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São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforma ou ré-forma?

PAULO RABELLO DE CASTRO

Na vida , nada existe de pior que as oportunidades perdidas. Oportunidades são como janelas; nem sempre estão abertas. O alpinista não escala a montanha na tempestade; avalia o tempo e planeja sua subida para o momento mais adequado. Mesmo que erre, está preparado porque calculou bem suas chances.
O governo, guiado por suas equipes econômicas, tem sido um montanhista sofrível. Ao calcular por pura motivação política, planeja uma escalada mirando mais o vale que a montanha.
Ao apresentar o traçado das chamadas reformas tributária e previdenciária, ainda na semana passada, o ministro José Dirceu, o inteligente e empenhado braço direito do presidente Lula, teria afirmado algo como "reformas amplas são reforma nenhuma". Nisso não inovou muito, pois é o que mais se ouve na política de Brasília desde que, há mais de uma década, governo e Congresso começaram a tratar da modernização das leis que regem a vida econômica do país.
Imaginem, por exemplo, se JK fosse lançar seu projeto de construir Brasília começando por vender aos políticos e ao povo a idéia de uma pequena capital, apenas a Brasília possível. Não teria realizado Brasília nenhuma, com toda certeza. Nem se tivesse dois ou três mandatos.
Tudo, aliás, começa com um bom projeto, com arquitetos e planejadores criativos e dedicados à missão que se deseja realizar. Seja o megaplano de fundar uma nova cidade, seja o grande projeto de relançar uma nova ordem econômica e social. O povo escolheu, entre quatro candidatos disponíveis, justamente aquele que, insistentemente, falava mais em sonho e na possibilidade de vencer o medo.
O medo é natural; qualquer um que escala as montanhas da vida sabe bem disso. A solidão do alto também dá vertigem e ânsia de retorno; às vezes paralisia ou ímpeto de minimização do trajeto programado. Mas é preciso combater esses sentimentos de derrota prévia.
Embora sem conhecer ainda o texto definitivo das propostas oficiais das reformas tributária e previdenciária, podemos inferir, pelo já divulgado e declarado pelas autoridades, que a ambição reformista inicial se reduziu a quase nada. O alpinista pretende apenas fazer um circuito de treino. Não é jogo de campeonato. Não é projeto de vida, coisa sonhada, mar de esperança.
Na parte tributária, reuniram os 27 governadores para conjurar a unificação das legislações do ICMS. Para isso, bastaria uma reunião do Confaz, o conselho técnico-fazendário no qual isso se resolve. Reformar o ICMS para mantê-lo, mesmo com as boas (e demoradas!) intenções de desonerar uma cesta básica de alimentos, é o mesmo que projetar um palácio em cima de um casarão velho. Faltou ousadia. Faltou iniciativa, a ponto de não se tentar aproveitar o tão bem trabalhado projeto de reforma desenvolvido pela Comissão Especial da Câmara, presidida pelo hoje governador Germano Rigotto (PMDB-RS) e relatada pelo diligente deputado Mussa Demes (PFL-PI). Era um projeto de "consenso"; havia esforço e planejamento naquela versão de reforma tributária.
Portanto a reforma tributária anterior, apoiada por amplo segmento do Congresso Nacional, era muito menos tímida do que a atual versão, pelo que a conhecemos. Ainda seria tempo de crescer na ambição reformista, apesar do retrocesso da proposta inicial "dos governadores".
Pior terá sido a proposta no campo previdenciário, na qual fomos patrioticamente induzidos, pelo entusiasmo do ministro da pasta, a esperar algo corajoso e inovador. Frustrante, no entanto, foi o enfoque que se acabou dando ao tema. É criticável a mentalidade fiscalista que permeia a questão previdenciária. Na discussão oficial, tudo gira em torno do déficit de caixa. Óbvio que a Previdência é, hoje, o principal dreno aos cofres públicos, no tocante aos regimes próprios dos servidores públicos. Controlar esse dreno é obrigação do governo. No entanto é excesso de imaginação chamar essas providências de "reforma previdenciária". Reforçar o caixa do governo está longe de ser proposta de reforma, quer na Previdência ou em qualquer outro tema. O objetivo é fazer o país melhor.
A generosidade de uma reforma para valer está na própria natureza do que se pretende alcançar. Por exemplo: um sistema igual para todos na base previdenciária. Isso soa PT? Pois é por causa desse tipo de sonho que o Partido dos Trabalhadores ganhou as eleições. Não para dizer, como ouvi -decepcionado- ainda outro dia, que "o objetivo da reforma (previdenciária) é atingir apenas 6% dos que têm cobertura no sistema, sem alterar o regime geral do INSS e objetivando um caixa extra da ordem de R$ 4 bilhões/ano".
Mas o que faremos com o caixa extra se a confiança na previdência pública não for resgatada à população?
A ênfase fiscalista de obtenção de mais caixa para o governo fará as pretendidas reformas afastarem-se do seu objetivo central, da sua motivação maior, que seria dotar o país de um marco jurídico-tributário e previdenciário para ser o líder da América do Sul e um país próspero, em que os empregos sejam gerados com facilidade. Enfim, um país mais justo e competitivo, que cresça para valer.
Mas não. A sombria perspectiva lançada pelas propostas iniciais do governo provavelmente terá aumentado a carga tributária, como percentagem da produção total, dos atuais 36% para algo como 40% do PIB ao final do mandato de Lula, como mostra o quadro que acompanha este modesto texto de alerta.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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