São Paulo, Quarta-feira, 30 de Junho de 1999
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LUíS NASSIF

As metas inflacionárias

Para muitos o sistema de "metas inflacionárias" -o modelo de previsões que pautará a política monetária do Banco Central daqui por diante- é uma sofisticação acadêmica desnecessária. É possível. Mas não há como negar que, desde as mudanças introduzidas por Ibrahim Eris, no início dos anos 90, pela primeira vez vê-se vida em movimento no Banco Central, preparando-o para atuar dentro dos novos paradigmas da globalização.
Para o presidente do BC, Armínio Fraga, a partir do momento em que o país optou pela flutuação do câmbio, havia a necessidade de instituir uma outra âncora para administrar as expectativas. A mais tradicional, a meta monetária, caiu em desuso, pelas novas formas de moedas eletrônicas, investimentos, formas de crédito que implodiram o conceito de agregados monetários. Outra alternativa seria criar modelos discricionários, sem regras fixas. A opção foi pela estabilidade explícita, o sistema de "metas inflacionárias", visando a ancorar as expectativas do mercado em relação aos preços.
Funciona assim:
1) Estima-se um cenário de inflação a ser perseguido no médio prazo, juntando diversos indicadores de preços e de atividade.
2) A partir dele, define-se a taxa de juros adequada para manter a inflação sob controle.
3) Os mecanismos de transmissão da política monetária são basicamente a taxa de juros e o compulsório (o percentual dos depósitos que os bancos têm que recolher ao Banco Central). Taxas de juro influenciam investimento, consumo de bens duráveis, crédito em geral, taxas de câmbio e -importante- as expectativas dos agentes econômicos.
4) Vai-se tolerar um certo desvio nas metas inflacionárias. O desvio é a margem de tolerância do BC a choques de oferta. Quanto maior a margem de tolerância, maior a margem para ajustes graduais de rota. Se a margem de tolerância é zero, um choque de demanda muito forte leva a um salto dos juros com efeitos de curto prazo na inflação, mas levando a recessões brutais. Na Inglaterra a margem de desvio é de um ponto percentual ano. Por aqui, deverá ser maior.

Estatísticas
A primeira dificuldade do modelo é a falta de séries estatísticas confiáveis e suficientemente longas para permitir traçar cenários razoáveis de médio prazo. Armínio lembra que a Nova Zelândia instituiu o modelo em pleno vôo, mal saindo de um ambiente hiperinflacionário. Depois, foi ajustando a máquina.
Para operar a contento, foi necessário dotar o BC de um Departamento de Pesquisa. Até então tinha um Departamento de Estatística bem montado, mas sem nenhuma forma de análise sofisticada de cenários.
A segunda dificuldade são as distorções entre a taxa primária de juros e a taxa que chega ao tomador de crédito. Quando o mecanismo está azeitado, com muito pouco movimento o Federal Reserve consegue induzir a mudanças de cenário. Aqui os juros influem na atividade econômica, mas a níveis dramaticamente elevados. Armínio tem consciência de que os mecanismos de transmissão -da taxa primária do Banco Central ao crédito- são extremamente imperfeitos no país. Por isso mesmo, considera que parte do desafio do novo BC será conectar as taxas com os instrumentos de crédito.
O Departamento de Pesquisa passou, então, a incorporar o mundo real em suas análises. E identificou três frentes de combate para a redução da taxa de juros na ponta do tomador: a previsibilidade macroeconômica, a redução das cunhas fiscais (trabalho que está sendo desenvolvido pela Receita) e a competição.
Um dos pontos centrais das altas taxas de juro é a estrutura de depósitos compulsórios, campo em que o BC tem se comportado de maneira bastante conservadora. No médio prazo, a tendência é de redução do compulsório, assim como do direcionamento de crédito. Por enquanto, o compulsório está sendo utilizado para controlar a demanda. Teme-se que, com redução de juros e liberação do compulsório, haja excesso de liquidez, provocando movimentos especulativos.
É até possível que o novo modelo não vingue. Mas, inegavelmente, mudou a maneira de o BC ver a si próprio: não mais um mundo cercado por um país, mas como uma peça de uma engrenagem maior, da economia.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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