São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Fim da bolha aproxima EUA do modelo japonês

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Quando veio a crise japonesa, no início dos anos 90, ganhou o mundo a crítica ao modelo japonês de capitalismo.
No final dos anos 90, quando o resto da Ásia mergulhou na crise, a onda voltou com mais força. A saída, diziam analistas, era reformar aquelas economias para que se tornassem verdadeiramente capitalistas.
O mesmo viés ganhou a mídia, universidades e consultorias em 1998. A Rússia quebrou e virou moda apontar o dedo para o "capitalismo de máfias".
Nesses episódios aquelas economias eram vistas como sub ou pseudocapitalistas por falta de transparência na operação das instituições financeiras, excesso de regulação sobre os mercados (peso excessivo do Estado) e irracionalidade na gestão das empresas (por investir demais ou por políticas insustentáveis de administração de recursos humanos).
No fundo, tratava-se de valorizar os padrões ocidentais de funcionamento racional dos mercados e de gestão transparente das empresas. A onda chegou ao auge com os modelos de "governança corporativa", apreciados principalmente por universidades e "think tanks" norte-americanos.
Coroando o processo, economistas voltados à pesquisa da desregulação e a outros aspectos institucionais do livre mercado e da escolha racional ganharam Prêmios Nobel. A boa governança tornou-se ponto central na agenda do Fórum Mundial de Davos e em organismos multilaterais como o Bird.
Listas de classificação de países de acordo com o grau de corrupção de seus mercados e de qualidade de suas instituições tornaram-se uma coqueluche.
Ao lado de supostas virtudes macroeconômicas (como o equilíbrio fiscal e a inflação muito baixa), a transparência e a racionalidade que se imaginavam típicas do modelo anglo-saxão de economia de mercado tornaram-se a referência. O padrão deveria ser aplicado a empresas e a países.
Os escândalos recentes nos EUA, com origem tanto em instituições financeiras quanto em empresas do lado real da economia, revelam que o capitalismo que se imaginava autêntico está muito longe do padrão que seus líderes vinham projetando sobre o resto do mundo.
A economia recente será reescrita, e a crise asiática, reinterpretada. Será vista menos como fruto de idiossincrasias da cultura japonesa ou do Estado coreano e mais como erros de condução da política econômica.
O revisionismo, aliás, já começou. Uma lição básica é que o Estado demorou para agir e foi tímido quando agiu (o oposto da crença global recente). Outra lição é que os indicadores de risco são, eles próprios, um risco (acreditar neles é arriscado).
Quem tira lições desse tipo não são historiadores marxistas nem estruturalistas latino-americanos, mas pesquisadores que estão no centro da política econômica global, o Fed. Acaba de ser publicado um estudo pelo BC dos EUA que faz esse tipo de releitura da crise japonesa ("Preventing Deflation: Lessons from Japan's Experience in the 1990s", junho de 2002, www.federalreserve.gov/pubs/ifdp/2002/729/ifdp729.pdf).
A julgar pelas notícias das últimas semanas, ainda há muito para vir à luz em termos de esquemas de fraude financeira nos bancos de investimento, de práticas de manipulação contábil para inflar a remuneração de altos executivos e de exploração predatória das brechas abertas pelo Estado enxuto.
Rever o que houve no Japão é um bom começo. É por onde o principal banco central do mundo caminha.


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