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ROBERTO RODRIGUES
Agricultura e inflação
Nos últimos anos, o Brasil
teve grande crise agrícola e os preços caíram muito; agora, eles passam por recuperação
QUANDO OS preços agrícolas
despencam por qualquer razão (em geral por causa do
excesso de oferta), e não cobrem os
custos de produção, os agricultores
-como qualquer empresário eficiente- deixam de plantar. Se acontecer uma seca muito ampla e intensa, a produção pode cair demais,
não atendendo à oferta, e os preços
sobem de novo. Aí os agricultores
voltam a plantar e a oferta excede a
demanda, os preços caem outra vez
e assim vai a vida no campo nos países onde não existem políticas estabilizadoras da renda rural. É a instabilidade, ruim para todos, produtores e consumidores.
O pior é que, quando um país está
lutando para combater a inflação, o
desastre dos agricultores é a felicidade do governo, porque os preços
baixos permitem maior consumo
com oferta abundante, e os consumidores -sobretudo os de baixa
renda- podem ficar com a sensação de que aquilo é resultado de
uma boa ação governamental. Na
verdade, trata-se de um incidente
do mercado, com a vantagem, do
ponto de vista oficial, de derrubar os
índices inflacionários.
Porém, milhares de produtores
quebram, principalmente os pequenos, deixam a atividade e a produção acaba diminuindo. Os preços
voltam ao patamar anterior e, não
raro, a agricultura é acusada de ser
causadora da inflação, quando, na
verdade, o que acontece é apenas
uma recuperação.
Acrescenta-se a isso o dado óbvio
de que existe a safra e a entressafra.
Na safra, os agricultores precisam
pagar suas contas e vendem a produção a qualquer preço. Mercado
não tem coração, aperta os mais fracos. Na entressafra, aqueles que
conseguem agüentar vendem a preços melhores. Ora, isso é outra perversidade, porque concentra a renda: quem agüenta mais tempo vende melhor; quem está mais apertado ganha menos ou até perde, vendendo abaixo do custo.
Os governos dos países em desenvolvimento geralmente não entendem isso ou, se entendem, não ligam, porque os consumidores têm
muito mais votos que os produtores. Por outro lado, sabem que, na
economia globalizada, sempre dá
para importar e cobrir a falta eventual de produtos. Mas a sociedade
precisa compreender.
Nos últimos anos, o Brasil viveu
uma das suas piores crises agrícolas,
com grande quebradeira no campo,
necessidade de prorrogação das dívidas e outras medidas extremas
para sustentar a atividade. Os preços foram parar lá embaixo. Era evidente que uma hora voltariam a subir, recuperando-se. E, é claro, logo
surgiriam vozes acusando a agricultura de alimentar a inflação, esquecidos do contrário acontecido antes.
Estamos perto disso, até porque
há um aquecimento dos preços dos
alimentos em razão da demanda
por milho nos Estados Unidos e na
China. No entanto, os números não
mentem. Dados do IBGE indicam
que de janeiro de 1994 (ano da implementação do Plano Real) a agosto de 2007, o IPCA aumentou 212%.
No mesmo período, leite aumentou
181%, aves e ovos, 170%, carnes,
155%, hortaliças e verduras, 150%,
cereais e leguminosas (arroz, feijão,
soja, milho, trigo etc.), 124%, e frutas
diminuíram 34%. Tudo abaixo do
IPCA.
No entanto, serviços de comunicação aumentaram 661%, combustíveis, 634%, aluguéis, 477%, transporte, 442%, eletricidade, 393%, tudo acima do IPCA. Os agricultores
pagam por todos esses serviços, assim como os demais consumidores.
Seu custo aumenta. E a sua renda?
Como pode a agricultura ser responsabilizada pelo aumento da inflação?
ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de
Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do
Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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