São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2000


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BANCOS
Um dos homens mais ricos do país, dono do Opportunity cuida do dinheiro dos aplicadores e investe em telecomunicações
Dantas administra investimento de R$ 4 bi

Otavio Magalhães - 27.jan.99/A E
Daniel Dantas, dono do banco Opportunity, que enfrenta problemas com os atuais e um ex-sócio


MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O discreto Daniel Dantas, 45, é um dos homens mais ricos do Brasil. Dono do banco Opportunity, onde trabalham 250 pessoas, ele administra investimentos da ordem de R$ 4 bilhões. As empresas das quais é sócio empregam 25 mil funcionários, faturam R$ 6 bilhões ao ano e têm valor agregado de R$ 12 bilhões. Estima-se que sua fortuna pessoal ultrapasse os R$ 200 milhões.
Apesar de detestar aparecer em público, há três meses Dantas não sai do noticiário. Ele está sendo atacado pelos seus sócios na Telemig, na Tele Norte e na Brasil Telecom, e por um ex-sócio no CVC/Opportunity, um fundo de investimentos bancado pelo Citibank.
Os fundos de pensão do Banco do Brasil e da Petrobras reclamam que, mesmo tendo desembolsado o grosso do dinheiro nos leilões de privatização, Dantas os impede de mandar nas empresas que compraram.
Os canadenses da Telesystem International Wireless e os italianos da Telecom Italia querem adquirir o controle das companhias, para vendê-las ou atraírem novos sócios.
Dantas tem também duas disputas judiciais, nas Ilhas Cayman, com Luis Roberto Demarco, um ex-diretor do CVC.
As desavenças não abalaram a confiança do Citibank, que investiu US$ 600 milhões no Brasil e encarregou o Opportunity de geri-los. O departamento jurídico do Citibank analisou os processos judiciais envolvendo o Opportunity e concluiu que o banco de Dantas tem razão em todos eles.
"Estamos satisfeitos com a administração do Opportunity porque ele trabalha duro e vem obtendo bons resultados", diz Marilyn Putney, a executiva do Citibank responsável pelos investimentos internacionais do banco americano.

Cotidiano e comando
As brigas não alteraram o dia-a-dia de Dantas. Ele trabalha diariamente das 7h30 às 22h. Nos finais de semana, também vai à sede do Opportunity, no centro do Rio, ou trabalha em seu apartamento. Não tira férias, não tem barco, apartamento no exterior, casa de praia ou campo.
Pouco sai de sua cobertura em Ipanema, onde mora com a mulher e a filha, de 15 anos. A sala de estar tem mobiliário frugal e é decorada com um pôster do Museu de Arte Moderna de Nova York. Os quartos estão tomados por estantes de livros.
Ele não assiste a filmes e peças, apesar de investir em cinema e teatro. Quase nunca vai a restaurantes, bebe pouquíssimo, não fuma nem faz esportes. Almoça sempre a mesma coisa: salada, peixe grelhado e frutas.
Dirige o próprio carro e só o troca quando começa a apresentar problemas mecânicos. Seus ternos são todos azul-marinho escuro. As camisas, sempre brancas, estão permanentemente desabotoadas no colarinho, onde pende uma gravata preta.
Ele não tem amigos fora da família, um vasto clã baiano -são nove tios, três irmãs e mais de cem primos. Tem insônia, mas não se queixa. Aproveita as madrugadas para se divertir: ler, estudar, trabalhar.
Peripatético, Dantas comanda o Opportunity andando. Vai de uma sala a outra do 28º andar do banco, num prédio ao lado da sede da Academia Brasileira de Letras, e participa de reuniões encadeadas.
Seus colegas de banco percebem que ele está nervoso quando aumenta a velocidade nas voltas incessantes que dá em torno das mesas de reunião. Ou quando seus monólogos e diálogos consigo mesmo se estendem por longos minutos. Ele fala de pé ao telefone. Só senta para navegar na Internet, ler e enviar e-mails. Jamais levanta a voz ou diz palavrões.

