São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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COMÉRCIO MUNDIAL

Rejeição recíproca de propostas pode levar ao fracasso a criação de zona de livre comércio até 31 de outubro

Acordo Mercosul-UE está à beira do colapso

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A um mês do prazo fatal para sua conclusão, está à beira do colapso a negociação entre o Mercosul e a União Européia para criar o que seria a maior zona de livre comércio do mundo.
O Mercosul, com a ressalva de que se tratava de "uma primeira avaliação", rejeitou ontem à noite a oferta que os europeus haviam apresentado à tarde. Comunicado oficial do Itamaraty diz que a proposta da União Européia, "tal como ora se apresenta, significa concessões muito grandes pelo Mercosul sem a contrapartida necessária em concessões equivalentes da União Européia".
O comunicado oficial europeu, por sua vez, dizia que sua oferta tinha "o mesmo enfoque e o mesmo nível de ambição" da proposta encaminhada pelo bloco sul-americano na sexta-feira passada.
Parece uma frase anódina, não fosse o fato de que a análise dos europeus, conforme a Folha apurou, é a de que o "nível de ambição" era muito baixo. Por extensão, a resposta européia seguiria idêntica tônica.
Seguiu, de fato, a ponto de ser, para todos os efeitos práticos, rejeitada pelo Itamaraty.

Sem equivalência
"Apesar de significativos avanços da nossa parte, que exigiram longo e penoso processo de consultas internas e intra-Mercosul, uma primeira avaliação da oferta completada da União Européia revela não se ter concretizado uma contrapartida equivalente ou mesmo próxima ao esforço de melhora realizado pelo Mercosul", diz a nota oficial da chancelaria brasileira.
Queixa-se de que as cotas oferecidas pelos europeus continuam em duas etapas: uma agora e a outra dependendo de como terminar a negociação da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Concretamente, diz o Itamaraty, significa, no caso da carne bovina, por exemplo, que a primeira etapa prevê uma cota de 60 mil toneladas para os quatro países do Mercosul, a ser implementada ao longo de dez anos.
Continua a nota: "Ao Brasil, caberia nesse formato, no primeiro ano, cota de 2.400 toneladas. A título de comparação, sublinha-se que o Mercosul já exporta, sem os benefícios de um acordo e pagando tarifa plena que chega a 176%, cerca de 95 mil toneladas por ano ao mercado europeu".
Já os europeus admitem, também em comunicado oficial, que sua oferta está cercada por condicionalidades, mas alegam que esse também foi o formato adotado antes pelo Mercosul.
Os europeus reclamam, entre outros pontos, que seus bens circulem no Mercosul sem ter de pagar tarifas aduaneiras cada vez que passam de um país para outro, mais proteção às "indicações geográficas" do que as oferecidas pelo Mercosul, e a proibição do sistema de "draw back" (consiste na suspensão ou até isenção do Imposto de Importação para componentes de mercadorias que são posteriormente exportadas).
É ilustrativo do impasse o caso das "indicações geográficas", aquelas que dizem que, por exemplo, só pode ser vendido como presunto de Parma o que é produzido em Parma (Itália), quando há inúmeros similares com o mesmo nome, mas outra origem.
O Mercosul ofereceu garantias que considera um grande avanço, mas os europeus reclamam que é muito pouco.

E agora?
A perspectiva de impasse desenhada pela troca de propostas pouco ambiciosas significa que não será cumprida a data de 31 de outubro, originalmente estabelecida para concluir a negociação entre os dois blocos?
Ninguém, por enquanto, se anima a dar uma resposta definitiva. Antes, os dois lados vão fazer a análise completa das ofertas do outro.
O Ministério da Agricultura, por exemplo, adiou de ontem para hoje uma reunião com os empresários rurais, porque a proposta européia não havia chegado às suas mãos.
Esse é o setor-chave da negociação: se a oferta européia abrisse perspectivas de ganhos ao menos razoáveis, o agronegócio aumentaria a pressão que já vem fazendo para que o Mercosul melhore sua oferta aos europeus nas outras áreas. Como não parece ser o caso, desaparece o único foco de pressão para que o bloco sul-americano chegue mais perto das ambições européias.
O exame das ofertas terá que ser relativamente rápido, porque, para a próxima segunda-feira, 4 de outubro, está marcada uma reunião negociadora em Bruxelas. Mas ela só se realizará "se for para fechar o acordo até 31 de outubro", antecipa Lúcia Maduro, negociadora da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Confirma o comunicado oficial europeu: "A União Européia espera agora que ambas as partes possam avaliar as respectivas ofertas de maneira a decidir se as negociações podem ou não ser concluídas até 31 de outubro".
Retórica oficial à parte, a perspectiva de um acordo dentro do prazo é dada como remota. Se não for mesmo possível concluir a negociação, o processo terá que ser retomado no ano que vem, já que, no mesmo 31 de outubro (que é o prazo fatal), muda a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 25 países.


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