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PAULO RABELLO DE CASTRO
Bons ou maus lucros?
Sobre cada real depositado, o
banco só ficará com R$ 0,20
para empréstimos livres,
após compulsórios e outros
NA ESTEIRA da nova safra de
lucros bilionários dos principais bancos brasileiros no
primeiro semestre de 2006 (Banco
do Brasil, R$ 3,9 bilhões; Bradesco,
R$ 3,1 bilhões; Itaú R$ 2,9 bilhões, só
para citar os maiores), rebrota com
igual vigor a ladainha denunciatória
da origem desses resultados, tidos
como "escandalosos" pelos críticos
menos severos e como "indecentes"
pelos mais agoniados.
Em período de campanha eleitoral, mais ainda, banqueiros e bancos
viram, temporariamente, uma praga nacional a ser combatida pelos
candidatos sequiosos por mostrar
ao eleitor seu enfrentamento das
"mazelas nacionais".
Desvendar a origem dos lucros
dos poderosos bancos brasileiros
interessa e muito. Primeiro, porque os lucros apurados representam um bom sinal. A alta capitalização do sistema bancário possibilita, em tese, o potencial de crescimento mais acelerado da massa de
crédito empresarial, há anos adormecida pela apatia de tomadores e
emprestadores.
A segunda razão de se querer entender melhor a origem do lucro
bancário diz respeito ao papel do
governo na geração e na manutenção desses resultados extraordinários.
Hoje pagamos tarifas até para
respirar dentro de uma agência
bancária. Mas as tarifas substituíram o ganho inflacionário, antes
apropriado como fonte de lucros
pelos bancos, no passado, quando a
inflação acelerada comia o valor
dos depósitos não remunerados. O
governo ficava com parte desse ganho inflacionário, mantendo elevadíssimo nível de recolhimentos
compulsórios sobre os recursos
depositados nos bancos. A inflação
foi controlada, mas o governo não
tirou sua mão gulosa sobre os depósitos do público nos bancos. De
cada real depositado numa conta
corrente, o banco recolhe, compulsoriamente, R$ 0,45 o Banco Central. Em seguida, é obrigado a recolher mais 8%, aplicados em títulos
do Tesouro Nacional.
Com o que lhe restou disponível,
o banco terá que emprestar mais
27% à agricultura e ao microcrédito, a taxas favorecidas. Final da história: sobre cada real depositado, o
banco só ficará com R$ 0,20 para
gerar empréstimos livres. Algo semelhante acontece com os depósitos a prazo e de poupança.
Os bancos não são sócios do governo, mas este, sim, é sócio dos
bancos, ao arrecadar compulsoriamente grande parte da moeda escritural para o financiamento da
sua dívida pública e de suas despesas correntes. Não espanta, por isso, que os bancos demonstrem tão
pouco apetite para correr atrás dos
seus clientes privados.
A China -notícia recente- acaba de elevar o recolhimento compulsório sobre os depósitos dos
seus bancos, de 8% para 8,5%, lá
considerado um sinal de aperto
monetário. Aqui o recolhimento
obrigatório vai a 80%, quando consideradas as aplicações obrigatórias. Somos campeões mundiais no
cerceamento oficial às atividades
bancárias normais.
Para financiar o enorme encargo
financeiro do governo, igual a 8%
da produção bruta total do país,
além do recolhimento compulsório, a máquina governamental
também arrecada impostos escorchantes da sociedade. O crédito é
drenado para as burras do Estado,
incompetente gastador, deixando a
expansão das atividades rentáveis,
no setor privado, na dependência
de um custoso autofinanciamento.
O crédito, que poderia ser farto,
finda escasso depois de passar pelo
triturador da despesa pública. O
banco se remunera com "spreads"
elevados sobre uma base de crédito
escassa, enquanto poderia, se pudesse, formar seu lucro com
"spreads" normais sobre uma ampla oferta creditícia.
É esporte nacional falar mal do
lucro dos bancos. É "gauche" e politicamente correto. Mas é um
"gauchismo" inútil. O banco brasileiro é, hoje, um parceiro constrangido da cruel política do Banco
Central de intervenção radical e,
esta sim, indecente, sobre o crédito
privado. Provavelmente, a restrição hoje operada pelo BC ao direito
privado de emprestar atinge as
raias do ilícito constitucional. O cidadão, entretanto, por não enxergar quem, de fato, produz a artificial escassez de dinheiro bom, vê
apenas o intermediário banco como seu algoz. Enquanto não for enfrentada uma reforma financeira
que elimine o contingenciamento
do crédito pelo Banco Central, os
bancos terão razões menos boas
por que justificar seus lucros.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 57, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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