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PESCA
No vilarejo de Bitupitá, no Ceará, pescadores ainda resistem, mas podem acabar devido à concorrência industrial
"Vaqueiro do mar" é espécie em extinção
ROBERTO LINSKER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A pesca de curral, umas das formas mais antigas e tradicionais de
pescaria do litoral brasileiro, está
em via de extinção. A forma artesanal com que os pescadores no
vilarejo de Bitupitá, no município
de Barroquinha (CE), tiram seu
sustento do mar não resiste mais à
concorrência da pesca industrial.
Os currais são grandes cercados
de madeira e arame colocados a
150 metros da orla em formato de
dois corações. Fixado ao fundo do
mar por estacas (chamadas de
mourões), esses cercados se
transformam em "salões".
A abertura desse "salão" fica a
favor da corrente marítima.
Quando um peixe ou cardume
entra ali, não consegue mais voltar e fica aprisionado. Represado,
o trabalho do pescador, também
chamado de "vaqueiro do mar",
fica fácil.
A cada oito meses as estacas
apodrecem e precisam ser trocadas. É quando os "vaqueiros", em
alto-mar, se equilibram em frágeis bancos e martelam novas estacas. A cena é dantesca.
Segundo Elda Tahim, engenheira de pesca do Centro de Ensino
Tecnológico de Fortaleza, que estuda a pesca no Ceará, existem
atualmente cerca de 25 currais na
região de Bitupitá.
"Num passado recente, chegou
a ter 123", diz. "Essa forma de pescaria existe desde 1869 e foi trazida por imigrantes portugueses.
De lá para cá, tornou-se uma tradição passada de pai para filho."
A construção desses currais
custa de R$ 25 mil a R$ 60 mil, pagos pelo dono da empreitada. Do
total de peixe recolhido, 75% ficam para ele e o restante é dividido entre os "vaqueiros" que diariamente vão ao cercado.
O "vaqueiro", porém, não recebe a sua parte em dinheiro após a
venda diária. Recebe apenas o
peixe necessário à subsistência da
família. De tempos em tempos,
solicita um adiantamento ao patrão para a compra de outros
mantimentos. Ao fim da temporada de pesca, o dono do curral
desconta os adiantamentos, tira
seu ganho, planeja o futuro gasto
com o curral da próxima estação
e, por fim, divide o lucro.
Quando retornam da pesca, os
"vaqueiros" têm a possibilidade
de vender uma pequena parte dos
peixes para comerciantes. Peixe
nobre, como o serra, alcança a cotação máxima de R$ 3 o quilo. No
mercado de Fortaleza, para onde
é escoada parte da produção, o
mesmo peixe é vendido por, no
mínimo, R$ 6 o quilo.
As outras formas de pesca que
existem na região, porém, têm diminuído muito o número de peixes. Barcos e pesca de arrasto afugentam os peixes para longe dos
currais. "Tem dias que dá, tem
dias que dá dó", diz um dos pescadores ao retornar após um dia
de poucos peixes na rede.
Sem dinheiro
O vilarejo de Bitupitá se estende
por um quilometro de faixa litorânea, com ondas fortes e dunas.
Possui 6.000 habitantes e pertence
ao município de Barroquinha,
um dos mais pobres do país.
Chegar ali por estrada só é possível na época da seca. Senão, só se
chega de barco. Dinheiro vivo na
região não é coisa muito comum.
O comércio local depende do salário dos aposentados do Funrural.
Quando não está trabalhando
no mar, o "vaqueiro" faz da praia
o seu gramado para o futebol. No
final da tarde é a cachaça que
acompanha a conversa dos pescadores.
Cerveja, só quando a pescaria
for muito boa. A diversão noturna
é sempre o forró, que acontece
nas localidades próximas de Chaval, Barrinha e Cajueiro da Praia.
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