São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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FOGO AMIGO

Ex-ministro da Economia da Argentina acredita que momentos de grande liquidez internacional favorecem erros

Valorização cambial é "loucura", diz Lavagna

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

O ex-ministro da Economia da Argentina Roberto Lavagna afirma que a valorização do câmbio é um dos "erros e loucuras" que os países cometem em momentos de bonança nos mercados financeiros, como o atual.
No raciocínio de Lavagna, a liquidez nos mercados causa "uma tendência de revalorizar artificialmente a moeda nacional, o tipo de câmbio, ainda que isso afete o crescimento".
Cauteloso na hora de tecer comentários diretos sobre a política econômica brasileira, o ex-ministro fez uma crítica ao modelo até então paloccista, de real valorizado (e PIB de 2,3% em 2005). A Argentina mantém a receita de Lavagna: dólar alto (e PIB de 9,2%).
Em entrevista à Folha por escrito, o ex-ministro defende os resultados de seus quase quatro anos de gestão, terminados em novembro de 2005, avalia por que a economia do vizinho está bem e diz que a inflação, a maior dor de cabeça da Casa Rosada, é menor do que a de países que passaram por megadesvalorizações.
Estrela da renegociação da dívida argentina, depois da moratória de 2001, o ex-ministro defende que não é hora de reabrir negociação com os chamados "holdouts"- os 24% de credores que não aceitaram a proposta de troca da dívida. O tratamento dado a eles é criticado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e outros organismos multilaterais.
Na Argentina, é grande a expectativa sobre o futuro político de Lavagna. Quando ele deixou o governo Néstor Kirchner, era o ministro mais bem avaliado do gabinete. Chegou a ter mais aprovação que o presidente.
Como a Casa Rosada não tem hoje opositores com fôlego eleitoral, a questão é se o ex-ministro vai ou não disputar a sucessão presidencial. A seguir, trecho da entrevista:
 

Folha - Com Guido Mantega, seguirá a mesma política econômica paloccista? Isso é bom ou ruim?
Roberto Lavagna -
Isso eu não respondo.

Folha - O sr. já disse que momentos como esse, de dinheiro farto nos mercados financeiros, são um risco. Por quê? A Argentina tem aproveitado bem a boa fase? E o Brasil, que cresceu só 2,3%?
Lavagna -
O pior momento é aquele em que há abundância de recursos financeiros porque é o momento dos erros e das loucuras dos países. Uma das conseqüências dessa situação nos mercados é a tendência de revalorizar artificialmente a moeda nacional, o tipo de câmbio, ainda que isso afete o crescimento. A outra é a enorme volatilidade que introduz na economia real, produtiva e no emprego.

Folha - O Mercosul completa 15 anos em crise. Há futuro para o bloco? Por que o sr. propôs o MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva) para regular o comércio Brasil-Argentina?
Lavagna -
O Mercosul segue sendo uma opção estratégica. Existem avanços, apesar de que menos do que o potencial do bloco permite. Há coisas importantes que às vezes equivocadamente se apresentam como negativas.
Uma são os fundos estruturais a favor de Uruguai e Paraguai. A outra é o MAC, que dota o Mercosul de instrumentos que não tinha. O bloco, diferentemente da Europa, não tem fundos estruturais de magnitude para favorecer os ajustes, e deveria dotar-se de outro de instrumento que assegure equilíbrio de investimentos sem baixar o comércio bilateral.

Folha - A Argentina bate recordes de crescimento, mas se apontam aumento da desigualdade e falta de investimento. O que fazer?
Lavagna -
A Argentina se recuperou e cresceu ininterruptamente, a taxas muito altas, desde 2002, um período de quase quatro anos, que não tinha precedente em um século. Terminou 2005 com superávits gêmeos [fiscal e comercial] importantes, feito inédito no pós-guerra, com 9,7% de desemprego, caindo desde quase 24% do início de 2002, recorde de investimento em muitas décadas, forte aumento de produtividade, 6 milhões de pessoas a menos abaixo da linha da pobreza.

Folha - Mas a inflação não pode corroer esses números positivos? As medidas tomada pelo governo, como o acordo de preços, para combatê-la são suficientes?
Lavagna -
Uma inflação de 12% anuais, muito próxima da meta prevista no Orçamento de 2005 e da orçada para esse ano (11 %). Há mudança de preços relativos que requerem este nível [de inflação] para permitir os ajustes.
Se compararmos o período de 2002 ao fim de 2005 com outras experiências internacionais de megadesvalorizações (Sudeste Asiático, Rússia, México e Brasil) ou à nossa própria experiência passada, veremos que, ainda com os valores de inflação de 2005 e previstos para 2006, a transferência de preços da desvalorização foi -e por muito- a menor.
O que temos que evitar, agora que a economia está muito bem, é a disputa pela distribuição da renda [que vem com o crescimento, uma referência principalmente às campanhas salariais em curso]. Para isso, contamos com instrumentos fiscais, monetários e com políticas de renda.

Folha - A Argentina tem boa situação fiscal, há pouco pagou o FMI, mas a questão dos "holdouts" segue sem solução. É hora de reabrir a renegociação?
Lavagna -
Não.

Folha - Que panorama prevê para a economia mundial? Haverá surpresas com nos EUA?
Lavagna -
A economia mundial tem resistido razoavelmente à alta do petróleo. Houve certos ajustes na política econômica da China (tipo de câmbio), do Japão (finalmente a reativação) e dos EUA (alta dos juros), que vão na direção correta.
Os problemas estruturais estão, de toda forma, aí, os déficits gêmeos dos EUA, a rigidez social-laboral da Europa, todos os quais deverão ir sendo tratados, e, porque são estruturais, levam tempo.
Isso é algo que os organismos financeiros internacionais deveriam entender quando tratam com o mundo em desenvolvimento. Que os problemas estruturais, pelo que são, requerem mais tempo e ações políticas do que a burocracia internacional acredita.

Folha - Por que acha que foi demitido por Kirchner. O mal-estar depois da briga dele com o ex-presidente Duhalde? A disputa interna no governo? A menção a denúncias de corrupção?
Lavagna -
Depois de toda eleição, os presidentes têm a possibilidade de avaliar seus resultados e ajustar seu estilo, suas esquipes ou a direção de suas políticas. Foi isso que fez o presidente depois do seu amplo triunfo eleitoral. Estava no seu pleno direito. Tenho a satisfação de ter ajudado, num momento dramático, com dois presidentes, trazendo os resultados sobre os quais já falamos antes.

Folha - O sr. pretende voltar à política? Ser candidato a presidente em 2007?
Lavagna -
Sem política por agora.


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