São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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SISTEMA FINANCEIRO

Primeira instituição na Europa a seguir lei muçulmana será aberta nos próximos dias no Reino Unido

Banco islâmico rejeita cobrar e pagar juros

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O mercado financeiro britânico vem descobrindo um novo filão: a oferta de produtos e serviços voltados para a população muçulmana, que estejam de acordo com os princípios islâmicos.
O passo mais significativo nesse sentido será dado nos próximos dias, com a abertura do Islamic Bank of Britain (IBB), a primeira instituição financeira européia que atuará 100% de acordo com a chamada sharia (lei baseada no Alcorão). A população islâmica no Reino Unido é composta de cerca de 1,8 milhão de pessoas. No mundo, o sistema bancário islâmico movimenta cerca de US$ 200 bilhões, segundo estimativas.
Há duas semanas, a autoridade financeira regulatória do Reino Unido, a FSA (Financial Services Authority), concedeu autorização para o IBB funcionar e receber depósitos sem ter de oferecer garantias proibidas pelos fundamentos islâmicos -mas exigidas no mercado financeiro britânico-, como a devolução assegurada do capital investido.
Outras peculiaridades dos negócios financeiros que seguem a lei sharia são a proibição de investir em negócios ligados à pornografia, ao álcool, a jogos e ao tabaco e -o mais controverso do ponto de vista do mercado bancário tradicional- de pagar ou cobrar juros. Além disso, a idéia é que investidor e instituição financeira dividam lucros e perdas dos negócios realizados.

Lucros à vista
A notícia da abertura do IBB tem sido comemorada tanto pela comunidade islâmica como por setores -como bancos e escritórios de advocacia- que podem lucrar com o avanço do mercado islâmico.
"Isso vai mudar completamente a situação do segmento bancário islâmico. Até agora, a população muçulmana no Reino Unido tinha acesso limitado a determinados produtos desenhados de acordo com a lei islâmica", afirma Neil Miller, chefe da área de finanças islâmicas no escritório de advocacia Norton Rose, em Londres.
Miller diz que o interesse das instituições financeiras em atender à demanda da população muçulmana já vinha crescendo. Ele cita, por exemplo, vários empreendimentos no norte da Inglaterra que estão sendo financiados por investimentos muçulmanos.
No final de 2002, a empresa de consultoria DataMonitor concluiu que o tamanho do mercado de financiamento imobiliário islâmico não passava de 40 milhões de libras esterlinas, mas teria potencial para atingir 4,5 bilhões de libras, até o final de 2006, se ocorressem mudanças regulatórias.
A consultora Helen Smith, autora do estudo, explica que a principal barreira à expansão desse nicho era que, nos financiamentos imobiliários islâmicos, a taxa cobrada pelo governo, dos compradores de casas, incidia duas vezes.
Isso porque, como a lei "Shariah" veta as transações de "dinheiro por dinheiro", os muçulmanos que queiram segui-la não podem, simplesmente, contrair um empréstimo, adquirir um imóvel e devolver o dinheiro ao banco corrigido por juros.
Então, os financiamentos imobiliários tinham de ocorrer da seguinte forma: o banco adquiria o imóvel e o cedia ao comprador muçulmano, que passava a pagar uma espécie de aluguel. No fim de determinado período, o imóvel estaria pago, e o banco o revenderia, oficialmente, ao cliente.
O problema é que a taxa sobre a aquisição de propriedades, nesses casos, era cobrada e paga duas vezes pelo comprador.
Isso tornava o negócio muito caro para os interessados e, por isso, pouco atraente para as instituições financeiras. Essa barreira foi removida no final do ano passado quando foi retirado o duplo pedágio.

Mercado imobiliário
Desde meados de 2003, o HSBC e o United National Bank, por exemplo, lançaram produtos de financiamento imobiliário islâmico. De acordo com analistas, existe a expectativa de que mais instituições financeiras, agora, se sintam atraídas pelo mercado de negócios voltado para muçulmanos.
E motivos para atração não faltam. Segundo Harris Bokhari, consultor de impostos e contador da empresa 1st Ethical Limited -especializada em consultoria financeira sharia-, a população muçulmana hoje na Inglaterra é composta por muitos profissionais que têm renda líquida altíssima: entre 200 mil libras esterlinas e 300 mil libras por ano.
"A primeira geração de muçulmanos que veio para a Inglaterra nas décadas de 50 e 60 teve de trabalhar duro para dar educação aos filhos que estudaram e se tornaram profissionais altamente qualificados, como médicos, consultores de tecnologia e informática e dentistas", diz ele.

Investir com retorno
De acordo com Bokhari, esses profissionais bem-sucedidos querem investir seu dinheiro de acordo com a lei islâmica e, ao mesmo tempo, são exigentes, pois querem ter retornos altos.
"Isso torna esse mercado muito atrativo."
Na expectativa da comunidade muçulmana, a procura por produtos e serviços bancários islâmicos tende, de fato, a ser grande. Segundo Mohammed Qayyum, do Institute of Islamic Banking and Insurance, muitos muçulmanos que vivem tanto no Reino Unido como no resto da Europa são obrigados a depositar seu dinheiro em bancos convencionais porque não têm alternativa.
Por isso, muitos analistas prevêem que, a partir de agora, com a porta aberta pelo IBB no Reino Unido, essa e outras instituições possam expandir seus negócios para o resto da Europa.
Por enquanto, o IBB não cita números, mas diz ter "planos ambiciosos" e fala em conquistar, em um período de cinco anos, uma grande fatia do volume financeiro movimentado pela comunidade islâmica.


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