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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Era só o que faltava
ALOIZIO MERCADANTE
Costuma-se dizer que a política externa pouco muda,
pois ela reflete interesses de longo
prazo do Estado-Nação, e não
anseios imediatos de governos.
Contudo é possível identificar, na
análise histórica da política externa brasileira, momentos de inflexão que conduziram a mudanças paradigmáticas. Desde a política de "alinhamento automático" de Dutra, passando pela política externa independente e o
"pragmatismo responsável", as
diretrizes da inserção internacional do Brasil tiveram câmbios significativos, alguns profundos.
Pois bem, o governo do presidente
Lula inaugurou uma nova fase
histórica da política externa do
país.
De fato, a recuperação do Mercosul, antes praticamente falido;
a proposta ofensiva da Alca flexível e adequada aos interesses do
país, em contrapartida à atitude
meramente protelatória e defensiva anterior; o aprofundamento
das parcerias estratégicas e a criação de novas; a defesa altiva do
multilateralismo e dos princípios
do direito internacional público;
a criação do G20, que modificou a
correlação de forças entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento no âmbito da OMC; afora
o sucesso da política de comércio
exterior, são elementos que, entre
outros, permitem afirmar que o
governo Lula vem construindo
nova etapa da política externa
brasileira. Não houve ruptura, é
claro, mas houve, com certeza,
salto qualitativo que deu maior
consistência e assertividade ao
protagonismo internacional do
país.
No plano internacional, esse
salto qualitativo é plenamente
percebido e saudado como fato
promissor na luta contra as assimetrias da globalização. Porém
no plano interno alguns teimam
em não reconhecer os êxitos da
nova política externa. Quando o
fazem, afirmam que se trata de
mera continuidade de diretrizes
diplomáticas concebidas no governo passado. Esse tinha como
diretriz essencial de política externa a "autonomia pela integração", em contraposição à "autonomia pela distância", que teria
balizado a política externa de alguns governos desenvolvimentistas. Essa diretriz pressupunha
que a superação da "autarquização desenvolvimentista" e a integração ao processo de globalização levariam, de forma praticamente automática, ao desenvolvimento e à maior autonomia
econômica e política do país. Somada à política econômica que
realizaria os "deveres de casa"
apregoados pelo Consenso de
Washington, tal integração nos
conduziria à "modernidade".
Não obstante esse credo panglossiano, a realidade é que o governo passado criou um círculo
vicioso entre uma política macroeconômica fundada no endividamento externo e na privatização e na venda de patrimônio
nacional, que aumentou muito a
vulnerabilidade do país e fez explodir a dívida pública, e uma política diplomática e de comércio
exterior que resultou em vultosos
déficits comerciais e na fragilização dos interesses nacionais no
cenário mundial. Não houve,
portanto, maior integração, muito menos maior autonomia.
Em contraste, o novo governo
vem conseguindo gerar um círculo virtuoso entre a política econômica que reduz a vulnerabilidade
externa e a dívida pública; e a política externa e de comércio exterior que produz generosos superávits e afirma, de modo soberano,
os interesses nacionais no cenário
mundial. Trata-se, ao nosso ver,
de diferença fundamental em relação ao governo passado, que resulta de concepção distinta de Estado e de compromisso político
firme com o crescimento econômico e a inclusão social.
As gritantes evidências das diferenças e dos êxitos da nova política externa talvez expliquem a ausência de críticas substantivas no
debate interno sobre o assunto.
Tais evidências talvez expliquem
também por que os detratores
dessa nova política venham restringindo-se ao protesto ante o
acessório. O substantivo em diplomacia é saber identificar os interesses nacionais e projetá-los, de
forma assertiva, no cenário mundial. E isso o governo Lula, diferentemente do anterior, vem fazendo de modo exemplar.
A grande projeção internacional de um presidente monoglota
como Lula talvez incomode os
que desfilam com fluência idiomática, mas sem influência real,
pelo "circuito Elizabeth Arden".
Contudo não podemos deixar
que tal incômodo obscureça a
avaliação objetiva da nova política externa e desvirtue o debate
interno sobre o tema. Querer negar os claros sucessos da nova política externa ou atribuí-los à mera continuidade de gestões anteriores é falta de honestidade intelectual. Em bom português: era só
o que faltava.
Aloizio Mercadante, 50, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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