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OPINIÃO ECONÔMICA
Efeito estufa
JOÃO SAYAD
As sondas afundam na neve
macia, depois furam o gelo
endurecido das camadas mais
profundas. Avançam centenas de
metros abaixo da calota polar, retirando amostras de água congelada milhões de anos atrás. A
análise das amostras de gelo mostra como foi o clima da Terra milhões de anos atrás. Permite aos
cientistas concluir que a temperatura média da Terra aumenta
quando aumentam as emissões
de monóxido de carbono (CO).
As emissões de CO estão aumentando -a temperatura média da Terra vai se elevar.
Não sabemos como o aumento
se distribuirá: podem ser dias
mais quentes ou noites menos
frias, verões mais quentes ou invernos mais brandos, mais calor
nos trópicos ou menos frio nas zonas temperadas, e assim por
diante. A média vai aumentar
-não se sabe como.
Quando a Fipe anuncia que a
inflação passou de 0,5% para
0,6% no mês, a média dos preços
aumentou. A gasolina pode ter
aumentado 10%, e os outros preços, caído. O chuchu pode ter aumentado 1.000% por que não
choveu, outros preços podem ter
ficado iguais. Sabemos apenas
que a média aumentou.
A análise dos índices de preços
mostra que, quando a inflação é
de 10% ao ano, a maior parte dos
preços sobe 6% e alguns poucos
sobem 14%. Se a inflação for 20%,
a maior parte dos preços sobe
12% e alguns poucos preços sobem 28%. As distâncias em relação à média aumentam.
Além disso, quando o preço do
chuchu sobe, é possível comer menos chuchu e mais abobrinha. Se
o chuchu causou inflação de 10%,
os consumidores não ficaram
10% mais pobres. Quando sobe o
preço da energia elétrica, é possível economizar energia elétrica.
Os índices de inflação superestimam o empobrecimento dos consumidores quando sobem. E subestimam quando cai. Não existe
um índice de preços ideal nem
teoricamente.
"A verdadeira taxa de inflação"
não existe, assim como não existe
a "verdadeira temperatura média" do mundo. Este verão quente
da Europa pode ter sido o resultado do efeito estufa, ou simplesmente um verão mais quente determinado por Netuno, Éolo ou
qualquer deus do clima.
Quando a taxa de juros é de
20% ao ano e a inflação é de 10%,
a taxa de juros real será de 20 menos 6 para muitas empresas e de
20 menos 14 para poucas empresas. Muitos não poderão pagar os
juros reais de 14 e poucos poderão
pagar os juros reais de 6. Só o governo consegue pagar juros reais
tão altos.
A idéia de taxa de juros reais
decorre de outra idéia: de que a
inflação é um fenômeno monetário e neutro, que afeta todos os
preços mais ou menos da mesma
forma. "Retirando" esse efeito geral, como se limpássemos uma
calçada coberta de neve, sobrariam os efeitos reais, e, no caso dos
juros, sobraria uma taxa de juros
"real".
Mas a inflação não é uma camada de neve superficial sob a
qual se esconde a calçada áspera
na qual não se escorrega. Embaixo da inflação existem apenas variações de preços, e, embaixo da
variação de preços, mais variação
de preços. Assim como no pólo
Sul, embaixo da neve há gelo, e,
embaixo do gelo, mais gelo.
A inflação está indissoluvelmente misturada aos preços dos
telefones, da eletricidade, da gasolina, do chuchu ou dos ônibus
de Salvador. A inflação não é fenômeno monetário, como acreditavam Friedman e os brasileiros
que inventaram a correção monetária.
Apesar disso, o Banco Central
do Brasil acredita que a taxa de
juros real de equilíbrio -isto é, a
taxa de juros real que não provoca inflação- seja de 10%. Se a inflação for 5, a taxa de juros nominal deverá ser 15; se for 10, a taxa
de juros deverá ser 20. O que é isso
que o Banco Central chama de taxa de juros real? A taxa que reflete os aumentos de tarifas públicas
e petróleo ou a taxa de crescimento dos salários do setor industrial
que aumentaram menos?
Se o país cresce às vezes 3%, outras vezes 0%, quem poderá pagar juros reais de 10% ao ano?
Ninguém, apenas o governo, que
cobra impostos de quem está produzindo e redistribui os recursos
para quem tem dinheiro ou dívida pública.
A conclusão do Banco Central
se baseia na análise das taxas de
juro e da inflação no período de
1999 até 2003. Em que sentido podemos falar em taxa de juros de
"equilíbrio" nesse período tão instável? No Brasil, equilíbrio é tendência ao desequilíbrio?
Moeda ou dívida pública à prova de inflação ou com correção
monetária é uma quimera, o porto seguro de quem quer ao mesmo
tempo a tranquilidade da liquidez e a possibilidade de poder
comprar o que quiser e quando
quiser.
Ninguém consegue oferecer esse
porto seguro, esse ativo financeiro
tão confortável. Nem Júpiter. Só
os governos brasileiros e à custa
de todas as outras coisas de que
precisamos e ele não pode nos
dar.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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