São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 2002

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ARTIGO

Cadê o "boom" da economia americana?

PAUL KRUGMAN

A queles que acreditam no duplo mergulho -os economistas que acham que a economia voltará a cair- continuam a ser uma pequena minoria. Mas já deixamos de ouvir as previsões triunfalistas de uma recuperação avassaladora que eram tão frequentes por volta de março.
O engraçado é que não houve muitas notícias econômicas negativas, e sim a ausência das boas notícias que nos disseram deveríamos esperar. Acima de tudo, o investimento empresarial, cuja queda nos conduziu à crise atual, não mostrou ainda sinais sérios de que esteja voltando à vida.
Como tantos economistas especializados em negócios se convenceram, tanto pessoal quanto mutuamente, de que um grande boom era iminente? Sem dúvida isso foi resultado de otimismo indevido em diversos níveis: a comunidade de investimentos quer vender ações e também quer acreditar que o governo republicano é bom para os negócios. Mas suspeito que um grande fator nas declarações de vitória prematuras tenha sido uma falsa analogia entre George W. Bush e Ronald Reagan, que fez com que as pessoas esperassem que 2002 se desenrolasse mais ou menos como 1983.
Em um nível superficial, há fortes paralelos entre o segundo ano do primeiro governo Reagan e o primeiro ano do segundo governo Bush.
Ambos os líderes impuseram pesados cortes de impostos e um aumento considerável nos gastos militares, ambos vociferaram contra o mal (império, eixo, seja lá o que for).
E, em 1982, como em 2001, o Fed reverteu a política que vinha seguindo, de elevar as taxas de juros para combater a inflação, cortando os juros dramaticamente a fim de combater a recessão. Assim, por que não teríamos um novo alvorecer nos Estados Unidos?
Porque as recessões em questão são muito diferentes. Em 1982, a economia estava sendo contida pelas altas taxas de juros; estava pronta a disparar tão logo as restrições fossem removidas. Em 2001, a economia se desacelerou porque as empresas haviam tentado dar um passo maior do que as pernas; não havia nenhuma fonte evidente de demanda acumulada e reprimida.
Talvez a mais notável das diferenças entre a recessão de Reagan e a recessão de Bush envolva o mercado de habitação. Em 1982, graças a diversos anos de taxas de juros muito elevadas, o setor de construção residencial estava moribundo; o investimento real em residências estava em seu ponto mais baixo em 13 anos, mais de 40% abaixo de seu pico anterior. Assim, havia muita demanda pronta a se fazer sentir assim que as taxas de juros caíssem.
De fato, no primeiro ano da recuperação econômica do governo de Ronald Reagan, o investimento em residências aumentou em 46%. Basicamente, aquele foi um boom conduzido pela habitação.
Desta vez, o investimento residencial continuou subindo mesmo em meio à recessão, graças aos cortes de juros do Fed; é difícil que vejamos aumentos ainda maiores. A habitação está atravessando um período de bolha, até certo ponto.
Assim, o que pode nos conduzir a uma recuperação plena? Não faço idéia.
A verdade é que em lugar da vigorosa recuperação que supostamente estaríamos vivendo agora, nossa economia parece estar em estado de suspensão, esperando que algo aconteça. Os otimistas acreditam que o investimento empresarial vai terminar subindo; mas as empresas continuam a ter muita capacidade excedente e demonstram pouca inclinação por iniciar um novo ciclo de investimento. Os pessimistas acreditam que os consumidores, diante de um cenário cada vez pior para o emprego, deixarão, por fim, de gastar.
Mas os consumidores se mantiveram persistentemente otimistas, como se realmente acreditassem no slogan da camiseta: quando as coisas endurecem, os fortes vão às compras.
Há, no entanto, um curinga sobrando no maço, e ele representa outro contraste fundamental para com os anos Reagan: a atitude dos investidores estrangeiros. Durante a recuperação de Reagan, os investidores estrangeiros, que anteriormente viam os Estados Unidos desfavoravelmente, correram para o país.
Desta vez, começamos de posição bastante diferente. Os estrangeiros demonstraram tremendo entusiasmo pelos Estados Unidos durante anos -uma atitude da qual viemos a depender, porque precisamos de US$ 1,2 bilhão em influxos de capital ao dia para cobrir nosso déficit comercial.
O que acontece caso os investidores estrangeiros percam o entusiasmo? Uma das histórias que passou sem muito registro nos últimos meses -pelo menos na imprensa norte-americana- foi a queda vertiginosa da confiança estrangeira nas instituições e na liderança norte-americanas. O caso Enron, a contabilidade agressiva, déficits orçamentários, tarifas sobre o aço importado, a lei da agricultura, os erros do FBI -tudo isso se acumula, especialmente nas mentes européias, e resulta no que Barton Biggs, do Morgan Stanley chama de "uma perda da graça". As aquisições estrangeiras de ações e empresas norte-americanas caíram muito. Não quero ser um profeta de desastres aqui. Mas uma coisa é clara: as confiantes declarações, meses atrás, de que nossos problemas eram coisa do passado parecem bastante tolas agora.


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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