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COMÉRCIO MUNDIAL
Rejeição recíproca de propostas pode levar ao fracasso a criação de zona de livre comércio até 31 de outubro
Acordo Mercosul-UE está à beira do colapso
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A um mês do prazo fatal para
sua conclusão, está à beira do colapso a negociação entre o Mercosul e a União Européia para criar o
que seria a maior zona de livre comércio do mundo.
O Mercosul, com a ressalva de
que se tratava de "uma primeira
avaliação", rejeitou ontem à noite
a oferta que os europeus haviam
apresentado à tarde. Comunicado
oficial do Itamaraty diz que a proposta da União Européia, "tal como ora se apresenta, significa
concessões muito grandes pelo
Mercosul sem a contrapartida necessária em concessões equivalentes da União Européia".
O comunicado oficial europeu,
por sua vez, dizia que sua oferta tinha "o mesmo enfoque e o mesmo nível de ambição" da proposta encaminhada pelo bloco sul-americano na sexta-feira passada.
Parece uma frase anódina, não
fosse o fato de que a análise dos
europeus, conforme a Folha apurou, é a de que o "nível de ambição" era muito baixo. Por extensão, a resposta européia seguiria
idêntica tônica.
Seguiu, de fato, a ponto de ser,
para todos os efeitos práticos, rejeitada pelo Itamaraty.
Sem equivalência
"Apesar de significativos avanços da nossa parte, que exigiram
longo e penoso processo de consultas internas e intra-Mercosul,
uma primeira avaliação da oferta
completada da União Européia
revela não se ter concretizado
uma contrapartida equivalente
ou mesmo próxima ao esforço de
melhora realizado pelo Mercosul", diz a nota oficial da chancelaria brasileira.
Queixa-se de que as cotas oferecidas pelos europeus continuam
em duas etapas: uma agora e a outra dependendo de como terminar a negociação da Rodada Doha
da OMC (Organização Mundial
do Comércio).
Concretamente, diz o Itamaraty, significa, no caso da carne
bovina, por exemplo, que a primeira etapa prevê uma cota de 60
mil toneladas para os quatro países do Mercosul, a ser implementada ao longo de dez anos.
Continua a nota: "Ao Brasil, caberia nesse formato, no primeiro
ano, cota de 2.400 toneladas. A título de comparação, sublinha-se
que o Mercosul já exporta, sem os
benefícios de um acordo e pagando tarifa plena que chega a 176%,
cerca de 95 mil toneladas por ano
ao mercado europeu".
Já os europeus admitem, também em comunicado oficial, que
sua oferta está cercada por condicionalidades, mas alegam que esse também foi o formato adotado
antes pelo Mercosul.
Os europeus reclamam, entre
outros pontos, que seus bens circulem
no Mercosul sem ter de pagar tarifas aduaneiras cada vez que passam de um país para outro, mais
proteção às "indicações geográficas" do que as oferecidas pelo
Mercosul, e a proibição do sistema de "draw back" (consiste na
suspensão ou até isenção do Imposto de Importação para componentes de mercadorias que são
posteriormente exportadas).
É ilustrativo do impasse o caso
das "indicações geográficas",
aquelas que dizem que, por exemplo, só pode ser vendido como
presunto de Parma o que é produzido em Parma (Itália), quando
há inúmeros similares com o
mesmo nome, mas outra origem.
O Mercosul ofereceu garantias
que considera um grande avanço,
mas os europeus reclamam que é
muito pouco.
E agora?
A perspectiva de impasse desenhada pela troca de propostas
pouco ambiciosas significa que
não será cumprida a data de 31 de
outubro, originalmente estabelecida para concluir a negociação
entre os dois blocos?
Ninguém, por enquanto, se anima a dar uma resposta definitiva.
Antes, os dois lados vão fazer a
análise completa das ofertas do
outro.
O Ministério da Agricultura,
por exemplo, adiou de ontem para hoje uma reunião com os empresários rurais, porque a proposta européia não havia chegado às
suas mãos.
Esse é o setor-chave da negociação: se a oferta européia abrisse
perspectivas de ganhos ao menos
razoáveis, o agronegócio aumentaria a pressão que já vem fazendo
para que o Mercosul melhore sua
oferta aos europeus nas outras
áreas. Como não parece ser o caso, desaparece o único foco de
pressão para que o bloco sul-americano chegue mais perto das ambições européias.
O exame das ofertas terá que ser
relativamente rápido, porque, para a próxima segunda-feira, 4 de
outubro, está marcada uma reunião negociadora em Bruxelas.
Mas ela só se realizará "se for para
fechar o acordo até 31 de outubro", antecipa Lúcia Maduro, negociadora da CNI (Confederação
Nacional da Indústria).
Confirma o comunicado oficial
europeu: "A União Européia espera agora que ambas as partes
possam avaliar as respectivas
ofertas de maneira a decidir se as
negociações podem ou não ser
concluídas até 31 de outubro".
Retórica oficial à parte, a perspectiva de um acordo dentro do
prazo é dada como remota. Se
não for mesmo possível concluir a
negociação, o processo terá que
ser retomado no ano que vem, já
que, no mesmo 31 de outubro
(que é o prazo fatal), muda a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 25 países.
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