São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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ARTIGO

Sucessão de Greenspan vira problema para Bush

PAUL KRUGMAN

Alan Greenspan deve se aposentar no ano que vem. O governo Bush, em razão de sua natureza, terá dificuldade para encontrar um sucessor.
Um presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) fez uma descrição que se tornou famosa sobre o seu cargo: "Eu levo embora a bebida quando a festa está começando a animar". Os mercados de títulos e câmbio querem que a política monetária seja conduzida por alguém capaz de dizer não aos políticos. Quando o dirigente do banco central de um país é visto como flexível em excesso, o resultado é um aumento nas taxas de juros e uma moeda mais fraca.
Hoje, é ainda mais crucial do que no passado que o presidente do Fed tenha a confiança do mercado. Os EUA vêm registrando déficits orçamentários e comerciais recordes, e os estrangeiros de quem dependemos para cobrir esses déficits estão perdendo a fé.
De acordo com o "Financial Times", os bancos centrais de todo o mundo já começaram a migrar para o euro como moeda de reserva. Se Greenspan for substituído por alguém que pareça "pau-mandado" do partido que está no poder, o capital correrá para fora do país, o dólar despencará e as taxas de juros dispararão.
No entanto, é costume do presidente Bush indicar para cargos importantes apenas pessoas submissas a ele. A tendência é mais evidente no ramo da segurança nacional, mas se aplica com igual intensidade à política econômica -o atual secretário do Tesouro não tem qualificações evidentes além de sua lealdade política.
É claro que Greenspan mesmo se tornou servo leal das políticas de Bush. O presidente do Fed funcionava como severa figura paterna, exigindo retidão fiscal, quando a Casa Branca estava com os democratas. Mas se tornou o mais indulgente dos tios quando Bush assumiu. Primeiro, instou o Congresso a cortar impostos a fim de impedir um superávit orçamentário grande demais. Depois, quando os superávits viraram enormes déficits, ele apoiou uma segunda, e altamente irresponsável, rodada de cortes de impostos.
Mesmo assim, Greenspan manteve considerável credibilidade nos mercados. Quem mais poderia satisfazer tanto Bush quanto os investidores estrangeiros?
Por algum tempo, o suposto favorito à sucessão de Greenspan era Martin Feldstein, da Universidade Harvard. Como Greenspan, ele era membro da cruzada pela responsabilidade fiscal, mas terminou aderindo aos defensores dos déficits orçamentários assim que Bush assumiu o governo.
Mas essa flexibilidade aparentemente não é suficiente, porque a direita jamais perdoou Feldstein por seu momento mais brilhante -a ocasião em que, quando membro do governo Reagan, se pronunciou contra os déficits.
Glenn Hubbard, da Universidade Columbia, que trabalhou para o governo nas administrações Bush pai e Bush filho, é outro nome mencionado com freqüência. Trata-se de um economista inteligente, mas sua carreira governamental sugere que, no momento em que a festa começasse a se animar, ele diria "mais bebida? Sim senhor, como o senhor preferir".
O último nome mencionado com freqüência é o de Ben Bernanke, membro do conselho do Fed. Se Bernanke fosse conduzido diretamente de seu cargo atual para a presidência, os elogios seriam generalizados. Mas é provável que ele em breve se transfira ao conselho de assessoria econômica da presidência. Por quê?
Meu palpite é que o projeto, no caso de Bernanke, seja uma espécie de trote; a expectativa será a de que ele se prove leal defendendo o indefensável e dizendo coisas que sabe não serem verdade. Um ano disso poderia prejudicar sua reputação junto aos mercados.
Não simpatizo com a perplexidade do governo, mas desejo a Bernanke toda sorte e espero que ele saiba o que está fazendo.


Paul Krugman, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Tradução de Paulo Migliacci

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