São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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BORIS TABACOF

Guerra das moedas


Os riscos gêmeos do real valorizado e dos desequilíbrios das contas públicas já recomendam atenção especial

OS DOIS autores mais importantes da teoria da guerra colocaram visões diferentes sobre o apelo à solução das armas nos conflitos entre as nações. Clausewitz declarou a guerra como a continuação da política e da diplomacia por outros meios. Sun-Tsu disse que a excelência militar consiste em dominar o exército inimigo sem precisar lutar, usando a arte do engano.
Não obstante o presidente francês Nicolas Sarkozy advertir sobre o risco de "guerra econômica", não se vislumbra um conflito armado, hoje relegado às nações periféricas. Referências são feitas à situação criada pela excessiva valorização do euro em relação ao dólar, que desde 2002 passou de US$ 0,86 para quase US$ 1,50. Os países da União Européia estão alarmados com a supervalorização da sua moeda, levando, por exemplo, a Airbus, em concorrência feroz com a Boeing favorecida pelo dólar barato, a ter afirmado estar sofrendo "ameaça de vida".
É claro que essa queda do dólar, que detém a condição de reserva global de valor, com evidentes vantagens para os EUA, deve-se a razões estruturais decorrentes dos enormes déficits americanos nas suas contas internas e externas. Mas as questões envolvidas são mais complexas, indo além das comemorações dos seus adversários que se precipitaram em afirmar que o dólar teria virado um "pedaço de papel sem valor".
O quadro global de ascensão vertiginosa da Ásia, com reservas predominantes em dólar de US$ 1,4 trilhão da China e US$ 1 bilhão do Japão, além dos países petrolíferos do Oriente Médio, leva a crer que fugir da moeda americana com sua ainda maior queda implicaria novas perdas para esses países.
Enquanto isso, os EUA não demonstram aflição acentuada com a queda do valor da sua moeda. A sua crescente competitividade típica dos países que têm moedas baratas, a exemplo da China, já se revela na forte queda do déficit da conta corrente, de um pico de quase 7% para 5,5% do PIB!
A inédita prosperidade dos emergentes suaviza o impacto dos desequilíbrios apresentados pelos ricos. Mas ninguém se engane, pois a ameaça de recessão nos EUA e na Europa pode pôr em risco os ovos de ouro dos altos preços dos produtos que os emergentes conseguem como a própria China, inclusive o Brasil, que criam a cadeia da felicidade dos novos ricos.
O quadro incerto da economia global deve colocar o Brasil em estado de alerta. Os riscos gêmeos do real valorizado e dos desequilíbrios das contas públicas expressos na elevada dívida interna já recomendam atenção especial, para não ameaçar o ciclo de crescimento sustentado que se delineia no país. O crescimento das importações, a remessa maciça de lucros e dividendos, até a irresistível atração das viagens internacionais, podem mudar o quadro positivo do superávit da balança de pagamentos.
Mesmo nos círculos mais ortodoxos, que defendem as flutuações dos mercados como regra, já começou a mudança dessa retórica. Ocorre uma intervenção coordenada dos principais bancos centrais para reduzir os riscos dos desequilíbrios do sistema financeiro global, e as principais moedas, o dólar, o euro e o yuan, tenderão a buscar uma nova correlação. Não será o Brasil o último baluarte da livre flutuação da sua moeda, sob pena de pagarmos mais do que o preço que as dificuldades globais podem nos cobrar. Os números das contas externas do mês de novembro merecem atenção redobrada.
O fatalismo cambial não corresponde aos melhores interesses do país, e, no quadro do reequilíbrio mundial que virá, devemos buscar melhor posição.


BORIS TABACOF , empresário, é vice presidente do Conselho Superior de Economia da Fiesp.


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