São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2006

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MARTIN FELDSTEIN

Queda do dólar é teste global

A boa notícia é que a poupança dos domicílios norte-americanos está começando a subir

Recentes declarações vindas de líderes do G7 e do Fundo Monetário Internacional colocam em destaque a crescente pressão pela redução do imenso déficit internacional dos Estados Unidos. Fazê-lo requereria tanto uma elevação no índice de poupança norte-americana como um valor mais competitivo para o dólar. Mas nenhuma das duas coisas seria suficiente por si só.
O déficit em conta corrente dos EUA chegou aos US$ 900 bilhões anuais no final de 2005, o equivalente a 7% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Esse enorme desequilíbrio reflete o fato de que o investimento dos EUA excede a poupança interna em 7% do PIB. Reduzir o déficit comercial dos EUA a um patamar sustentável requereria substancial elevação da poupança interna.
A boa notícia é que a poupança dos domicílios norte-americanos está começando a subir, e é provável que a tendência ganhe ímpeto em 2007.
O índice de poupança começou a cair no começo dos anos 90, com o aumento do consumo domiciliar em resposta ao patrimônio ascendente, tendência inicialmente gerada pela alta nos mercados de ações e, posteriormente, por um aumento de 100% no valor das residências. Mais recentemente, esse efeito patrimonial foi reforçado pela alta no número de hipotecas renegociadas com a queda nos juros.
Os domicílios conseguiram extrair trilhões de dólares em dinheiro para gastos devido ao aumento do valor patrimonial das casas. Parte substancial desse montante foi destinada ao consumo.
As forças que reduziram o índice de poupança dos EUA estão agora sendo revertidas. Os preços da habitação em todo o país vêm caindo em relação ao pico do terceiro trimestre de 2005. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) reverteu sua política de baixas taxas de juros, fazendo com que os juros subissem em quase um ponto percentual nos últimos 12 meses. O volume de refinanciamento de hipotecas caiu 20% ante o registrado em 2005. É apenas questão de tempo para que o índice de poupança domiciliar retorne ao nível de 2,4%, registrado em 2002.
Para converter essa poupança mais elevada em redução no déficit em conta corrente, será preciso ampliar as exportações e promover uma alteração nos padrões de consumo dos norte-americanos, priorizando produtos e serviços nacionais em detrimento dos importados. A queda do dólar oferecerá incentivo suficiente para que essas duas mudanças aconteçam.
As forças naturais de mercado já estão fazendo com que o dólar caia diante do euro, do iene e de outras divisas. A queda do dólar responde ao diferencial cada vez menor entre as taxas de juros dos EUA e as que vigoram na Europa e Japão. Reflete também uma alteração no foco do mercado, que está se voltando das condições cíclicas de curto prazo ao desequilíbrio nos fundamentos do comércio externo.
A experiência ensina que um dólar mais competitivo é capaz de reduzir de maneira substancial o déficit comercial. Uma redução no déficit dos EUA significará uma queda nas exportações de nossos parceiros comerciais em todo o mundo. Os países que perderão exportações precisam adotar políticas que estimulem os gastos domésticos, a fim de prevenir uma queda em seu PIB e nível de emprego.
Determinar onde isso tudo vai acabar dependerá não só de forças de mercado mas também de políticas governamentais e das atitudes dos bancos centrais da Europa e da Ásia. Seria tentador para eles, mas errado, resistir ao declínio do desequilíbrio no comércio externo norte-americano por meio de uma combinação de política monetária e intervenções nos mercados de câmbio para impedir que o dólar atinja um nível competitivo.
Sem um dólar competitivo, o índice de poupança americano mais elevado significará crescimento mais lento e desemprego mais alto nos EUA. Caso isso aconteça, o processo político norte-americano pode resultar em medidas protecionistas.
Em lugar de tentar resistir à queda do dólar, os governos da Europa e da Ásia deveriam se concentrar em determinar medidas que mantenham a demanda agregada em suas economias, à medida que as exportações em seus países começarem a cair.
Resolver os maciços desequilíbrios comerciais sem uma desaceleração cíclica mundial é possível, mas apenas se os países abordarem esse desafio de maneira construtiva.


MARTIN FELDSTEIN é professor de economia na Universidade Harvard. Este artigo foi publicado originalmente pelo Financial "Times"

Excepcionalmente, hoje, a coluna de MARCOS CINTRA não é publicada.


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