdouts"
segue sem solução. É hora de reabrir a renegociação?
Lavagna - Não.
Folha - Que panorama prevê para
a economia mundial? Haverá surpresas com nos EUA?
Lavagna - A economia mundial
tem resistido razoavelmente à alta
do petróleo. Houve certos ajustes
na política econômica da China
(tipo de câmbio), do Japão (finalmente a reativação) e dos EUA
(alta dos juros), que vão na direção correta.
Os problemas estruturais estão,
de toda forma, aí, os déficits gêmeos dos EUA, a rigidez social-laboral da Europa, todos os quais
deverão ir sendo tratados, e, porque são estruturais, levam tempo.
Isso é algo que os organismos financeiros internacionais deveriam entender quando tratam
com o mundo em desenvolvimento. Que os problemas estruturais, pelo que são, requerem
mais tempo e ações políticas do
que a burocracia internacional
acredita.
Folha - Por que acha que foi demitido por Kirchner. O mal-estar depois da briga dele com o ex-presidente Duhalde? A disputa interna
no governo? A menção a denúncias
de corrupção?
Lavagna - Depois de toda eleição, os presidentes têm a possibilidade de avaliar seus resultados e
ajustar seu estilo, suas esquipes ou
a direção de suas políticas. Foi isso que fez o presidente depois do
seu amplo triunfo eleitoral. Estava
no seu pleno direito. Tenho a satisfação de ter ajudado, num momento dramático, com dois presidentes, trazendo os resultados sobre os quais já falamos antes.
Folha - O sr. pretende voltar à política? Ser candidato a presidente
em 2007?
Lavagna - Sem política por
agora.
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