Objetividade e obsessão
"Nunca vi alguém reclamar de ter perdido dinheiro investindo com o Daniel", diz o publicitário Mauro Salles, contratado para tentar selar um acordo entre o Opportunity e seus sócios. O publicitário conheceu Dantas em 1992, quando criou a Comissão de Estudos e Projetos, organismo do PFL que reunia economistas interessados em dar idéias ao partido.
"O Daniel era de uma objetividade cavalar", conta Salles. "Você levava um estudo de 30 páginas, falava durante 40 minutos e ele resumia o fulcro da questão em dez palavras."
Em 1989, outro publicitário, o baiano Nizan Guanaes, buscava sócios para abrir uma agência de propaganda. Viu a foto de Dantas numa revista, lembrou que na Bahia da sua juventude ele tinha fama de gênio. Pediu um encontro e teve contato com a objetividade do banqueiro.
"Falei do meu projeto por 20 minutos, e terminei dizendo que precisava de US$ 1 milhão", lembra Guanaes. "Ele disse então que investiria US$ 1 milhão na agência, a DM9."
O publicitário foi sócio de Dantas durante dez anos. Nesse período, passou da condição de detentor de 30% da DM9 para a de sócio majoritário. Vendeu a empresa e se associou novamente ao Opportunity (e também ao Garantia) para montar o portal iG.
"Fico espantado com as notícias pintando o Daniel como um gênio do mal, agressivo e aético", diz Guanaes. "Ele me deixou trabalhar em paz, não se meteu no que não entendia e só cobrou uma coisa: desempenho."

Melhor aluno
Antonio Carlos Magalhães conheceu Dantas há quase 20 anos, quando governava a Bahia. Aproximou-se dele porque Mário Henrique Simonsen lhe dissera que o economista fora o seu melhor aluno. Convidou-o para ser presidente do Banco do Estado da Bahia. Ele recusou.
"O Daniel tem uma enorme capacidade de raciocínio, e fala coisas brilhantes com tal rapidez que, ao me despedir e entrar no elevador, já não conseguia repetir o que ele havia dito."
Quando o banco Econômico quebrou, em 1995, ACM pediu a Dantas que imaginasse uma fórmula para salvá-lo. "Ele veio com uma idéia genial: comprar o Econômico, inclusive suas dívidas, pelo valor simbólico de R$ 1,00", diz ACM. "Mas não aceitei porque o plano reduziria as 300 agências do banco para 6, o que provocaria desemprego."
O advogado Luís Octávio da Motta Veiga, nomeado presidente do conselho da Brasil Telecom, conta que mesmo nas horas de folga o banqueiro nunca relaxa.
"O Daniel é um dos homens mais inteligentes da minha geração", diz Motta Veiga. "Ele é obsessivo: cisma com pessoas e negócios, e não desiste até conseguir o que quer."
Em julho de 1998, um dia depois de o Opportunity ter sido derrotado no leilão da Telemar, Dantas reuniu seus principais executivos e lhes disse: "Continuamos interessados na Telemar".
Primeiro, ele analisou os movimentos dos novos proprietários da Telemar, e identificou em Atilio Omns Sobrinho, dono da Inepar, o sócio mais frágil na empresa privatizada.
Tratou então de, por meio de conversas com investidores, secar as fontes onde a Inepar poderia tomar empréstimos para pagar as prestações da Telemar. Um ano depois do leilão, o obsessivo Dantas tinha um pé na empresa.

Confisco e câmbio
Em dois tremores da economia brasileira, o Plano Collor e a sobrevalorização cambial do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, análises de longo prazo fizeram com que Dantas se saísse bem.
Meses antes da eleição de 1989, o banqueiro montou uma operação de exportação de soja e café. Fez isso não porque soubesse o que Collor iria fazer se fosse eleito, e sim por observar o que vinha acontecendo em países semelhantes ao Brasil.
Deduziu que haveria alguma forma de confisco, e a única maneira de se proteger era ter mercadorias vendáveis em dólar. À medida que se aproximava a posse de Collor, comprava mais soja e café. Quando veio o confisco, exportou facilmente o que estocara.
No começo de 90, ele se reuniu com Collor. O presidente eleito o chamou para participar do seu governo. Dantas não quis.
"Daniel foi a primeira pessoa de quem ouvi, ainda no início do governo de FHC, que o câmbio sobrevalorizado iria explodir", diz o jornalista Manoel Francisco Brito, presidente do No.com.br, revista na Internet financiada pelo Opportunity e pelo Garantia. A desvalorização pegou o Opportunity sem um centavo em reais.
"Daniel Dantas não entende nada de política", diz ACM. "Em política, ele é uma nulidade", concorda Motta Veiga.
Pouco antes de Collor ser destituído, o banqueiro exibia a capa de "Veja" e fazia uma profecia política: "O Collor não vai cair e a revista vai se ferrar".
Salles e Guanaes identificam outra fragilidade em Dantas. "Ele tem problemas de comunicação", avalia Salles. "Nessa briga, o que passa publicamente é que os italianos, os fundos e os canadenses são fofinhos, e o Daniel é um monstro", diz Guanaes.

