São Paulo, domingo, 30 de julho de 2000


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PESCA
No vilarejo de Bitupitá, no Ceará, pescadores ainda resistem, mas podem acabar devido à concorrência industrial
"Vaqueiro do mar" é espécie em extinção

ROBERTO LINSKER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A pesca de curral, umas das formas mais antigas e tradicionais de pescaria do litoral brasileiro, está em via de extinção. A forma artesanal com que os pescadores no vilarejo de Bitupitá, no município de Barroquinha (CE), tiram seu sustento do mar não resiste mais à concorrência da pesca industrial.
Os currais são grandes cercados de madeira e arame colocados a 150 metros da orla em formato de dois corações. Fixado ao fundo do mar por estacas (chamadas de mourões), esses cercados se transformam em "salões".
A abertura desse "salão" fica a favor da corrente marítima. Quando um peixe ou cardume entra ali, não consegue mais voltar e fica aprisionado. Represado, o trabalho do pescador, também chamado de "vaqueiro do mar", fica fácil.
A cada oito meses as estacas apodrecem e precisam ser trocadas. É quando os "vaqueiros", em alto-mar, se equilibram em frágeis bancos e martelam novas estacas. A cena é dantesca.
Segundo Elda Tahim, engenheira de pesca do Centro de Ensino Tecnológico de Fortaleza, que estuda a pesca no Ceará, existem atualmente cerca de 25 currais na região de Bitupitá.
"Num passado recente, chegou a ter 123", diz. "Essa forma de pescaria existe desde 1869 e foi trazida por imigrantes portugueses. De lá para cá, tornou-se uma tradição passada de pai para filho."
A construção desses currais custa de R$ 25 mil a R$ 60 mil, pagos pelo dono da empreitada. Do total de peixe recolhido, 75% ficam para ele e o restante é dividido entre os "vaqueiros" que diariamente vão ao cercado.
O "vaqueiro", porém, não recebe a sua parte em dinheiro após a venda diária. Recebe apenas o peixe necessário à subsistência da família. De tempos em tempos, solicita um adiantamento ao patrão para a compra de outros mantimentos. Ao fim da temporada de pesca, o dono do curral desconta os adiantamentos, tira seu ganho, planeja o futuro gasto com o curral da próxima estação e, por fim, divide o lucro.
Quando retornam da pesca, os "vaqueiros" têm a possibilidade de vender uma pequena parte dos peixes para comerciantes. Peixe nobre, como o serra, alcança a cotação máxima de R$ 3 o quilo. No mercado de Fortaleza, para onde é escoada parte da produção, o mesmo peixe é vendido por, no mínimo, R$ 6 o quilo.
As outras formas de pesca que existem na região, porém, têm diminuído muito o número de peixes. Barcos e pesca de arrasto afugentam os peixes para longe dos currais. "Tem dias que dá, tem dias que dá dó", diz um dos pescadores ao retornar após um dia de poucos peixes na rede.

Sem dinheiro
O vilarejo de Bitupitá se estende por um quilometro de faixa litorânea, com ondas fortes e dunas. Possui 6.000 habitantes e pertence ao município de Barroquinha, um dos mais pobres do país.
Chegar ali por estrada só é possível na época da seca. Senão, só se chega de barco. Dinheiro vivo na região não é coisa muito comum. O comércio local depende do salário dos aposentados do Funrural.
Quando não está trabalhando no mar, o "vaqueiro" faz da praia o seu gramado para o futebol. No final da tarde é a cachaça que acompanha a conversa dos pescadores.
Cerveja, só quando a pescaria for muito boa. A diversão noturna é sempre o forró, que acontece nas localidades próximas de Chaval, Barrinha e Cajueiro da Praia.


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