São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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CONSUMO

Presença em publicidade associada a status ainda é incipiente; há também poucos executivos afrodescendentes

Classe média negra não quer só cosméticos

Edson Ruiz/Folha Imagem
A artista Maria Auxiliadora dos Santos Goya Lopes na Didara, fábrica que produz cerca de 3.000 peças por mês em Salvador


CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O slogan "negro é lindo" parece ter saído dos movimentos militantes para impulsionar a indústria cosmética brasileira.
Os recentes lançamentos de produtos específicos para consumidores negros confirmam essa tendência. A crescente classe média negra brasileira, entretanto, ainda não conseguiu ultrapassar a barreira da invisibilidade em outros segmentos.
A pouca representatividade de afrodescendentes na linha de frente de propagandas para consumidores da classe A e B não chega a ser um fato novo, mas, com 14% de negros e pardos entre a parcela mais rica da população brasileira -aqueles com rendimentos acima de R$ 1.300-, o poder de influência desse mercado começa a aparecer.
"Nesse mundo simbólico do consumo, a classe média negra ainda se vê restrita a investidas de produtos cosméticos. Há poucos avanços quando buscamos ver a imagem de negros associada a produtos de bens de posse e de status", avaliou a cientista social Ângela Figueiredo, da Universidade Federal da Bahia.
Embora os dados específicos sobre o consumo da população negra sejam precários, o publicitário Luis Grottera, da agência TBWA, acha que ele é subestimado. "Percebo que a tendência é de um crescimento forte nos próximos cinco anos, mas, por enquanto, o único segmento que se desenvolveu foi o de cosméticos. Não vejo nenhum outro segmento com relevância estratégica."
Do lado dos consumidores, Vilma Lúcia Warner engrossa o coro dos descontentes. "Só vejo negros como eu em anúncios de produtos de consumo popular e de qualidade duvidosa", queixa-se Warner, a proprietária de uma escola de idiomas que mora no Alto de Pinheiros, bairro de classe média alta, em São Paulo.
O representante de comércio exterior João Carlos Martins também reclama. "Nós também comemos, também nos vestimos, também compramos carros, mas os empresários não vêem isso. Nem parece que somos quase 50% da população", diz.

Beleza lucrativa
Publicitários e multinacionais do ramo de beleza se desdobram para cortejar esse mercado. A Johnson & Johnson planeja o lançamento de um protetor solar para pele negra da marca Sundown para outubro deste ano. "Ouvimos várias mulheres afrodescendentes e elas se queixavam da falta de um produto de proteção solar específico para elas", disse Daniel Izzo, gerente de produto da marca. Na campanha publicitária, serão investidos R$ 5 milhões, segundo a empresa.
"Quando montei a fábrica, havia muito preconceito, não se acreditava no potencial de compra dos negros. Aliás, nem havia interesse em saber quais os produtos de que precisávamos", conta o empresário de cosméticos Rui Nascimento. Hoje a empresa vende, em média, R$ 1.200 mensalmente para cada um dos salões de cabeleireiro aos quais atende. Na carteira de clientes, existem cerca de 30 salões. E 90% da produção é destinada para negros.
O afã de atrair consumidores negros, porém, pode esbarrar na propagação de estereótipos, como em recente lançamento da Unilever. "A propaganda era um horror e só reforça preconceitos", diz a socióloga a respeito do desodorante Rexona Ebony em 2003, que promete "dupla proteção" para os consumidores.
A empresa se defende. "A Unilever em nenhum momento agiria de forma preconceituosa ou inconseqüente com qualquer cidadão, grupo ou origem", disse Andrea Rolim, gerente de categorias da Unilever.
A executiva destaca que o grupo tem vários produtos voltados para o mercado étnico e que a participação de mercado de Rexona, após o lançamento do Ebony, passou de 29,4% em julho de 2003 para 33,2% em julho deste ano.
Para Grottera, da agência TBWA, a evolução do segmento de cosméticos na última década mostra que há potencial para saltos maiores em outros ramos. Pesquisa realizada pela própria agência entre afrodescendentes, em 1997, mostrava que, entre as 1.500 pessoas ouvidas: 54% querem ganhar mais dinheiro; 44% desejam abrir seu próprio negócio; 43% planejam trocar ou comprar carro e 39% pretendem viajar. "Hoje, acredito que os desejos permanecem os mesmos. As empresas de outros setores têm que ficar atentas a essa tendência. Estão negligenciando um mercado importante", diz o publicitário.

Barreira corporativa
Não é apenas no mercado publicitário que pardos e negros podem enfrentar dificuldades para ascender. Nas empresas brasileiras, a barreira racial ainda persiste de forma contundente. Em quadros executivos de alto nível, o percentual de negros é de 1,8% contra 96,5% de brancos. Os dados são de pesquisa feita em 2003 pelo Instituto Ethos.
"Esse problema persiste em parte por causa do preconceito e em parte porque as empresas dizem que não há candidatos negros. É preciso, então, mudar as fontes de recrutamento", afirma Oded Grajew, presidente do Ethos. Essa mudança no paradigma de admissão de funcionários, argumenta, seria benéfica para as próprias empresas e também ajudaria a alavancar o crescimento da classe média negra.


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