São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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ARTIGO

Juros baixos podem ser estopim para explosão do barril

CHARLES CLOVER
ANNA FIFIELD
DO FINANCIAL "TIMES"

A opinião convencional diz que os choques do petróleo que abalam a economia mundial desde os anos 70 têm todos uma única causa: a instabilidade no Oriente Médio. O embargo árabe do petróleo, em 1973, a revolução e a greve dos trabalhadores petroleiros do Irã, em 1979, e, agora, o conflito no Iraque coincidiram, todos, com aumentos dramáticos no preço do petróleo.
Mas essas crises têm outra coisa em comum: juros baixos em todo o mundo. A ligação entre os preços do petróleo e os mercados financeiros termina por ser desconsiderada, freqüentemente, mas tem implicações tanto em termos de segurança da energia quanto em termos econômicos. Será que os choques do petróleo podem ser vistos como fenômeno monetário, e não simplesmente como resultado do balanço entre oferta e procura do produto?
Diversos economistas trataram da questão. Todos alegam que a política monetária tem influência maior sobre os preços das commodities do que costuma ser reconhecido por seus colegas.
A pesquisa mais rigorosa a respeito foi conduzida por Jeffrey Frankel, professor de economia na Escola Kennedy de Administração Pública, parte da Universidade Harvard. Sua teoria da "supercompensação" argumenta que os preços das commodities são instáveis porque elas são negociadas em Bolsas de operação rápida, em regime de leilão, que respondem mais dramaticamente do que os preços ao consumidor às expectativas quanto aos juros e às flutuações monetárias.
A alta acentuada nos preços do petróleo neste ano parece sustentar essa interpretação. Os preços do petróleo subiram cerca de 48% nos dois últimos anos -ontem, bateu novo recorde em Nova York, ao fechar a US$ 42,90-, enquanto a inflação ao consumidor nos EUA subiu 5,5% no período.
Como em 1979, os juros mundiais estão em um momento de baixa. E, como nos choques anteriores do petróleo, o aumento sustentado no preço do petróleo vem sendo acompanhado por alta nos preços de outras commodities. Os preços do níquel mais que duplicaram em dois anos, enquanto o aço subiu mais de 62% e o ouro teve alta de 25%.
Esses aumentos de preços simultâneos seguem um padrão histórico. Durante os choques do petróleo de 1973/74 e de 1979 a 1982, por exemplo, não só o preço do petróleo atingiu um pico como diversas outras commodities o acompanharam: o ouro mais que duplicou entre 1972 e 1974 e atingiu seu maior preço da história durante o segundo choque do petróleo, em 1980. Os preços da soja mais que duplicaram em 1974, e o milho atingiu seu recorde histórico de preço naquele ano. Os dois produtos voltaram a apresentar altas acentuadas em 1980/81.
É um artigo de fé entre os operadores de commodities que preços de produtos aparentemente não relacionados tendem a se correlacionar de uma maneira estranha.
O comportamento dos preços das commodities, por sua vez, apresenta contraste acentuado com relação aos preços dos bens de consumo no varejo. A única flutuação nos preços ao consumidor se relaciona ao seu ritmo de aumento: o nível de inflação. Mas os preços das commodities não crescem regularmente -em lugar disso, sobem e caem em movimentos dramáticos. A única relação entre os dois conjuntos de preços é que, quando o ritmo de crescimento dos preços ao consumidor (ou seja, a inflação) é elevado, o nível absoluto dos preços das commodities é igualmente alto, e vice-versa. Isso é conhecido como "supercompensação".

Reação
Frankel argumenta que isso se deve à maneira pela qual diferentes tipos de mercado reagem à pressão inflacionária. Um aumento na base monetária, se todos os preços subirem à mesma velocidade, resultará em aumento uniforme para todos os preços.
Mas, se os preços de alguns bens se ajustam mais rapidamente que os de outros, os mercados de ajuste mais rápido experimentarão altas de preços desproporcionais até que os mercados mais lentos se equiparem a eles, o que fará com que os preços dos mercados de ajuste mais rápido recuem ao novo "nível de equilíbrio".
Porque as commodities são negociadas em Bolsa, diz Frankel, seus preços podem se ajustar mais rápido que os de bens vendidos em lojas. Por isso, uma alta inflacionária na base monetária será sentida de maneira desproporcional nos mercados de commodities, inicialmente, o que fará com que "supercompensem" seu nível de equilíbrio de longo prazo.
Mas por que os operadores de commodities ofereceriam preços superiores aos do nível de equilíbrio em longo prazo? A resposta, em parte, se deve ao fato de que eles não sabem qual será o novo nível de equilíbrio. Enquanto isso, diz, Frankel, uma alta da base monetária (ou outra forma de pressão inflacionária) faria o juro real cair, tornando os investimentos financeiros menos atraentes que outras alternativas de aplicação.
Essa observação é confirmada pelos dados: encontrar uma medida precisa dos juros reais (descontada a inflação) é difícil, mas os preços dos títulos públicos, que indicam a atratividade da concessão de crédito ao nível de juros vigente, são um bom indicador: quando os preços dos títulos públicos caem, os juros também devem estar caindo. Há uma relação histórica invertida entre os preços das commodities e os dos títulos públicos, demonstrando a maneira pela qual os mercados financeiros os encaram como alternativas.
A teoria de Frankel gerou certa controvérsia. Os críticos dizem que ela não explica adequadamente por que um operador veria baixos juros como uma oportunidade de investir em commodities, que são muitas vezes "retrodatadas" -o preço futuro é inferior ao preço à vista, o que implica que um operador perderia dinheiro por reter a commodity.
De fato, os motivos dos operadores para a supercompensação talvez ainda não sejam plenamente compreendidos, mas isso não altera o vínculo entre os preços das commodities e os juros reais.
As implicações disso em termos de política monetária são profundas. Se os preços do petróleo forem determinados não nos palácios do golfo Pérsico, mas nas salas de reunião do BC norte-americano, será lançará uma luz completamente nova sobre a segurança energética dos EUA e deveria levar a uma reformulação das prioridades de política externa norte-americanas.


Tradução de Paulo Migliacci


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