São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Objetivos possíveis

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Desde os anos 70 escrevo regulamente para a Folha, mas agora volto a ser colunista. Vou escrever sobre economia, mas também sobre política, já que o mercado é uma instituição construída pela sociedade e regulada pelo Estado. E vou ter como critérios os objetivos políticos fundamentais que orientam as sociedades contemporâneas: a ordem, a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento. Talvez não fosse necessário explicitar esses objetivos, mas, em um mundo que se transforma tão rapidamente, não custa reafirmar valores.
Desses objetivos, o do desenvolvimento econômico será naturalmente central -desenvolvimento que não é dado de graça a ninguém. É sempre o resultado de uma estratégia nacional. Foi assim para os primeiros países que se desenvolveram, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. Foi assim para a segunda leva, da qual participaram a Alemanha, o Japão e os países escandinavos. Foi assim para o Brasil, que participou da terceira leva com países como o México, a Coréia do Sul e Taiwan. Entretanto, enquanto esses dois últimos superavam o subdesenvolvimento, logrando absorver a mão-de-obra do setor de subsistência, o Brasil deixou de ter uma estratégia nacional de desenvolvimento e, há 25 anos, parou.
A economia brasileira encontra-se semi-estagnada há tanto tempo que a grande maioria dos brasileiros contenta-se com muito pouco -com os 4%, de crescimento do PIB, ou talvez um pouco mais, que teremos neste ano. Contenta-se com pouco, especialmente se considerarmos que esse é o objetivo para um ano "gordo". Mas talvez seja "realista" ao pensar assim, porque menos de 4% é a taxa de crescimento do PIB que os economistas oficiais no Brasil e em Washington almejam para o Brasil para os próximos anos, a partir da avaliação de que seria esse, nas suas simulações macroeconômicas, o nosso crescimento "potencial". Um objetivo dessa natureza, dadas as flutuações cíclicas a que estão sujeitas todas as economias nacionais, significa que a economia brasileira crescerá em média cerca de 3% ao ano ou um pouco acima de 1,5% per capita.
É muito pouco. O PIB precisa crescer em média 5% ao ano para que o crescimento da renda per capita fique um pouco acima de 3%. Para isso, em um ano bom como seria o atual, deveríamos crescer 6%. Para isso, seria preciso elevar gradativamente a taxa de investimento de 19% para 24% do PIB, o que só será possível com a criação de oportunidades generalizadas de investimento com boas perspectivas de lucro para os empresários. Para criar essas oportunidades, por sua vez, serão necessários um aumento sustentado das exportações, a estabilidade de preços e uma diminuição radical do principal câncer da economia brasileira -a taxa básica de juros elevadíssima.
O aumento sustentado das exportações se logra com uma taxa de câmbio relativamente desvalorizada, com uma política comercial agressiva e com uma política industrial voltada para as exportações. A estabilidade dos preços, por sua vez, se logra não com taxas de juros astronômicas, mas com a estabilização da taxa de câmbio, a zeragem do déficit público e a desindexação completa da economia. E com a definição de meta de inflação realista, compatível com o crescimento, que parta de um nível mais alto e baixe gradativamente à medida que as duas dívidas sejam equacionadas: a dívida externa da nação e a dívida pública do Estado.
A dívida externa continuará um problema grave para a economia brasileira enquanto a relação dívida/exportações não cair de cerca de 3 vezes para abaixo de 1,5 vez as exportações. Enquanto essa meta não ficar clara e for alcançada, a fragilidade externa nos sujeitará permanentemente a crises como as que ocorreram em 1998 e em 2002 -crises que, além de implicarem custos diretos, foram a causa das duas respectivas acelerações inflacionárias. Com uma taxa de câmbio competitiva e com uma política firme de exportações, reduzir o endividamento para essa meta é perfeitamente possível.
Já a dívida pública, que está em torno de 57% do PIB, só é perigosamente alta porque a taxa básica de juros é muito alta. Com a sua redução para níveis civilizados, o governo não apenas conseguirá aproximar o déficit público de zero mas poderá ainda financiar investimentos públicos dramaticamente necessários para estimular os investimentos privados e aumentar a taxa global de poupança do país.
Todos esses objetivos não têm nada de absurdo. Não o são em termos históricos. Entre 1950 e 1980, a renda por habitante cresceu em média 4% ao ano; não há por que não crescer agora 3% ao ano. Não são absurdos em termos comparativos. Afinal, os países ricos crescem em média 2,5% ao ano. Seria, portanto, minimamente razoável que crescêssemos os 3% per capita ao ano.
Mas os países ricos, capitaneados por Washington, não estão interessados no nosso desenvolvimento e nos dizem que precisamos, "antes", fazer reformas. Estamos a fazê-las, mas a estagnação do Brasil não ocorre por falta de reformas e muito menos por falta de "poupança externa, como eles sugerem. No específico, decorre da política macroeconômica equivocada, baseada em alta taxa de juros e, se possível, em baixa taxa de câmbio. No geral, decorre da perda do conceito de nação. A crise começou devido às distorções do modelo de desenvolvimento anterior, mas afinal se perpetuou porque o país deixou de pensar com a própria cabeça e se tornou incapaz de definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e ministro da Ciência e Tecnologia. Passa a escrever às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail - bresserpereira@uol.com.br


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