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OPINIÃO ECONÔMICA
O que o crédito ao consumidor pode significar para 2005?
MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS E MONICA BAER
O ano de 2004 termina com
um crescimento do PIB da
ordem de 5%. O grande indutor
dessa recuperação, sem dúvida,
foi o excepcional desempenho das
exportações não só de produtos
agropecuários mas, principalmente, de produtos manufaturados. O Brasil hoje exporta mais e
para mais países, e esse é um vetor
importante do crescimento da
economia doméstica. As exportações de produtos manufaturados
têm um efeito multiplicador
maior no mercado interno que
grande parte das exportações
agrícolas.
Como em todas as retomadas, o
processo de recuperação tende a
ser desigual nos diferentes segmentos econômicos. No caso do
consumo, destaca-se a heterogeneidade entre bens salários e bens
duráveis, estes condicionados pelo crédito. A massa salarial brasileira, medida pelo IBGE, para as
seis principais capitais do país,
vai crescer neste ano entre 2% e
2,5%, mas ainda está longe de recuperar as quedas de 2001, 2002 e
2003, respectivamente de 3,5%,
5% e 8,6%. Essa recuperação modesta da massa reflete-se nas vendas do comércio, medidas pelo
mesmo IBGE: no acumulado do
ano até outubro, em relação ao
mesmo período de 2003, o volume
das vendas nos supermercados
(que inclui os segmentos de bazar
e de eletrodomésticos) cresceu
6,7%, enquanto as vendas do segmento de móveis e eletroeletrônicos aumentaram 27,6%. Embora
não tenhamos os dados de supermercados desagregados, informações do próprio setor revelam que
as vendas de alimentos se recuperam-se em ritmo muito menor
que as de outros subsegmentos,
como bazar e eletrônicos, que comercializam produtos que podem
ser comprados a crédito.
Ainda não temos os resultados
oficiais das vendas do Natal deste
ano. Afora belas jogadas de marketing como a das Casas Bahia,
que alugaram o parque Anhembi
por todo este mês para promover
um megaespaço de vendas, a de
alguns shoppings em São Paulo e
no Rio de Janeiro, que mantiveram suas portas abertas por toda
a madrugada do dia 23 para 24, e
a de alguns supermercados, abertos por 24 horas desde o dia 20
deste mês, as vendas natalinas
deste ano devem caracterizar-se
pela continuidade do desempenho desigual: devem ter sido melhores nos setores ligados ao crédito e nas grandes redes de distribuição, as quais, apesar da elevação da taxa Selic pelo Banco Central, foram capazes de aumentar
o volume de crédito e de ampliar
os prazos de financiamento.
Quanto melhores tenham sido
as vendas natalinas, melhor será
o ciclo de reposição de estoques do
primeiro trimestre do ano. No geral, trabalha-se com um ciclo de
reposição dentro da normalidade. Nesse contexto, o ritmo de
crescimento da produção industrial no primeiro trimestre de
2005 deve continuar se acomodando a um patamar mais baixo,
movimento já verificado em outubro e que deverá repetir-se em
novembro caso a tendência apontada pelos indicadores antecedentes se confirme.
Em que medida o comportamento do crédito daqui para a
frente pode alterar esse cenário de
acomodamento do ritmo de crescimento ou sustentá-lo em níveis
mais elevados, apesar da política
monetária contracionista? Em
princípio, esperaríamos que, após
as festas de final de ano, aquelas
empresas varejistas que, apesar
do aperto monetário, tiveram fôlego para manter ou até melhorar
as condições financeiras para o
consumidor reajustassem essas
condições. Entretanto recentes
mudanças estruturais no sistema
de crédito podem significar um
comportamento distinto do que
habitualmente se observaria.
Em primeiro lugar, essas mudanças decorrem da expansão do
crédito com desconto em folha de
pagamento, que coloca no mercado um volume de consumidores
novos, como os aposentados, e um
conjunto de consumidores que,
num primeiro momento, trocaram dívida cara (cheque especial,
por exemplo) por essa modalidade, mas que, num segundo momento, ampliaram o consumo
diante da disponibilidade desse
tipo de crédito. Em segundo lugar, também tem sido destaque o
movimento de associação entre
varejo e sistema financeiro, observado no período recente: Pão de
Açúcar-Itaú, Panashop-HSBC e
Casas Bahia-Bradesco são alguns
exemplos. A junção, uma vez que
aumenta o potencial de comprometimento possível do varejo com
o crédito ao consumo, potencializa as vendas. Em terceiro lugar, o
processo de securitização de recebíveis vem se consolidando e deve
ganhar impulso ainda maior com
a própria expansão econômica e
o crescimento do faturamento.
A essas alterações estruturais
soma-se ainda um movimento
conjuntural, que também tende a
expandir o crédito ao consumo
neste momento e que decorre da
intervenção do BC no Banco Santos e da conseqüente restrição de
liqüidez enfrentada pelos bancos
médios. Esses bancos vêm estabelecendo acordos de cessão de operações de crédito com desconto
em folha com grandes bancos (como América do Sul-Bradesco e
BMC-Bradesco). Com isso, esse tipo de crédito ganha um impulso
adicional.
Em suma, queremos ressaltar
que mudanças importantes estão
ocorrendo no mercado de crédito,
principalmente no segmento ao
consumidor, e que podem explicar que o consumo se tenha mantido acima do que se esperaria a
partir da exclusiva observação do
comportamento da massa de rendimentos e da trajetória dos juros. Também é possível que, diante dessas mudanças, a política
monetária restritiva venha a ter
impacto contencionista relativamente menor sobre a demanda
nos próximos meses, ainda que a
recuperação da renda em ritmo
moderado possa, em algum momento, significar limites à expansão desse crédito. Mas, sem lugar
à dúvida, estamos vivendo uma
situação nova, de mudanças estruturais no mercado de crédito,
com subida moderada dos juros
(embora o patamar ainda seja
elevadíssimo), combinação que,
além do salário mínimo em R$
300, pode dar um fôlego adicional
ao consumo interno em 2005.
Maria Cristina Mendonça de Barros e
Monica Baer são sócias da MB Associados.
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