São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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TRABALHO

Empresas que cortam funcionários durante dificuldades nem sempre elevam produtividade ou reduzem prejuízos

Demitir não é solução para crise, diz estudo

Katsumi Kasahara/Associated Press
O novo robô da Sony, o SDR-4X, consegue dançar e até cantar em harmonia com seu dono e custa o equivalente a um carro de luxo


DANIEL ALTMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

No momento em que a economia dá algum sinal de que está saindo da crise, diversas empresas de grande porte, como Goodyear, Humana e Verizon, decidem demitir mais milhares de funcionários.
Elas claramente acreditam que reduzir os custos trabalhistas as ajudará a ter melhor desempenho em longo prazo. Mas especialistas em estratégia corporativa e recursos humanos não estão tão certos.
Alguns argumentam que demissões, combinadas a uma reformulação cuidadosa, podem preparar o terreno para o crescimento. Outros, porém, dizem que quem evita cortar empregos colhe imensos benefícios em termos de lealdade e produtividade.
Em uma busca pelas empresas mais produtivas do mundo, Jason Jennings, consultor e autor de um livro sobre o assunto, localizou dez companhias que jamais haviam demitido funcionários.
"Não só jamais demitiram funcionários em massa", diz Jennings,"como todas têm o compromisso de que os prejuízos da empresa ou os erros e delitos dos executivos nunca serão descontados nos trabalhadores".
Jennings, que escolheu as empresas usando uma combinação de critérios financeiros elementares e pesquisa in loco, reconheceu que não podia provar que uma política de evitar demissões elevasse os lucros ou aumentasse o crescimento de um grupo. Mas ele via algo de valioso na estratégia dessas dez empresas.
"Eles sabem que, se usarem demissões, terminarão por ter uma força de trabalho mais preocupada consigo mesma do que com a produtividade", diz. Mas o quadro não é tão simples, segundo Peter Cappelli, professor da Faculdade de Administração de Empresas Wharton, da Universidade da Pensilvânia, cujo centro de recursos humanos dirige.
"Se você estudar de maneira ampla o desempenho das empresas que recorrem a demissões para verificar se elas se saem bem, a resposta é não", disse Cappelli. Mas, acrescenta, "as empresas que demitem mais são exatamente as que já têm problemas".
No passado, a indústria respondia a quedas cíclicas de demanda por meio de licenças forçadas ou dispensa de temporários. Frequentemente sindicalizados, os operários voltavam aos empregos quando os negócios melhoravam.
Outras empresas, fora aquelas que estejam perto de um colapso, muitas vezes optam por reter seus funcionários sob a teoria de que demitir e ter que readmitir são procedimentos custosos.
Absorver a despesa com salários e benefícios permite que as empresas se mantenham preparadas para aproveitar encomendas para novos negócios.
Mas o aumento da competição tornou as empresas mais agressivas quanto ao corte de custos. Ao mesmo tempo, mudanças estruturais na economia -entre elas o declínio na sindicalização e a ascensão da tecnologia da informação- tornaram o mercado de trabalho mais fluido, uma tendência que Cappelli espera que continue. Começando já há uma década, com ondas de demissões que incluíram também executivos, muitas empresas abandonaram o pensamento tradicional quanto às suas forças de trabalho.
Essa questão é um problema sério no Goldman Sachs Group, cujos serviços financeiros empregam pessoal de maneira intensiva. "Você quer reduzir sua capacidade excedente o bastante para manter um bom custo/benefício, mas não demais, porque precisa reagir quando os mercados voltarem a subir", diz um executivo do Goldman. "A empresa sabe como esse equilíbrio é delicado."
A empresa alternou pelo menos sete grandes ondas de demissões com diversos períodos de aumento no emprego, nos últimos 15 anos. No começo de 2002, ela antecipava um corte de cerca de 5% de sua força de trabalho. Quando as condições de negócios continuaram piorando, o Goldman decidiu reduzir seus quadros em 13%.
Ainda que o grupo de empresas produtivas selecionadas por Jennings talvez não recorra a demissões, empresas que as utilizaram recentemente não parecem ter apresentado desempenho inferior ao mercado. De acordo com reportagens, 38 empresas de capital aberto sediadas nos EUA realizaram mais de mil demissões cada no quarto trimestre de 2001, De janeiro deste ano até a semana passada, suas ações caíram em média 22%, a mesma queda do índice Standard & Poor's 500.
