|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Objetivos possíveis
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Desde os anos 70 escrevo regulamente para a Folha,
mas agora volto a ser colunista.
Vou escrever sobre economia,
mas também sobre política, já
que o mercado é uma instituição
construída pela sociedade e regulada pelo Estado. E vou ter como
critérios os objetivos políticos fundamentais que orientam as sociedades contemporâneas: a ordem,
a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento. Talvez não fosse
necessário explicitar esses objetivos, mas, em um mundo que se
transforma tão rapidamente, não
custa reafirmar valores.
Desses objetivos, o do desenvolvimento econômico será naturalmente central -desenvolvimento que não é dado de graça a ninguém. É sempre o resultado de
uma estratégia nacional. Foi assim para os primeiros países que
se desenvolveram, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. Foi assim para a segunda leva, da qual participaram a Alemanha, o Japão e os países escandinavos. Foi assim para o Brasil,
que participou da terceira leva
com países como o México, a Coréia do Sul e Taiwan. Entretanto,
enquanto esses dois últimos superavam o subdesenvolvimento, logrando absorver a mão-de-obra
do setor de subsistência, o Brasil
deixou de ter uma estratégia nacional de desenvolvimento e, há
25 anos, parou.
A economia brasileira encontra-se semi-estagnada há tanto
tempo que a grande maioria dos
brasileiros contenta-se com muito
pouco -com os 4%, de crescimento do PIB, ou talvez um pouco mais, que teremos neste ano.
Contenta-se com pouco, especialmente se considerarmos que esse
é o objetivo para um ano "gordo".
Mas talvez seja "realista" ao pensar assim, porque menos de 4% é
a taxa de crescimento do PIB que
os economistas oficiais no Brasil e
em Washington almejam para o
Brasil para os próximos anos, a
partir da avaliação de que seria
esse, nas suas simulações macroeconômicas, o nosso crescimento
"potencial". Um objetivo dessa
natureza, dadas as flutuações cíclicas a que estão sujeitas todas as
economias nacionais, significa
que a economia brasileira crescerá em média cerca de 3% ao ano
ou um pouco acima de 1,5% per
capita.
É muito pouco. O PIB precisa
crescer em média 5% ao ano para
que o crescimento da renda per
capita fique um pouco acima de
3%. Para isso, em um ano bom
como seria o atual, deveríamos
crescer 6%. Para isso, seria preciso
elevar gradativamente a taxa de
investimento de 19% para 24%
do PIB, o que só será possível com
a criação de oportunidades generalizadas de investimento com
boas perspectivas de lucro para os
empresários. Para criar essas
oportunidades, por sua vez, serão
necessários um aumento sustentado das exportações, a estabilidade de preços e uma diminuição
radical do principal câncer da
economia brasileira -a taxa básica de juros elevadíssima.
O aumento sustentado das exportações se logra com uma taxa
de câmbio relativamente desvalorizada, com uma política comercial agressiva e com uma política
industrial voltada para as exportações. A estabilidade dos preços,
por sua vez, se logra não com taxas de juros astronômicas, mas
com a estabilização da taxa de
câmbio, a zeragem do déficit público e a desindexação completa
da economia. E com a definição
de meta de inflação realista, compatível com o crescimento, que
parta de um nível mais alto e baixe gradativamente à medida que
as duas dívidas sejam equacionadas: a dívida externa da nação e a
dívida pública do Estado.
A dívida externa continuará
um problema grave para a economia brasileira enquanto a relação dívida/exportações não cair
de cerca de 3 vezes para abaixo de
1,5 vez as exportações. Enquanto
essa meta não ficar clara e for alcançada, a fragilidade externa
nos sujeitará permanentemente a
crises como as que ocorreram em
1998 e em 2002 -crises que, além
de implicarem custos diretos, foram a causa das duas respectivas
acelerações inflacionárias. Com
uma taxa de câmbio competitiva
e com uma política firme de exportações, reduzir o endividamento para essa meta é perfeitamente possível.
Já a dívida pública, que está em
torno de 57% do PIB, só é perigosamente alta porque a taxa básica de juros é muito alta. Com a
sua redução para níveis civilizados, o governo não apenas conseguirá aproximar o déficit público
de zero mas poderá ainda financiar investimentos públicos dramaticamente necessários para estimular os investimentos privados e aumentar a taxa global de
poupança do país.
Todos esses objetivos não têm
nada de absurdo. Não o são em
termos históricos. Entre 1950 e
1980, a renda por habitante cresceu em média 4% ao ano; não há
por que não crescer agora 3% ao
ano. Não são absurdos em termos
comparativos. Afinal, os países ricos crescem em média 2,5% ao
ano. Seria, portanto, minimamente razoável que crescêssemos
os 3% per capita ao ano.
Mas os países ricos, capitaneados por Washington, não estão
interessados no nosso desenvolvimento e nos dizem que precisamos, "antes", fazer reformas. Estamos a fazê-las, mas a estagnação do Brasil não ocorre por falta
de reformas e muito menos por
falta de "poupança externa, como
eles sugerem. No específico, decorre da política macroeconômica
equivocada, baseada em alta taxa de juros e, se possível, em baixa
taxa de câmbio. No geral, decorre
da perda do conceito de nação. A
crise começou devido às distorções do modelo de desenvolvimento anterior, mas afinal se perpetuou porque o país deixou de
pensar com a própria cabeça e se
tornou incapaz de definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política
da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e ministro da
Ciência e Tecnologia. Passa a escrever às
segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta
coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
Texto Anterior: Mais empresas devem anunciar estréia no pregão Próximo Texto: Dicas: Natura ganha o lugar de papel do Pão de Açúcar em carteira proposta Índice
|