São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Conversas ao pé da história

O ex-ministro Antonio Delfim Netto escreve muito. Mas, como seu conhecimento é muito maior do que seus artigos podem comportar, recorro a ele para testar algumas hipóteses sobre o rentismo brasileiro.
Por que o câmbio freqüentemente deixou de ser utilizado como mola de desenvolvimento no Brasil, diferentemente do que ocorreu em países como Coréia do Sul, Japão e China agora, com os Estados Unidos e a Inglaterra em tempos passados? Por que o Barão de Mauá não obteve autorização para trazer crédito barato e irrigar a economia? Na época, Mauá atribuía a resistência do imperador em autorizar a abertura de casas bancárias aos interesses financeiros que cercavam a corte (na época, os escravagistas) e que tinham ligações com os bancos ingleses e não aceitavam taxas de juros inferiores a 25% ao ano.
Lembra Delfim que os escravagistas tinham escritórios em Londres, depositavam em bancos, como Schroeder, Rothschild, e esse dinheiro era emprestado ao Brasil. Londres era uma espécie de centro internacional de lavagem de dinheiro.
Com as restrições ao comércio escravagista, os bancos londrinos interrompem as operações com clientes que tivessem alguma ligação com o trabalho escravo. É esse movimento que permite aos cafeicultores paulistas substituir os escravagistas como parceiros preferenciais da banca internacional e se tornar os novos donos da liquidez nacional.
O modelo era o mesmo. Depositavam em bancos ingleses, que emprestavam ao Brasil. Os recursos eram aplicados nas PPPs da época, serviços públicos, estradas de ferro, com remuneração garantida e vantagens escandalosas. Cada empreendimento permitia à Inglaterra inundar o país com consultores, insumos, que entravam sem pagamento de taxas.
É possível que a reforma fiscal de Campos Salles, que manteve intocados os interesses dos credores externos, no fundo visasse apenas proteger os ativos dos próprios cafeicultores.
Com a monocultura do café, cada safra frustrada reduzia o ingresso de divisas e provocava uma desvalorização do câmbio. O novo patamar viabilizava milhares de pequenas empresas por todo o país, que davam início a um processo de substituição de exportações. Nos anos seguintes, uma supersafra aumentava o ingresso de divisas. O fluxo financeiro apreciava o câmbio, matando as empresas criadas no período anterior. Um controle eficiente do fluxo de capitais teria permitido florescer mais cedo a atividade industrial no país. Mas significaria cortar a maior fonte de renda da classe dominante de então -a arbitragem de taxas.
Nos anos 20, o país chegou a recorrer a uma espécie de "currency board", similar ao recente, da Argentina, com financiamento inglês, levando a uma grande apreciação cambial.
Getúlio Vargas rompe com esse modelo estabelecendo o controle cambial, renegociando a dívida (após um "default") e desvalorizando o câmbio. A pujança de São Paulo e a industrialização do país começavam ali.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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