São Paulo, domingo, 30 de abril de 2000


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BRASIL MUDO

Dois anos após megaprivatização, boa parte da população do país ainda não tem acesso a telefones

Teles fogem de metas, admite Anatel

Juca Varella/Folha Imagem
Posto telefônico em Propriá (SE), que foi desativado pela Telemar e serve de abrigo contra a chuva



OTÁVIO CABRAL
da Sucursal de Brasília

Dois anos após a privatização do Sistema Telebrás, grande parte da população brasileira continua sem ter acesso ao sistema de telecomunicações.
As metas definidas pelo governo federal para universalizar o acesso à telefonia não são cumpridas pelos consórcios vencedores do leilão de privatização. Quem admite a falha é a própria Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), órgão criado especialmente para fiscalizar as empresas de telefonia.
Todos esses problemas da telefonia privatizada estão gerando uma série de ações na Justiça contra a Anatel, a Embratel e as demais operadoras de telefonia.
A principal ação, que será impetrada nesta semana no Ministério Público Federal pela Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fittel), busca conseguir que a Justiça obrigue as teles a cumprir as metas e a Anatel a fiscalizá-las, sob pena de rescisão dos contratos de privatização.
Além dessa ação, há pelo menos seis outros processos em tramitação por problemas nas telecomunicações. Nesta semana, saiu a primeira condenação. A Vara da Fazenda Pública de São Paulo condenou a Embratel e a Telefônica a pagar R$ 30 milhões a consumidores por problemas na mudança de sistemas de interurbanos, no ano passado.
As outras ações estão em curso no Pará, Minas Gerais, Maranhão, Bahia e Sergipe. Advogados ouvidos pela Folha afirmam que as ações têm procedência jurídica e podem resultar na cassação das concessões.

Utopias
Uma breve análise da situação atual da telefonia brasileira mostra que algumas metas de democratização do acesso são verdadeiras utopias.
De acordo com o plano de metas, todas as localidades com mais de mil habitantes já deveriam ter telefones fixos. A cada 800 metros deveria haver um telefone público. Todos os hospitais, escolas e postos policiais, em qualquer localidade do Brasil, precisariam ter acesso a um telefone. Metade dos orelhões deveria funcionar 24 horas, com capacidade de fazer e receber interurbanos.
Nada disso vem sendo cumprido. A Folha encontrou em diversos Estados exemplos de falhas nas metas. Há cidades isoladas do mundo, regiões inteiras totalmente mudas.
Uma mostra é o Jardim ABC, cidade de 6.000 habitantes na divisa de Goiás com o Distrito Federal que tem apenas um telefone, inaugurado há duas semanas. Detalhe: fica nessa cidade a fazenda do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, responsável pela telefonia brasileira.
"As metas não são cumpridas em nenhum Estado. Os serviços hoje não atendem o que foi previsto na privatização, nem em quantidade nem em qualidade", opina Luiz Antônio Silva, presidente da Fittel e autor da ação no Ministério Público Federal.
O principal problema na fiscalização é que as próprias empresas enviam mensalmente à Anatel os relatórios de qualidade de serviço. É como se um aluno preenchesse o boletim escolar com as notas que quisesse tirar.
A Anatel não tem uma equipe para fiscalizar os números e não há punição prevista. As punições só começam a valer em 2003. Coincidência ou não, a maior parte das metas é cumprida por todas as teles.
O presidente da Anatel, Renato Guerreiro, admite que não tem meios eficientes de fiscalização. Promete que a situação começa a mudar em um mês, quando será contratada uma empresa para auditar os dados das operadoras.
Outra falha é que os relatórios enviados à Anatel só contêm números absolutos. As empresas dizem qual a quantidade de telefones públicos em cada Estado, mas não discriminam por cidade nem por bairro.
"Há uma clara concentração de serviços nas regiões mais ricas, onde há compensação econômica e onde já há redes de telecomunicações instaladas", constata o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA). "As empresas privatizadas deixaram de lado o compromisso com o lado social das telecomunicações."


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