São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O que o crédito ao consumidor pode significar para 2005?

MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS E MONICA BAER

O ano de 2004 termina com um crescimento do PIB da ordem de 5%. O grande indutor dessa recuperação, sem dúvida, foi o excepcional desempenho das exportações não só de produtos agropecuários mas, principalmente, de produtos manufaturados. O Brasil hoje exporta mais e para mais países, e esse é um vetor importante do crescimento da economia doméstica. As exportações de produtos manufaturados têm um efeito multiplicador maior no mercado interno que grande parte das exportações agrícolas.
Como em todas as retomadas, o processo de recuperação tende a ser desigual nos diferentes segmentos econômicos. No caso do consumo, destaca-se a heterogeneidade entre bens salários e bens duráveis, estes condicionados pelo crédito. A massa salarial brasileira, medida pelo IBGE, para as seis principais capitais do país, vai crescer neste ano entre 2% e 2,5%, mas ainda está longe de recuperar as quedas de 2001, 2002 e 2003, respectivamente de 3,5%, 5% e 8,6%. Essa recuperação modesta da massa reflete-se nas vendas do comércio, medidas pelo mesmo IBGE: no acumulado do ano até outubro, em relação ao mesmo período de 2003, o volume das vendas nos supermercados (que inclui os segmentos de bazar e de eletrodomésticos) cresceu 6,7%, enquanto as vendas do segmento de móveis e eletroeletrônicos aumentaram 27,6%. Embora não tenhamos os dados de supermercados desagregados, informações do próprio setor revelam que as vendas de alimentos se recuperam-se em ritmo muito menor que as de outros subsegmentos, como bazar e eletrônicos, que comercializam produtos que podem ser comprados a crédito.
Ainda não temos os resultados oficiais das vendas do Natal deste ano. Afora belas jogadas de marketing como a das Casas Bahia, que alugaram o parque Anhembi por todo este mês para promover um megaespaço de vendas, a de alguns shoppings em São Paulo e no Rio de Janeiro, que mantiveram suas portas abertas por toda a madrugada do dia 23 para 24, e a de alguns supermercados, abertos por 24 horas desde o dia 20 deste mês, as vendas natalinas deste ano devem caracterizar-se pela continuidade do desempenho desigual: devem ter sido melhores nos setores ligados ao crédito e nas grandes redes de distribuição, as quais, apesar da elevação da taxa Selic pelo Banco Central, foram capazes de aumentar o volume de crédito e de ampliar os prazos de financiamento.
Quanto melhores tenham sido as vendas natalinas, melhor será o ciclo de reposição de estoques do primeiro trimestre do ano. No geral, trabalha-se com um ciclo de reposição dentro da normalidade. Nesse contexto, o ritmo de crescimento da produção industrial no primeiro trimestre de 2005 deve continuar se acomodando a um patamar mais baixo, movimento já verificado em outubro e que deverá repetir-se em novembro caso a tendência apontada pelos indicadores antecedentes se confirme.
Em que medida o comportamento do crédito daqui para a frente pode alterar esse cenário de acomodamento do ritmo de crescimento ou sustentá-lo em níveis mais elevados, apesar da política monetária contracionista? Em princípio, esperaríamos que, após as festas de final de ano, aquelas empresas varejistas que, apesar do aperto monetário, tiveram fôlego para manter ou até melhorar as condições financeiras para o consumidor reajustassem essas condições. Entretanto recentes mudanças estruturais no sistema de crédito podem significar um comportamento distinto do que habitualmente se observaria.
Em primeiro lugar, essas mudanças decorrem da expansão do crédito com desconto em folha de pagamento, que coloca no mercado um volume de consumidores novos, como os aposentados, e um conjunto de consumidores que, num primeiro momento, trocaram dívida cara (cheque especial, por exemplo) por essa modalidade, mas que, num segundo momento, ampliaram o consumo diante da disponibilidade desse tipo de crédito. Em segundo lugar, também tem sido destaque o movimento de associação entre varejo e sistema financeiro, observado no período recente: Pão de Açúcar-Itaú, Panashop-HSBC e Casas Bahia-Bradesco são alguns exemplos. A junção, uma vez que aumenta o potencial de comprometimento possível do varejo com o crédito ao consumo, potencializa as vendas. Em terceiro lugar, o processo de securitização de recebíveis vem se consolidando e deve ganhar impulso ainda maior com a própria expansão econômica e o crescimento do faturamento.
A essas alterações estruturais soma-se ainda um movimento conjuntural, que também tende a expandir o crédito ao consumo neste momento e que decorre da intervenção do BC no Banco Santos e da conseqüente restrição de liqüidez enfrentada pelos bancos médios. Esses bancos vêm estabelecendo acordos de cessão de operações de crédito com desconto em folha com grandes bancos (como América do Sul-Bradesco e BMC-Bradesco). Com isso, esse tipo de crédito ganha um impulso adicional.
Em suma, queremos ressaltar que mudanças importantes estão ocorrendo no mercado de crédito, principalmente no segmento ao consumidor, e que podem explicar que o consumo se tenha mantido acima do que se esperaria a partir da exclusiva observação do comportamento da massa de rendimentos e da trajetória dos juros. Também é possível que, diante dessas mudanças, a política monetária restritiva venha a ter impacto contencionista relativamente menor sobre a demanda nos próximos meses, ainda que a recuperação da renda em ritmo moderado possa, em algum momento, significar limites à expansão desse crédito. Mas, sem lugar à dúvida, estamos vivendo uma situação nova, de mudanças estruturais no mercado de crédito, com subida moderada dos juros (embora o patamar ainda seja elevadíssimo), combinação que, além do salário mínimo em R$ 300, pode dar um fôlego adicional ao consumo interno em 2005.


Maria Cristina Mendonça de Barros e Monica Baer são sócias da MB Associados.

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