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ARTIGO
Cadê o "boom" da economia americana?
PAUL KRUGMAN
A queles que acreditam no duplo mergulho -os economistas que acham que a economia voltará a cair- continuam a ser uma pequena minoria. Mas já
deixamos de ouvir as previsões triunfalistas de uma recuperação
avassaladora que eram tão frequentes por volta de março.
O engraçado é que não houve muitas notícias econômicas negativas, e sim a ausência das boas notícias que nos disseram deveríamos esperar. Acima de tudo, o
investimento empresarial, cuja queda nos conduziu à crise atual,
não mostrou ainda sinais sérios de que esteja voltando à vida.
Como tantos economistas especializados em negócios se convenceram, tanto pessoal quanto mutuamente, de que um grande boom era iminente? Sem dúvida
isso foi resultado de otimismo indevido em diversos níveis: a comunidade de investimentos quer vender ações e também quer acreditar que o governo republicano é bom para os negócios. Mas suspeito que um grande fator nas declarações de vitória prematuras tenha sido uma falsa analogia entre George W. Bush e Ronald Reagan, que fez com que as pessoas esperassem que 2002 se desenrolasse mais ou menos como 1983.
Em um nível superficial, há fortes paralelos entre o segundo ano
do primeiro governo Reagan e o primeiro ano do segundo governo Bush.
Ambos os líderes impuseram pesados cortes de impostos e um
aumento considerável nos gastos militares, ambos vociferaram
contra o mal (império, eixo, seja lá o que for).
E, em 1982, como em 2001, o Fed reverteu a política que vinha seguindo, de elevar as taxas de juros para combater a inflação, cortando os juros dramaticamente a fim de combater a recessão. Assim,
por que não teríamos um novo alvorecer nos Estados Unidos?
Porque as recessões em questão
são muito diferentes. Em 1982, a
economia estava sendo contida
pelas altas taxas de juros; estava
pronta a disparar tão logo as restrições fossem removidas. Em
2001, a economia se desacelerou
porque as empresas haviam tentado dar um passo maior do que
as pernas; não havia nenhuma
fonte evidente de demanda acumulada e reprimida.
Talvez a mais notável das diferenças entre a recessão de Reagan
e a recessão de Bush envolva o
mercado de habitação. Em 1982,
graças a diversos anos de taxas de
juros muito elevadas, o setor de
construção residencial estava moribundo; o investimento real em
residências estava em seu ponto
mais baixo em 13 anos, mais de
40% abaixo de seu pico anterior.
Assim, havia muita demanda
pronta a se fazer sentir assim que
as taxas de juros caíssem.
De fato, no primeiro ano da recuperação econômica do governo
de Ronald Reagan, o investimento em residências aumentou em
46%. Basicamente, aquele foi um
boom conduzido pela habitação.
Desta vez, o investimento residencial continuou subindo mesmo em meio à recessão, graças
aos cortes de juros do Fed; é difícil
que vejamos aumentos ainda
maiores. A habitação está atravessando um período de bolha, até
certo ponto.
Assim, o que pode nos conduzir
a uma recuperação plena? Não faço idéia.
A verdade é que em lugar da vigorosa recuperação que supostamente estaríamos vivendo agora,
nossa economia parece estar em
estado de suspensão, esperando
que algo aconteça. Os otimistas
acreditam que o investimento
empresarial vai terminar subindo; mas as empresas continuam a
ter muita capacidade excedente e
demonstram pouca inclinação
por iniciar um novo ciclo de investimento. Os pessimistas acreditam que os consumidores,
diante de um cenário cada vez
pior para o emprego, deixarão,
por fim, de gastar.
Mas os consumidores se mantiveram persistentemente otimistas, como se realmente acreditassem no slogan da camiseta: quando as coisas endurecem, os fortes
vão às compras.
Há, no entanto, um curinga sobrando no maço, e ele representa
outro contraste fundamental para
com os anos Reagan: a atitude dos
investidores estrangeiros. Durante a recuperação de Reagan, os investidores estrangeiros, que anteriormente viam os Estados Unidos desfavoravelmente, correram
para o país.
Desta vez, começamos de posição bastante diferente. Os estrangeiros demonstraram tremendo
entusiasmo pelos Estados Unidos
durante anos -uma atitude da
qual viemos a depender, porque
precisamos de US$ 1,2 bilhão em
influxos de capital ao dia para cobrir nosso déficit comercial.
O que acontece caso os investidores estrangeiros percam o entusiasmo? Uma das histórias que
passou sem muito registro nos últimos meses -pelo menos na imprensa norte-americana- foi a
queda vertiginosa da confiança
estrangeira nas instituições e na liderança norte-americanas. O caso Enron, a contabilidade agressiva, déficits orçamentários, tarifas
sobre o aço importado, a lei da
agricultura, os erros do FBI -tudo isso se acumula, especialmente
nas mentes européias, e resulta no
que Barton Biggs, do Morgan Stanley chama de "uma perda da
graça". As aquisições estrangeiras
de ações e empresas norte-americanas caíram muito. Não quero
ser um profeta de desastres aqui.
Mas uma coisa é clara: as confiantes declarações, meses atrás, de
que nossos problemas eram coisa
do passado parecem bastante tolas agora.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA). Este
artigo foi originalmente publicado pelo
jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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