|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Reforma ou ré-forma?
PAULO RABELLO DE CASTRO
Na vida , nada existe de pior
que as oportunidades perdidas. Oportunidades são como janelas; nem sempre estão abertas.
O alpinista não escala a montanha na tempestade; avalia o tempo e planeja sua subida para o
momento mais adequado. Mesmo que erre, está preparado porque calculou bem suas chances.
O governo, guiado por suas
equipes econômicas, tem sido um
montanhista sofrível. Ao calcular
por pura motivação política, planeja uma escalada mirando mais
o vale que a montanha.
Ao apresentar o traçado das
chamadas reformas tributária e
previdenciária, ainda na semana
passada, o ministro José Dirceu, o
inteligente e empenhado braço direito do presidente Lula, teria
afirmado algo como "reformas
amplas são reforma nenhuma".
Nisso não inovou muito, pois é o
que mais se ouve na política de
Brasília desde que, há mais de
uma década, governo e Congresso
começaram a tratar da modernização das leis que regem a vida
econômica do país.
Imaginem, por exemplo, se JK
fosse lançar seu projeto de construir Brasília começando por vender aos políticos e ao povo a idéia
de uma pequena capital, apenas a
Brasília possível. Não teria realizado Brasília nenhuma, com toda
certeza. Nem se tivesse dois ou três
mandatos.
Tudo, aliás, começa com um
bom projeto, com arquitetos e planejadores criativos e dedicados à
missão que se deseja realizar. Seja
o megaplano de fundar uma nova
cidade, seja o grande projeto de
relançar uma nova ordem econômica e social. O povo escolheu, entre quatro candidatos disponíveis,
justamente aquele que, insistentemente, falava mais em sonho e na
possibilidade de vencer o medo.
O medo é natural; qualquer um
que escala as montanhas da vida
sabe bem disso. A solidão do alto
também dá vertigem e ânsia de
retorno; às vezes paralisia ou ímpeto de minimização do trajeto
programado. Mas é preciso combater esses sentimentos de derrota
prévia.
Embora sem conhecer ainda o
texto definitivo das propostas oficiais das reformas tributária e
previdenciária, podemos inferir,
pelo já divulgado e declarado pelas autoridades, que a ambição
reformista inicial se reduziu a
quase nada. O alpinista pretende
apenas fazer um circuito de treino. Não é jogo de campeonato.
Não é projeto de vida, coisa sonhada, mar de esperança.
Na parte tributária, reuniram
os 27 governadores para conjurar
a unificação das legislações do
ICMS. Para isso, bastaria uma
reunião do Confaz, o conselho
técnico-fazendário no qual isso se
resolve. Reformar o ICMS para
mantê-lo, mesmo com as boas (e
demoradas!) intenções de desonerar uma cesta básica de alimentos, é o mesmo que projetar um
palácio em cima de um casarão
velho. Faltou ousadia. Faltou iniciativa, a ponto de não se tentar
aproveitar o tão bem trabalhado
projeto de reforma desenvolvido
pela Comissão Especial da Câmara, presidida pelo hoje governador Germano Rigotto (PMDB-RS) e relatada pelo diligente deputado Mussa Demes (PFL-PI).
Era um projeto de "consenso"; havia esforço e planejamento naquela versão de reforma tributária.
Portanto a reforma tributária
anterior, apoiada por amplo segmento do Congresso Nacional,
era muito menos tímida do que a
atual versão, pelo que a conhecemos. Ainda seria tempo de crescer
na ambição reformista, apesar do
retrocesso da proposta inicial "dos
governadores".
Pior terá sido a proposta no
campo previdenciário, na qual fomos patrioticamente induzidos,
pelo entusiasmo do ministro da
pasta, a esperar algo corajoso e
inovador. Frustrante, no entanto,
foi o enfoque que se acabou dando ao tema. É criticável a mentalidade fiscalista que permeia a
questão previdenciária. Na discussão oficial, tudo gira em torno
do déficit de caixa. Óbvio que a
Previdência é, hoje, o principal
dreno aos cofres públicos, no tocante aos regimes próprios dos
servidores públicos. Controlar esse dreno é obrigação do governo.
No entanto é excesso de imaginação chamar essas providências de
"reforma previdenciária". Reforçar o caixa do governo está longe
de ser proposta de reforma, quer
na Previdência ou em qualquer
outro tema. O objetivo é fazer o
país melhor.
A generosidade de uma reforma
para valer está na própria natureza do que se pretende alcançar.
Por exemplo: um sistema igual
para todos na base previdenciária. Isso soa PT? Pois é por causa
desse tipo de sonho que o Partido
dos Trabalhadores ganhou as
eleições. Não para dizer, como ouvi -decepcionado- ainda outro
dia, que "o objetivo da reforma
(previdenciária) é atingir apenas
6% dos que têm cobertura no sistema, sem alterar o regime geral
do INSS e objetivando um caixa
extra da ordem de R$ 4 bilhões/ano".
Mas o que faremos com o caixa
extra se a confiança na previdência pública não for resgatada à
população?
A ênfase fiscalista de obtenção
de mais caixa para o governo fará
as pretendidas reformas afastarem-se do seu objetivo central, da
sua motivação maior, que seria
dotar o país de um marco jurídico-tributário e previdenciário para ser o líder da América do Sul e
um país próspero, em que os empregos sejam gerados com facilidade. Enfim, um país mais justo e
competitivo, que cresça para valer.
Mas não. A sombria perspectiva
lançada pelas propostas iniciais
do governo provavelmente terá
aumentado a carga tributária,
como percentagem da produção
total, dos atuais 36% para algo
como 40% do PIB ao final do
mandato de Lula, como mostra o
quadro que acompanha este modesto texto de alerta.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
Texto Anterior: Lula reclama de proposta norte-americana Próximo Texto: Imposto de renda: Entrega da declaração termina hoje Índice
|