Em certos setores, demissões não são nem sequer discutíveis. Mais linhas aéreas e empresas de telecomunicações, que enfrentam séria queda de demanda, poderiam ter falido não fossem as demissões dos últimos dois anos. E, para muitas empresas fora dos setores mais atingidos, os cortes sempre foram um fator importante de mudanças estratégicas.
A Sears, Roebuck, um grupo de varejo que enfrenta dificuldades e perde mercado há anos para cadeias que vendem com descontos como a Wal-Mart, já realizou diversos cortes. No fim dos anos 80, cortou seus quadros burocráticos. Em 1993, demitiu cerca de 50 mil pessoas e fechou sua subsidiária de vendas por reembolso postal.
"A maior parte das demissões se deve a mudanças de modelo de negócios, mais que à situação econômica", diz Peggy Palter, porta-voz da Sears. Há um ano, a empresa anunciou milhares de cortes, com a reforma de suas lojas.
Mesmo que a economia não seja diretamente responsável por todos os cortes da Sears, ainda assim teve um papel. "Obviamente, a economia é um dos fatores que altera as percepções de nossos clientes quanto ao que querem de um varejista".
Embora diversos especialistas tenham defendido o downsizing como parte de um plano estratégico, como o da Sears, eles divergem quanto aos méritos de cortes para lidar com flutuações temporárias de demanda. Mesmo com a velocidade maior do mercado de trabalho, recontratar bons funcionários nem sempre é fácil.
"Não acreditamos que seja uma boa idéia concentrar porcentagem muito alta de sua organização no aproveitamento da flexibilidade do mercado de trabalho", disse Mark W. Womack, vice-presidente-executivo do grupo de consultoria Celerant. "Definitivamente uma estratégia superior seria descobrir onde sua empresa pretende estar em dois anos", diz, "e construir a organização, processos e sistemas certos, que se alinhem para permitir que você cumpra essa missão".
A Xerox, outra empresa há muito prejudicada pelos concorrentes estrangeiros, vem tentando seguir esse modelo. A empresa demitiu 9.000 pessoas em 1998, em uma grande reformulação, e anunciou mais 2.400 cortes em 2001 para economizar dinheiro.
"Nos últimos dois anos, estamos em um processo de virada", disse uma porta-voz da Xerox, Christa B. Carone. "Procuramos enxugar nosso modelo de negócios, o que significava deixar certas áreas e eliminar redundâncias. O resultado é que saímos do vermelho e nossas operações melhoraram nos dois últimos anos."
Cappelli ecoa o princípio defendido por Womack: "Se os cortes são parte de um plano de reestruturação no qual outras medidas estão previstas, é mais provável que ajudem". Mas a pesquisa de Cappelli concluiu que as empresas que demitem por razões estratégicas colhem menos benefícios do que aquelas que demitem para enfrentar excessos de capacidade. Esse último tipo de corte "claramente parece ajudar", diz.
Womack aconselha cautela, especialmente em setores onde funcionários talentosos são escassos, como o farmacêutico. "Eles precisam tomar cuidado com quem demitem e com os planos de recrutamento e retenção."
De fato, atrair funcionários qualificados pode ser mais difícil em momentos de incerteza econômica do que em um boom. Na década passada, explicou Cappelli, as empresas procurando por talentos frequentemente os contratavam fora, em lugar de treiná-los ou promovê-los. Mas hoje em dia um trabalhador valioso pode exigir significativos incentivos antes que aceite trocar de posto.
"Se você me oferece um emprego mesmo que seja um pouco melhor do que meu -e eu creio que a economia vai cair-, eu preferiria não aceitar", disse o professor Cappelli.
O problema das contratações pode se agravar, se as previsões demográficas se confirmarem. "Simplesmente não estamos gerando um crescimento de força de trabalho semelhante ao do passado", disse Sylvester J. Schieber, diretor de pesquisa da Watson Wyatt, empresa de serviços profissionais. Ainda que a filosofia de "atrair e reter" possa ter sofrido abalos recentemente, ele prevê que voltará à moda quanto o crescimento econômico causar aperto no mercado de trabalho.
A Xerox já antecipa esse momento. Alguns de seus funcionários sugeriram que se evitasse mais demissões cortando os salários de todos igualmente. Mas Anne M. Mulcahy, executiva-chefe da Xerox, insistiu em manter os salários e bônus dos trabalhadores mais produtivos.
"O mercado de trabalho mudou, mas nossa estratégia para manter os melhores, mesmo em momentos ruins, continua", afirmou a executiva.


Tradução de Paulo Migliacci


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