São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

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ENTREVISTA

Presidente da empresa para AL diz que pode destinar US$ 3,4 bi a outros países e se queixa de burocracia e infra-estrutura

Alcoa enfrenta "pesadelo" para investir no país

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil está perdendo bilhões de dólares em investimentos por apresentar condições menos vantajosas que outros países e não garantir o fornecimento de longo prazo de um insumo crucial para a atividade da indústria: a energia.
O diagnóstico é de um entusiasta do país, Franklin Feder, 54, presidente para a América Latina da Alcoa, maior fabricante mundial de alumínio. Norte-americano de nascimento e no Brasil desde os 4 anos, Feder assumiu o posto em dezembro de 2004, depois de seis anos nos Estados Unidos no comando do setor de planejamento e análise global da empresa.
A Alcoa tem planos de investir US$ 5 bilhões no Brasil, mas US$ 3,4 bilhões podem terminar em outros países se a companhia não viabilizar projetos de geração de energia. Nesse terreno, a Alcoa enfrenta um "pesadelo", diz Feder, que inclui exigências ambientais, divergências dentro do governo e disputas políticas.
Com faturamento de R$ 2,7 bilhões em 2004, a Alcoa respondeu por 20,7% da produção de alumínio primário no Brasil, que é o sexto maior produtor mundial.
A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida à Folha na sede da Alcoa em São Paulo.

Folha - Qual é o peso do país na operação global da Alcoa?
Franklin Feder -
No faturamento, pouco menos que 5%, mas em termos de lucratividade, mais ou menos o dobro que isso.

Folha - Não é muito pouco para um país que tem vocação para produzir alumínio, como o sr. diz?
Feder -
É muito pouco.

Folha - Por que não é maior?
Feder -
A resposta conceitual é porque falta uma política de desenvolvimento industrial no Brasil, que é uma questão de várias décadas. E dentro dessa política, definir qual é o papel, as fontes e os custos de energia. Como é que se concilia energia com as necessidades da sociedade em relação à proteção do meio ambiente.

Folha - Quais são os projetos de investimentos da Alcoa no Brasil?
Feder -
Temos aprovado investimentos de R$ 1,6 bilhão nos próximos três a quatro anos.

Folha - A energia é crucial na produção de alumínio, e muitos analistas dizem que há o risco de um novo apagão no Brasil até 2010...
Feder -
Eu sou um deles. Não estão sendo construídas novas fontes de geração hídrica no Brasil. Construiu-se um parque grande de geradores de fonte térmica, mas há sérias dúvidas sobre de onde virá o gás. O país apresenta taxas favoráveis de crescimento, a demanda de energia está crescendo, mas se não for feito investimento, vai faltar energia.

Folha - O investimento de US$ 1,6 bilhão será feito mesmo sem ampliação das fontes de energia?
Feder -
Sim. Mas a nossa vontade é maior do que isso.

Folha - De que tamanho?
Feder -
O total do investimento pode chegar a US$ 5 bilhões.

Folha - Não há o risco de o Brasil acabar exportando alumina [matéria-prima] e não alumínio [produto acabado]? Algo que ocorre em parte com o minério de ferro?
Feder -
Sem dúvida. O exemplo do minério de ferro é perfeito. Por que as grandes usinas de aço não se estabelecem aqui? Há vários projetos, em São Luís, no Rio de Janeiro, para instalação de novas siderúrgicas. O Brasil está perdendo essas oportunidades.

Folha - A Arcelor desistiu de um investimento de US$ 1 bilhão no Maranhão. O que precisa ser feito para que isso não ocorra?
Feder -
Passa por uma grande negociação política e social para decidir como é que nós vamos energizar esse país. Há três anos nós queríamos trazer um projeto de produção de alumínio para o Brasil, de US$ 1,5 bilhão, que acabamos levando para a Islândia.

Folha - Por quê?
Feder -
O governo decidiu construir uma usina dedicada ao fornecimento de energia para nós, com custo entre US$ 15 e US$ 20 o MW/h. A Islândia tem uma população de cerca de 280 mil pessoas. A Alcoa chegava lá e era recebida pelo primeiro-ministro, que já tinha negociado com o Congresso e identificado o plano de ação de cada ministério no projeto. Em poucos meses, todas as etapas do investimento estavam definidas.
Vamos para o caso brasileiro. É um país de 180 milhões, com grandes disparidades regionais e vários interesses distintos. A Alcoa sempre foi muito bem recebida pelo Executivo, pelo presidente da Nação, que sempre expressa o grande interesse do país em atrair novos investimentos. A partir daí, levar um projeto desses adiante vira um pesadelo.

Folha - Quais são os empecilhos?
Feder -
Aqui, há vontade do governo federal, mas a partir daí passa-se a uma negociação. Há divergências políticas, interesses diferentes, interesses de municípios e, mesmo dentro do Executivo, há posições divergentes entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento, sem falar na questão de energia.

Folha - O sr. falou de investimentos de US$ 5 bilhões, com US$ 1,6 bilhão já aprovado. Para onde vão os US$ 3,4 bilhões restantes?
Feder -
Se não vierem para o Brasil, vão para outro lugar do mundo. É um investimento para cinco a oito anos. Esses recursos seriam destinados a uma nova fábrica de alumínio e a uma refinaria para a bauxita de Juruti. Mas, para isso, precisamos de energia.
Nós já temos investido no setor de geração. Temos investimentos em duas barragens no Sul e estamos batalhando para viabilizar novos investimentos no setor energético. O projeto que estamos perseguindo é o de Estreito, que fica na divisa do Maranhão com Tocantins. É relativamente grande, difícil de viabilizar.

Folha - Por quê?
Feder -
Por questões ligadas ao meio ambiente, dificuldades de conseguir uma licença de instalação, que depende de negociações com o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e Funai [Fundação Nacional do Índio].
Só queremos partir para um empreendimento desses por meio de um acordo social com todas as partes interessadas.

Folha - Os juros historicamente altos e a recente valorização do real também não inviabilizam investimentos no país?
Feder -
Se nós fôssemos investidores pontuais, sem dúvida esses dois fatores fariam com que deixássemos o Brasil de lado. Mas os nossos investimentos têm vida útil de 50 ou 75 anos e demoram de três a cinco anos para serem erguidos. Se hoje o juro é alto e o real, valorizado, já temos experiência suficiente no Brasil para saber que provavelmente em dois anos o real será mais competitivo e a tendência é que os juros caiam.

Folha - Qual sua expectativa para o próximo ano?
Feder -
Acho que 2006 deve ser um ano de crescimento acelerado. É um ano eleitoral, vai haver um investimento forte do setor público, que deve ser acompanhado de alguma redução da taxa de juros reais. Se você olhar para o Brasil, existem muitos motivos para ser otimista.


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