Cursos e carreira
Dantas começou a trabalhar cedo. Não que precisasse: seu pai, empresário, sempre esteve bem de vida. Aos 17 anos, montou uma fábrica de sacolas com amigos, entre eles Carlos Rodemburg, que viria a casar com sua irmã Verônica. "Daniel ia sempre à Bolsa de Valores, pois tinha curiosidade em saber como ela funcionava", lembra Rodemburg.
Enquanto cursava engenharia na Universidade Federal da Bahia, Dantas teve postos de gasolina e trabalhou na indústria têxtil e numa empresa de turismo do pai. Formou-se e foi engenheiro numa firma de construção naval e na empreiteira Norberto Odebrecht.
Mudou-se para o Rio e fez mestrado e doutorado em economia na Fundação Getúlio Vargas, onde virou discípulo de Mário Henrique Simonsen. Viajou para os Estados Unidos e fez pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, onde foi professor de economia.
Dantas foi aluno de quatro prêmios Nobel de Economia no MIT: Franco Modigliano ("um foguete de criatividade", diz), Robert Merton ("um matemático puro"), Robert Solo ("um economista maduro, ótimo nos julgamentos") e Paul Samuelson ("um grande sistematizador").
"Os quatro eram grandes, mas o Mário Henrique era melhor do que eles todos", diz Dantas.
De volta ao Brasil, empregou-se no Bradesco e conheceu um dos dois empresários que mais admira: o dono do banco, Amador Aguiar. O outro capitalista que tem como modelo é o investidor americano Warren Buffett.
Aguiar, morto em 91, e Buffett têm características em comum: grande poder de análise, serem investidores cautelosos e buscarem a expansão e diversificação de seus negócios. São características parecidas com as de Dantas.
A convite de Antônio Carlos de Almeida Braga, ex-presidente do Bradesco, Dantas foi trabalhar em 1989 no banco Icatu, que acabara de ser fundado. Cinco anos depois, divergiu e saiu do banco.
Ele classifica a saída do Icatu como "amigável". Quem o conhece diz, no entanto, que apenas dois nomes fazem com que Dantas se sinta desconfortável a ponto de quase correr em torno de mesas de reunião: Kati de Almeida Braga, sócia do Icatu, e seu ex-sócio Luis Demarco.

Família e futuro
De olho nas privatizações, Dantas fundou em 1994 o Opportunity. O banco é uma empresa familiar. Nela trabalham Verônica, sua irmã e melhor amiga; Arthur Carvalho, irmão de sua mulher, Maria Alice; e seu ex-cunhado Carlos Rodemburg.
"Se você não pertence ao núcleo familiar, é impossível ter um quadro razoável do que acontece no Opportunity", diz um ex-executivo da empresa. "E o Daniel só compartilha os segredos do banco com a Verônica."
Formada em administração e arquitetura, Verônica Dantas é considerada uma sumidade jurídica, capaz de citar de cor incisos, alíneas e parágrafos de leis financeiras internacionais. "Tomei gosto pela área, mas de maneira alguma sou uma sumidade."
Quando Verônica e Rodemburg se separaram, Dantas teve um papel decisivo na manutenção da harmonia familiar e na gestão do Opportunity. "Muitas vezes, o afeto serve de alívio momentâneo, mas o problema continua igual", diz Rodemburg. "O Daniel era pragmático, ia direto ao nó da questão e contribuía para resolver os problemas."
Passadas as desavenças com os sócios, Dantas pretende se dedicar mais às suas operações na Internet e a seu projeto educacional no Ceará.
Dantas e Guanaes se reuniram com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, consultor da Rede Globo, para discutir a TV iG. Foi feito até o slogan da campanha publicitária sobre a associação: "O homem que fez a Rede Globo vai fazer a TV iG".
As conversas entre eles não foram conclusivas e o plano foi abandonado. "A banda larga vai permitir a pulverização da TV na Internet", avalia Dantas. "Quem souber organizar a banda larga na rede vai ter enorme vantagem."
Quem tiver companhias telefônicas, como Dantas, terá vantagens ainda maiores na exploração da banda larga na Internet.


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