São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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TANGO DA DÍVIDA

Para ex-ministro da Economia argentino, gestão econômica responsável do Brasil é exemplo para seu país

Kirchner deveria seguir Lula, afirma López Murphy

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

Considerado um bastião do conservadorismo na Argentina, o economista Ricardo López Murphy, 53, afirma: "Sou o argentino que mais admira Lula".
No governo anterior, de Fernando de La Rúa, Murphy era ministro da Defesa e assumiu a pasta da Economia às vésperas do colapso de dezembro de 2001. Ficou só 15 dias no cargo. Com o país em convulsão, De La Rúa renunciou. A crise derivou na moratória da dívida pública, que a Argentina tenta agora reestruturar.
Candidato ao Senado, Murphy deverá enfrentar a senadora Cristina Kirchner, mulher e conselheira do presidente, em campanha pela reeleição. Foi no QG de sua campanha, a sede em Buenos Aires do partido Recrear, fundado por ele, que Murphy recebeu a Folha para a seguinte entrevista.

Folha - Em 2001, o sr. traçou um plano para tirar a Argentina da crise considerado muito rigoroso e rejeitado. Kirchner conseguiu?
Ricardo López Murphy -
A Argentina não saiu da crise. Não conseguimos normalizar a situação dos contratos, da dívida, dos bancos. Tivemos circunstâncias internacionais que permitiram recuperar um pouco o nível de atividade, mas não voltamos ao ano de 1998.

Folha - A proposta atual encaminha para a solução?
López Murphy -
Vamos saber no dia 25, de acordo com o grau de aceitação da oferta. Se houver um percentual altíssimo de adesão, o problema estará controlado.

Folha - Qual é sua avaliação sobre o governo Lula?
López Murphy -
Conseguiu algo que nós não conseguimos: obter prestígio e reputação por sua seriedade, rigor e coesão. Foi capaz de reduzir fortemente a inflação e o risco da dívida brasileira. Não o vejo acumular processos por todo lado, como nós. Além disso, o presidente Lula goza de grande prestígio internacional.

Folha - A relação entre Brasil e Argentina está em crise?
López Murphy -
Não creio. Há conflitos, dificuldades. Concordo com o que [o economista brasileiro] Edmar Bacha disse a um jornal argentino ["El Cronista"]: o enfoque da Argentina está em evitar comprar, quando ela deveria se preocupar em vender mais.

Folha - O sr. é contra adotar salvaguardas no comércio bilateral?
López Murphy -
O melhor seria um acordo macroeconômico sério; com regras que impeçam os subsídios ocultos [financiamentos do BNDES à indústria, que os argentinos consideram subsídio às exportações] e favoreçam a maior competição possível.

Folha - Que papel o sr. pretende desempenhar no Senado?
López Murphy -
Escutarão ali alguém defender as coisas que os brasileiros fazem: digo que se deve pagar; respeitar os contratos; criar segurança jurídica.

Folha - Qual é a maior dificuldade de ser oposição a Kirchner?
López Murphy -
Nos governos populistas, os benefícios se dão no presente, e os custos, no futuro. Há uma miopia generalizada. Não se vêem os custos de não investir e das quebras contratuais. Na Argentina, acham que descobriram um mecanismo incrível, que os outros não perceberam.

Folha - Na sua opinião, qual foi o maior erro do ministro Lavagna?
López Murphy -
A demora em enfrentar o problema da moratória [decretada em 2001]. Deveríamos tê-lo enfrentado antes, no começo, em 2002. No meio da crise, havia grande compreensão e muita paciência com a Argentina. Minha sensação é que a paciência conosco acabou. Por isso há tantos processos contra nós.

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