São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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NOVO PIB

Daniel Kahneman e grupo de economistas planejam lançar indicador de bem-estar da população até o final de deste ano

Nobel elabora "índice de felicidade nacional"

Jefferson Coppola - 25.jan.05/Folha Imagem
Passistas sorriem em ensaio em SP; em pesquisa de 2001, menos de 1/3 no Brasil se disse muito feliz


MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A cada trimestre centenas de analistas, em quase todas as economias do planeta, se debruçam sobre as contas nacionais, checando a quantas anda a saúde econômica de seus países. Um grupo de psicólogos e economistas norte-americanos espera que isso mude bastante no futuro e já tem o nome do indicador que, desejam, vai rivalizar em importância com os números do PIB (Produto Interno Bruto): a "Conta de Bem-Estar Nacional", que, em linhas gerais, vai medir a felicidade da população.
No grupo está o psicólogo e Nobel de Economia (2002) Daniel Kahneman, que trabalhará com economistas e outros profissionais na criação de questionário e metodologia para medir a satisfação das pessoas com suas próprias vidas. Financiam a pesquisa o instituto Gallup e o próprio governo norte-americano.

Mina de ouro
Para o instituto de pesquisas, saber medir o nível de felicidade das pessoas de forma mais eficiente pode ser uma mina de ouro, já que não faltariam empresas dispostas a pagar para saber como tornar seus funcionários mais felizes e, de quebra, mais produtivos. Para o governo, saber o quão insatisfeita a população está com suas próprias vidas é um passo a mais para encontrar os motivos e adotar política para eliminá-los.
"Medidas de riqueza ou saúde não contam toda a história sobre como uma sociedade como um todo está vivendo. Uma medida que mostre como as pessoas gastam seu tempo livre e como elas avaliam suas experiências pode ser um indicador muito útil de bem-estar", diz Kahneman.
A ligação entre riqueza e felicidade parece mais tênue do que as pessoas tendem a acreditar. De fato, em todas as pesquisas feitas até agora, as pessoas ricas tendem a responder que são mais felizes do que as que fazem parte do grupo mais pobre de uma sociedade.
Mas algo que começou a intrigar os pesquisadores foi que, à medida que os países se tornaram cada vez mais ricos, a população como um todo parecia não se tornar mais feliz.
Um exemplo? Em 1975, 39% das pessoas mais ricas nos EUA diziam ser muito felizes. Em 1998, a cifra caiu para 37%. O mesmo ocorreu com as famílias mais pobres. Isso apesar de os dois grupos terem se beneficiado do crescimento econômico do período, terem acesso a maior número de bens e serviços e renda maior. Ou seja, quase todos estavam mais ricos, mas pareciam ou não estarem felizes por isso ou sequer notar a diferença entre a sua situação em 1975 e em 1998. Para a sociedade como um todo, parecia valer a máxima "dinheiro não traz felicidade".
O economista Richard Layard, da London School, arrisca uma explicação para o aparente paradoxo. "Quando nosso padrão de vida melhora, nós adoramos no início, mas, quando nos acostumamos, a mudança faz pouca diferença." Layard diz que as pessoas não comparam seu atual padrão de vida com o passado, mas preferem, conscientemente ou não, comparar sua atual situação com a de seus pares.
O fato de as pessoas medirem sua satisfação em relação às demais pessoas, e não em sua própria situação, também contribui para o paradoxo. Layard dá um exemplo. Questionados sobre se preferiam ganhar US$ 50 mil anuais, enquanto as demais pessoas ganhariam US$ 25 mil, ou se preferiam ganhar US$ 100 mil, enquanto as demais pessoas ganhariam o dobro, a maioria dos entrevistados optam pela primeira opção. Ou seja, preferem ser mais pobres se forem, relativamente, mais ricos que os demais.
O novo indicador, que Kahneman espera poder começar a divulgar até o final deste ano, pode ajudar governos e instituições a resolver o quebra-cabeça.
Layard, um pouco mais radical do que gostaria um economista ortodoxo, acha que a insatisfação atual é gerada pelo excesso de rivalidade, que levaria as pessoas a optarem por trabalhar demais, consumir mais. Se o padrão de comparação é sempre o quanto os outros ganham ou possuem, diz ele, as pessoas nunca param para comparar o tempo que os demais reservam para se divertir ou descansar.
Ele propõe nada menos do que aumento na tributação do consumo para corrigir essa "distorção" e incentivar as pessoas a consumir menos bens e mais lazer, em que, traduzindo o economês, lazer significa mais tempo livre.

Brasileiros felizes?
Para o Brasil, onde mais da metade da população vive em condições piores do que aquelas enfrentadas pelos 19% dos norte-americanos pobres que, em 1975, responderam ser felizes, a discussão parece sequer fazer sentido. De qualquer maneira, Alan Krueger, economista de Princeton e parte do grupo que desenvolve a "Conta de Bem-Estar Nacional" diz acreditar que todos os Estados se interessarão em medir a satisfação de suas populações. Seja para desenhar políticas públicas, seja para avaliar suas gestões.
Na pior das hipóteses, a pesquisa ajudará a jogar alguma luz no mito, ou fato, que diz que o brasileiro está entre os povos mais alegres do mundo. Já existem, claro, algumas pesquisas sobre felicidades, mas se baseiam, na maioria das vezes, em pergunta direta.
Os especialistas alertam que, nesse caso, não se trata de uma boa medida de bem-estar, já que alguém pode responder que é muito ou pouco feliz em determinado dia simplesmente porque teve uma péssima noite, acabou de se divorciar ou, sem aparente motivo, acordou de mau humor.
O que essas pesquisas dizem? A última, a World Values Survey (Pesquisa Mundial de Valores), de 2001, não coloca o brasileiro entre os mais felizes. Estamos no grupo de países em que cerca de 20% a 29% da população diz ser muito feliz. Nigerianos e mexicanos são bem mais felizes, com mais de 50%, informa a pesquisa. Dos norte-americanos, entre 40% e 49% dizem ser muito felizes.
Brasileiros ficam atrás até da Argentina, onde de 30% a 39% da população dizia considerar-se muito feliz. Note-se que a pesquisa foi realizada antes de estourar a crise do país vizinho, que, no entanto, já enfrentava uma das piores recessões de sua história.

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