São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

"É a microeconomia, idiota"


A recessão americana, cantada em verso e prosa, poderá não ocorrer por causa da microeconomia

TOMO MAIS uma vez emprestada a frase que ficou famosa na campanha eleitoral de 1992 nos Estados Unidos. O motivo da sua volta a este espaço é a divulgação dos números do PIB (Produto Interno Bruto) americano no segundo trimestre do ano. Mais uma vez, o crescimento da maior economia do mundo surpreende e empurra, para os últimos três meses do ano, a cantada em verso e prosa recessão.
Os Estados Unidos cresceram 3,3% ao ano no período, e o próximo trimestre deve trazer um PIB cerca de 2% maior do que este. Com isso, nos primeiros nove meses do ano o crescimento deve permanecer perto de 2% em relação ao mesmo período de 2007.
Nada mau para quem passa por uma crise profunda em parte importante da economia -o setor de construção civil residencial- e vive uma crise bancária sem precedentes nos últimos 50 anos. Os comentários dos principais economistas de Wall Street sobre os dados divulgados ontem seguem o padrão dos últimos trimestres: "Os números são surpreendentes, mas, nos próximos trimestres, o crescimento será negativo e a economia vai entrar em recessão". O leitor deve indagar-se, a esta altura, qual a causa de tantos erros cometidos por gente preparada e inteligente.
A composição do PIB de uma economia de mercado como a americana segue um padrão histórico que é a base da construção dos modelos de previsão dos economistas. No caso americano, o consumo das famílias representa mais de 70% desse indicador, com o investimento privado representando outros 15%. Um terceiro componente do PIB é o gasto público, que representa 17,5% da geração de renda na economia.
Finalmente, temos o patinho feio representado pela contribuição do comércio exterior. No padrão americano, esse componente normalmente é negativo, isto é, ele reduz o crescimento econômico.
E aqui está o centro dos erros sistemáticos dos economistas neste complexo ano de 2008. Com a desvalorização do dólar e o crescimento sustentado do consumo nas maiores economias emergentes -o Brasil é um exemplo marcante disso-, parte relevante das empresas americanas passou a direcionar seus investimentos e suas vendas para o exterior. Com isso, o comércio internacional americano mudou de sinal e passou a representar a parte mais importante do crescimento. No segundo trimestre, ele foi responsável pelo aumento do PIB da ordem de 3%, enquanto o crescimento por conta de fatores internos foi de apenas 1,5%, com o consumo impulsionado por um corte de impostos da ordem de 1% do PIB. Influenciadas pelo pessimismo em relação ao futuro, as empresas americanas usaram parcela de seus estoques para atender a demanda, subtraindo mais de 1% do crescimento do PIB.
A contribuição da demanda externa ao crescimento americano tem quase a mesma dimensão da que ocorre no Brasil, só que com o sinal trocado. Esse novo padrão do PIB dos Estados Unidos vem ocorrendo desde o ano passado. É evidente que a desaceleração do mundo emergente, que já está em curso, vai diminuir a intensidade dessa contribuição, principalmente ao longo de 2009. Mas quando isso acontecer, a crise do mercado imobiliário deverá estar menor -no segundo trimestre de 2008 ela retirou novamente quase 1% do crescimento americano-, e a importância das exportações terá diminuído. E a tal da recessão pode não ocorrer. Tudo por causa da microeconomia...


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

lcmb2@terra.com.br


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