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OPINIÃO ECONÔMICA
A política externa em boas mãos
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Hay gobierno? Soy contra." É o lugar-comum
que ultimamente vem sendo lançado contra mim por detratores,
conhecidos, amigos e até mesmo
familiares (toda família é um ninho de rivalidades e neuroses).
Digito essas frases e suspiro.
Bem sei que a coerência é uma
virtude secundária e até um pouco suspeita. Pode ser apenas o disfarce para uma teimosia ignara e
obtusa. Mas, enfim, volto a perguntar: como posso, em sã consciência, mudar a minha avaliação crítica da política econômica
brasileira? Nessa área, o novo governo ainda está nos devendo as
mudanças prometidas durante a
campanha eleitoral e reiteradas
depois da eleição.
Onde estão ocorrendo mudanças positivas é na área da política
externa. Nesse campo, o governo
Lula começou a se distanciar da
orientação do governo Fernando
Henrique Cardoso. Tomemos o
exemplo da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), que, como disse o ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, é a
mais complexa e politicamente
sensível das negociações em andamento.
O presidente da República colocou o dedo na ferida quando declarou, anteontem, que "os EUA
querem negociar seus temas sensíveis na OMC (Organização
Mundial do Comércio), mas negociar os temas sensíveis para o
Brasil na Alca". De fato, Washington deseja remeter para a
OMC temas prioritários para o
Brasil, como o uso protecionista
da legislação antidumping e a política de defesa da agricultura. Ao
mesmo tempo, os EUA insistem
em que a Alca deve ir além da
OMC em assuntos do seu interesse, mas inconvenientes para o
Brasil, como serviços, investimentos, compras governamentais e
propriedade intelectual.
Recomendo aos interessados
nesse tema a leitura do texto
apresentado na semana passada
pelo ministro Celso Amorim no
Fórum Nacional ("Inserção Global do Brasil: OMC, Mercosul, Alca e Zona de Livre Comércio do
Brasil com a União Européia",
Rio de Janeiro, 21 de maio de
2003, www.mre.gov.br). Trata-se
de importante avaliação das negociações comerciais em que está
envolvido o Brasil.
A negociação da Alca, como se
sabe, segue um cronograma intenso e ingressou em fase de definições e troca de ofertas. Os EUA
resolveram "bilateralizar" as suas
ofertas de acesso a mercado de
bens, apresentadas em fevereiro,
reservando para os países do
Mercosul as condições menos favoráveis.
Em resposta, Brasil e Argentina
decidiram não apresentar oferta
em serviços. Nenhum dos quatro
países do Mercosul apresentou
ofertas em investimentos ou compras governamentais. Nessas três
áreas, assim como na de propriedade intelectual, lembra o ministro das Relações Exteriores, "verifica-se grande empenho norte-americano em obter disciplinas
mais ambiciosas do que as da
OMC, postura que contrasta com
a recusa dos EUA em discutir subsídios agrícolas e instrumentos de
defesa comercial de interesse brasileiro" (Celso Amorim, op. cit.,
pág. 2).
Vários setores da indústria e da
agricultura brasileira cultivam a
esperança de que a Alca possa nos
proporcionar grande acesso ao
mercado norte-americano. No
entanto, observa o nosso chanceler, "as perspectivas de melhoria
de acesso não são encorajadoras,
na medida em que a oferta inicial
norte-americana não acena com
reduções de barreiras para produtos de especial interesse do Brasil, como suco de laranja, carnes,
calçados, têxteis" (Celso Amorim,
op. cit., pág. 2).
Quem acompanha a Alca desde
as suas origens sabe que o ministro Amorim está levantando problemas fundamentais. Analisei os
documentos dessa negociação,
parte dos quais é pública, em trabalho para o Instituto de Estudos
Avançados da USP ("A Alca e o
Brasil", Coleção Documentos, Série Economia, nº 18, Instituto de
Estudos Avançados, Universidade de São Paulo, março de 2003).
Quem examinar com isenção e
boa-fé esses documentos e as propostas dos EUA para a Alca só poderá concluir que estamos diante
de uma negociação altamente
problemática para o Brasil, que
pouco oferece de positivo e que
ameaça produzir novas e graves
restrições para a definição de políticas de desenvolvimento em
nosso país.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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