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LUÍS NASSIF
O poeta e a canção
Quando Vinícius de Moraes morreu, lá se vão dez
anos, foi como se minha geração
inteira tivesse perdido um parente íntimo, daqueles que nos
instruíram nos primeiros namoros, que nos acompanharam em
todas as emoções.
Toda lembrança romântica ou
nostálgica tinha como referência
uma música de Vinícius.
A primeira serenata, a primeira paixão platônica, a primeira
namorada, o primeiro boteco de
boemia, tudo passava pelo poeta
Vinícius.
Lá em Poços de Caldas (MG),
Vinícius de Moraes só não era
unanimidade quando se tratava
de qualificar quem era o maior
poeta brasileiro.
A maior parte da turma ficava
com Carlos Drummond de Andrade, alguns com Manuel Bandeira, dois cruzadistas ficavam
com os concretos.
Os novos não chegavam até
nós. Mário Faustino era uma
lenda que ninguém lera, porque
a distribuição do carioca "Jornal
do Brasil" não chegava tão longe.
Carlos Penna, o homem azul
de Recife, também era uma referência distante.
Confesso que, se tivesse lido o
poema que Bruno Tolentino fez
para a morte de Anecy Rocha, o
teria incluído imediatamente
nas nossas discussões sobre o
maior.
Mas o que batia no peito, repicava no fígado e cobria de emoções a razão era Vinícius de Moraes.
Não era apenas o poeta maior,
era o guia. Todos queriam ser
como Vinícius, amar e ser amado como Vinícius, beber como
Vinícius.
Privilégio
Quando o Newton, que estudava em Ouro Preto, contou que
passou uma noite bebendo com
Vinícius e com um estudante
chamado João Bosco, a gente pedia para ele repetir toda hora cada gesto que se lembrava do
mestre.
Os puristas torciam o nariz.
Até hoje não aceitam que a letra
de música tenha valor literário.
E Vinícius sempre foi contra limitações e formalidades.
Na Música Popular Brasileira,
não teve ninguém que o superasse, apesar dos grandes Luiz Peixoto e Orestes Barbosa, e dos
clássicos contemporâneos, como
Aldir Blanc, Chico Buarque,
Caetano, Paulo César Pinheiro e
Hermilo Bello de Carvalho.
A bossa nova teve Tom Jobim e
João Gilberto.
Mas a marca maior do movimento foi Vinícius. Ele deu a temática, o modo de vida carioca,
a paixão desenfreada e moderna.
Com ele, Tom Jobim atingiu
seus maiores momentos. Depois,
cada novo compositor que se
aproximava de Vinícius conseguia alcançar, com ele, o seu auge.
Tome-se toda a produção de
Carlos Lyra. A parte mais expressiva, de longe, são as parcerias com Vinícius.
Baden Powell foi o maior violonista popular do século. Mas,
nas composições, jamais conseguiu igualar o período em que
seu letrista foi Vinícius.
Foi o letrista clássico da dor-de-cotovelo, o autor das mais expressivas cantigas infantis modernas ("Era uma casa, muito
engraçada / não tinha teto, não
tinha nada"), o homem das críticas sociais.
Qualidades
O curioso na história é que Vinícius não era apenas o grande
letrista e ideólogo de uma nova
estética. Era também um compositor dos mais expressivos que
apareceram.
Compôs poucas melodias, mas
todas elas obras-primas de simplicidade musical, de equilíbrio
estético.
Como "Valsinha", curiosamente uma obra prima de melodia, dele, em uma obra-prima de
letra, de Chico Buarque-, "Serenata do Adeus" ("ai, a lua que
no céu surgiu / não foi a mesma
que partiu"), um clássico da dor-de-cotovelo, com letra e música
dele.
Assim como "Cem por cento",
nosso hino nacional atual ("Há
tanta gente que diz, coisas dela /
mas essa gente que diz cai por
ela"), ou esse primor de equilíbrio melódico criativo que é "Pela luz dos olhos teus".
Popularização
Confesso que os de minha geração torcemos o nariz quando ele
se aproximou de Toquinho.
Nada contra Toquinho, que já
surgia como um belíssimo violonista e um parceiro de Chico
Buarque em algumas músicas
consagradas em nossas serenatas. Mas é que parecia que o velho mestre estava começando a
se cansar.
Passou a produzir em larga escala e, pior do que isso, a fazer
um sucesso danado.
No fundo admito aqui, de público: o que nos incomodava é
que Vinícius deixava de ser
"nosso".
Ele passava a ser amado também pelos freqüentadores de cervejarias, por aquele povo barulhento e alegre que gostava também de Luiz Ayrão e Paulo Diniz.
E o pior é que as músicas eram
um embalo só.
Mas até os mais críticos da dupla esquecem esse preconceito
besta e colocam-se de joelhos
quando alguma rádio desavisada toca "Rosa Desfolhada"
("Tento compor, com nosso
amor, dentro da tua ausência"),
dele e de Toquinho.
Foi o dia em que Toquinho virou Tom Jobim, e Vinícius mostrou que um poeta nunca envelhece.
E-mail - Inassif@uol.com.br
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