São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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Ex-socialista comanda império no PR

Grupo Positivo, de Oriovisto Guimarães, fatura R$ 2,6 bi por ano com liderança em ensino, gráfica e computadores

Ex-membro da Política Operária, preso em 1968 no congresso de Ibiúna, empresário de 62 anos hoje comanda 1,5% do PIB do PR

CRISTIANE BARBIERI
ENVIADA ESPECIAL A CURITIBA

A civilização grega condenou o primeiro projeto do Teatro Positivo, inaugurado ontem (sábado), em Curitiba, à lata do lixo. Desenhos aprovados foram abandonados, após uma visita de Oriovisto Guimarães, um dos fundadores do grupo Positivo, ao teatro de Epidauro, na Grécia.
"Como professor de geometria, fiquei maravilhado com os círculos concêntricos que permitiam a mais perfeita acústica e visão a 12 mil pessoas, em 350 antes de Cristo", diz Guimarães, 62. "Deixei de lado o projeto original e mandei fazer outro, do zero."
Admirador de Sócrates (que, por sinal, o levou a Epidauro), Guimarães pontua conversas com filosofia, mesmo quando fala dos negócios que levaram sua empresa a quintuplicar de tamanho, em cinco anos.
No ano passado, o grupo Positivo faturou R$ 2,6 bilhões. Em 2003, foram R$ 550 milhões. Sob sua estrutura, estão nada menos do que a maior fabricante de computadores, a maior gráfica e o maior grupo educacional do país.
Agora, ao lado do teatro, foi aberto um centro de convenções, e um hotel deverá ser inaugurado em 2009. Todos localizados no campus da Universidade Positivo, que recebeu o status do MEC (Ministério da Educação) em janeiro. Todos serão fontes de hóspedes/visitantes da feira/espectadores de teatro, que devem ampliar ainda mais a receita do grupo.
"Só teremos feiras e congressos voltados à educação, que é foco do nosso negócio", diz Guimarães. "Também só receberemos música de qualidade, já que para o grotesco há muito espaço aberto por aí."
De ex-membro da Polop (Política Operária), preso no famoso congresso de Ibiúna (SP), em 1968, a sócio de uma empresa que sozinha gera o equivalente a 1,5% do PIB do Paraná, Guimarães passa os domingos lendo gregos e outros pensadores. Mas não gosta que o liguem a um de seus mitos: o de Midas.
"As empresas deram certo, mas já fiz muita besteira nessa área", diz Guimarães. "Fui sócio de duas rádios e um canal de televisão que deram errado. Também atrasamos alguns pagamentos no passado, quando começávamos a nos formalizar, não sejamos hipócritas."
Isso porque, como a maior parte das empresas brasileiras, o grupo Positivo nasceu do empreendedorismo de sócios que tinham apenas a força de trabalho, mas careciam de formação e capital. Corria o ano de 1972 e o cursinho pré-vestibular Positivo surgiu da iniciativa de oito professores. Hoje restam cinco deles na sociedade, cada um com 20% de participação.
"É uma história bonita, de empreendedorismo brasileiro", afirma o bibliófilo José Mindlin, que iria ao show do tenor José Carreras na inauguração do teatro Positivo, com suas filhas. "O cursinho levou-os a ter escolas, que precisava de uma gráfica e ao mesmo tempo deu origem à área de computadores."
Alguns concorrentes da área editorial afirmam que os negócios do grupo nesse segmento foram alavancados graças à venda de livros para escolas públicas. Dizem também que o Positivo tentou repetir a fórmula com o laptop de US$ 100, na licitação do MEC (Ministério da Educação).
Porém, a licitação foi cancelada porque a Positivo Informática, que apresentou a menor cotação, cobrou R$ 98 milhões por 150 mil computadores educacionais, cerca de US$ 360 para cada um deles.
"Tanto na área de livros quanto na de informática temos muito mais clientes na iniciativa privada", diz Guimarães. "Não dependemos da área pública, mas participamos de concorrências."
Mesmo tendo prosperado com negócios feitos na esfera privada, Guimarães afirma que sua relação com o poder público é "tranqüila".
Às vezes, no entanto, é obrigado a cumprir a liturgia do cargo. Na última segunda-feira, por exemplo, interrompeu o almoço para levar o convite da inauguração do teatro ao governador Roberto Requião, em mãos. Ao chegar ao Palácio das Araucárias, conforme combinado com o assessor, o governador já havia saído para almoçar com partidários do PMDB.
Guimarães deixou a entrega para o dia seguinte e disfarçou bem qualquer irritação com as idas e vindas pelas ruas de Curitiba, pelas quais dirige seu BMW. O pé pesado no acelerador, aliás, combina mais com o agressividade do homem de negócios descrito pelos amigos do que a imagem de acadêmico.
"O professor Oriovisto é objetivo e intuitivo", afirma Hélio Rotenberg, presidente da Positivo Informática. "Primeiro ele se apaixona pelas idéias e só então embasa em números os novos projetos."
Rotenberg conta que foi o que aconteceu quando ele propôs a Guimarães que o grupo começasse a fazer computadores para atender as escolas conveniadas, no fim de 1988. E o mesmo quando Rotenberg se ofereceu para dirigir a área de informática, pouco antes.
"Ninguém tem sucesso em três áreas diferentes por acaso", diz Rodrigo Rocha Loures, presidente da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) e sócio da Nutrimental.
O grupo Positivo emprega atualmente 6.000 pessoas, sendo que 300 são pesquisadores dos produtos educacionais que hoje chegam a 900 mil alunos em todo o país. Em diversos prédios espalhados pela cidade -um antigo seminário abriga a área de tecnologia-, são produzidos equipamentos exportados para diversos países. Só para o Brasil, são impressos 2 milhões de livros ao ano.
O campus da Universidade Positivo lembra um pouco o da USP, só que menor e muito mais bem cuidada. Estão lá os gramados, os blocos de prédios coloridos, a biblioteca com 120 mil títulos que abriga, inclusive, de livros do economista Roberto Campos a cisnes brancos no lago, rodeado de araucárias.
A sucessão, apontada pelos concorrentes como um dos problemas do grupo, não incomoda Guimarães. "Há duas ou três pessoas que poderiam me suceder", diz Guimarães. "Tudo depende do conselho."
Ele afirma, no entanto, que não tem planos de se afastar do grupo tão cedo. "Trabalho é a única coisa que não enjoa", diz Guimarães, que deu aulas desde os 14 anos de idade para se sustentar em Curitiba, quando "tinha só um par de tênis".
Amigo de Prestes, seu pai foi perseguido pelo governo Vargas e refugiou-se num sítio no interior do Paraná. Foi das noites sem TV e de ouvir a conversa dos adultos que nasceu o interesse pela esquerda.
"Como os negócios deram certo, poderia ter diminuído o ritmo há uns 15 anos, mas acho que, se a gente parar, a felicidade acaba", afirma.


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