São Paulo, quinta, 30 de abril de 1998

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LUÍS NASSIF
A Unipar e o "custo família"

O caso da holding Unipar é o exemplo típico das deformações do capitalismo brasileiro. A criação da empresa, em 1969, representou um marco na história do mercado brasileiro, fruto da cabeça brilhante do advogado José Luiz Bulhões Pedreira. O mesmo Bulhões Pedreira foi o autor da Lei das Sociedades Anônimas, que criou instrumentos de defesa dos minoritários.
Seis meses atrás, coube a Bulhões Pedreira, a pedido da família Soares Sampaio -que controla a holding- redigir o contrato firmado com um dos mais prestigiados executivos brasileiros, Edison Vaz Musa, ex-presidente da Rhodia, para reestruturar a companhia. Nesta semana, Bulhões assumiu a defesa de Musa, afastado da companhia, acusado pela família controladora de não corresponder às expectativas iniciais.
A família Soares Sampaio -cujo líder é Paulo Geyer, genro de Alberto Soares Sampaio, já morto- possui apenas 17% do capital da Unipar. Mas esses 17% correspondem a 51% das ações ordinárias -com direito a voto-, o que lhe garante o controle da holding.
No primeiro trimestre do ano passado, a Unipar registrou prejuízo de US$ 5,6 milhões. No primeiro trimestre deste ano, lucro de US$ 6,6 milhões.
O custo da holding, mais coligadas, era de US$ 22 milhões por ano. Baixou para US$ 12,5 milhões, anualizados, dos quais US$ 4,5 milhões correspondiam ao chamado "custo família" -contratos com empresas de consultoria que não assessoravam e funcionários que não trabalhavam, todos ligados à família controladora.
Esse dinheiro é desviado diretamente do bolso do acionista minoritário. Durante todo esse período, embora escudados em uma Lei das Sociedades Anônimas que garante seus direitos, os minoritários jamais reagiram a essa situação. Apenas nesta semana foi constituído um conselho fiscal, incumbido de fiscalizar as contas da empresa.
Foi esse o pecado de Musa -como de muitos outros executivos que assumiram o comando da Unipar, e tentaram inutilmente reduzir o "custo família". E esse é um dos componentes da tragédia brasileira: a falta de reação do consumidor (no caso, do minoritário), mesmo sendo tungado e tendo o amparo da lei.

História

No entanto, no já longínquo 1969, a Unipar foi um marco na história do mercado de capitais brasileiro.
Em 68 e 69, foi lançado o programa petroquímico. O tema estava politizado. Discutia-se se o monopólio da Petrobrás estaria sendo ferido ou não.
Proibida por lei de se expandir, a Refinaria União -controlada pela família Soares Sampaio- interessou-se pela petroquímica. Mas sua implantação pressupunha que simultaneamente se criasse uma grande quantidade de fábricas que consumissem a produção.
A Brasil Warrant (do grupo Moreira Salles) detinha 50% do capital da Carbocloro, fabricante de soda. Os Soares Sampaio tinham a Petroquímica União. O complexo foi acrescido de uma fábrica de PVC e da Poliolefinas, controlada pela Petrobrás. Na montagem da companhia, a BW e grupo Soares Sampaio ficaram com 25% cada; a Petrobrás, com 25% e os outros sócios, com o restante.
Para se capitalizar, o grupo decidiu fazer o maior projeto de captação de recursos da época. O que foi feito por meio do lançamento, em mercado, da novidade das debêntures conversíveis em ações, com correção monetária -lance ousadíssimo, já que se referia a uma holding que, em vez de patrimônio imobiliário, tinha apenas ações como ativo.
Houve um grande lançamento em novembro de 1970, cerca de US$ 10 milhões ou US$ 12 milhões em debêntures conversíveis em ações, imenso para a época.

Problemas de origem

Em breve começaram a surgir os primeiros problemas com os sócios. Paulo Geyer, genro de Sampaio, passou a utilizar firmas satélites de parentes para fornecer à Unipar. O que levou a BW a retirar-se do negócio.
Tempos depois, o então presidente da Petrobrás, Ernesto Geisel, manobrou o preço do eteno para obrigar o grupo a se desfazer da refinaria União. Na ocasião, ocorreu um dos episódios mais nebulosos do mercado de capitais brasileiro. A família controladora saiu com patrimônio, o capital dos minoritários foi literalmente reduzido a pó e eles impedidos de se manifestar por pressão indireta de organismos da repressão.
Depois disso, a Unipar sobreviveu, porque dispõe de participação acionária em empresas tocadas por outros sócios. Mas a sucessão de crises com acionistas e executivos parece mais a crônica da morte anunciada.
O sucessor de Musa será o filho de Paulo Geyer.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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