São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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BEBIDAS

Enquanto o setor enfrenta um momento ruim, espumantes têm boa safra e vendas hoje são 50% maiores que em 1990

Champanhe escapa da crise do vinho francês

ADRIANA BRASILEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE EPERNAY

Ele pode ser intenso e persistente, delicado e refrescante, clássico e floral, arrojado e radiante, generoso e selvagem. Dependendo da sua composição e maturação, o champanhe adquire personalidade marcante, que dá à sua fabricação um status quase artístico. Mas, atualmente, o que mais diferencia esse vinho espumante de outros grandes vinhos franceses é o sucesso de vendas.
Depois de uma safra excelente em 2004, a produção de champanhe em 2005 deve chegar próximo ao resultado recorde de 1999, quando a demanda disparou às vésperas das comemorações do novo milênio, levando à fabricação de 327 milhões de garrafas.
No ano passado, a pequena região produtora, localizada a 150 km a leste de Paris, com uma área de 34 mil hectares espalhados nas encostas do vale do rio Marne, produziu 300 milhões de garrafas, das quais 40% foram exportadas. A venda mundial de champanhe atingiu US$ 4,5 bilhões em 2004 -um aumento de mais de 50% desde 1990.
"A colheita está anunciando um ano excepcional, com uvas de altíssima qualidade e maturação perfeita. Se tudo correr bem, vamos ter uma safra memorável", disse Ghislain de Mongolfier, presidente e tetraneto do fundador da Maison Bollinger, uma das mais tradicionais produtoras de champanhe, localizada no vilarejo de Ay, que produziu 2,1 milhões de garrafas no ano passado.
O champanhe é o único vinho francês que continua fazendo sucesso e conquistando mais consumidores a cada ano. Considerado a expressão máxima da elaboração, ou "assemblage", na vitivinicultura, o champanhe é fruto de um processo de fabricação caro, complexo e altamente regulado.
Outros vinhos, com o Bordeaux, estão sofrendo com a estagnação da economia européia e com o desemprego crescente, que tem diminuído sensivelmente o poder de compra do consumidor.
Os vinhos franceses também estão perdendo espaço para produtos mais baratos e de qualidade semelhante vindos dos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Chile. Outra dor-de-cabeça para os produtores são os efeitos da superprodução e superoferta de vinhos na própria França.
Além disso, os hábitos dos franceses com relação ao consumo de vinho estão mudando: desde 2000, 1 milhão de franceses pararam de tomar a bebida. Atualmente, um terço da população bebe vinho com freqüência, comparado a 40% há dez anos.
Em 1960, o consumo de vinho na França era exatamente o dobro do consumo atual e a tendência é a queda continuar, diz a Onivins (Agência Nacional Interprofissional do Vinho). Uma bebida bem mais simples e mais saudável -a água mineral engarrafada- é a maior concorrente do vinho, ganhando cada vez mais espaço nas mesas francesas.
"O consumo de vinho saiu da esfera agroalimentar e entrou no universo do lazer", disse Patrick Aigrain da Onivins, comentando uma pesquisa com 4.000 franceses sobre o consumo de vinho. "A tendência é o vinho ocupar cada vez menos espaço nos hábitos dos franceses." O consumo ocasional se tornou, nos últimos anos, a regra para 40% dos franceses e, hoje em dia, 30% dos adultos jamais tomam vinho.
Mas com o champanhe, a história é bem diferente.
As vendas do chamado néctar dos deuses não param de crescer, apesar de uma garrafa custar, em média, mais que um vinho tinto como um Merlot ou Borgonha de qualidade média.
Uma garrafa do champanhe mais vendido no mundo, o Brut Impérial da Moët & Chandon, sai por 26,75 (cerca de R$ 73). Já o Grande Dame da Maison Veuve Clicquot Ponsardin custa em média 120 (R$ 330).
Os maiores fãs do famoso espumante são justamente os franceses. Eles podem até optar por beber vinhos estrangeiros, ou simplesmente não beber mais vinho, mas o champanhe continua tendo lugar garantido não só nas celebrações e festas francesas mas também nos bares, piqueniques e refeições especiais em família.
A França é onde mais se consome champanhe: no ano passado, cada adulto bebeu em média três garrafas de 0,75 litro do espumante. Um total de 177,6 milhões de garrafas foram vendidas no país em 2004, de acordo com o CIVC (Comitê Interprofissional de Champanhe), órgão regulador do setor e representante de viticultores e "maisons" produtoras.
A Europa consome grande parte das exportações. No ano passado, a União Européia, excluindo a França, importou 77 milhões de garrafas. Outros países, incluindo os Estados Unidos, importaram 45,8 milhões de garrafas.
A Inglaterra tem o segundo lugar em termos de consumo per capita: meia garrafa de champanhe por ano por adulto em média. Os americanos estão consumindo cada vez mais champanhe, passando de poucas garrafas por 100 habitantes há alguns anos a uma garrafa por 21 adultos, em média, no ano passado.
Mas não são só os países ricos que sustentam a demanda pelo espumante. O champanhe seduz um número crescente de consumidores em mercados emergentes como a Rússia e a China.
No Brasil, apesar das vendas ainda modestas, as importações vem crescendo a um ritmo de 2% ao ano, atingindo 485 mil garrafas de junho do ano passado até julho deste ano, disse o CIVC.
"O champanhe é um vinho mítico, uma marca conhecida no mundo inteiro, e cada vez mais apreciado por sua complexidade", disse de Mongolfier, da Maison Bollinger. "Mesmo que sejam aumentos discretos, as vendas têm melhorado consistentemente ao longo dos anos porque o poder de compra está aumentando em muitos mercados."
O setor vai tão bem que grandes investidores estão começando a se interessar, apesar do alto grau de regulação e do longo ciclo do negócio. Recentemente, o fundo americano de investimento Starwood Capital comprou a Taittinger, o sexto maior grupo produtor de champanhe.

Mas pequenos produtores não acreditam nas previsões de uma eventual tomada de controle do negócio do champanhe por grandes grupos.
"O investimento é muito alto no início e só vai gerar retorno em dez ou mais anos", disse Daniel Lorson, do CIVC. "É um negócio para quem ama o champanhe de verdade, não para quem quer fazer um lucro rápido."
Em Champanhe, todos os custos de produção estão muito acima da média da indústria do vinho. As uvas chardonnay, pinot noir e pinot meunier são as mais caras do mundo, saindo a 5 (R$ 14) o quilo.
O "terroir", ou terra onde as videiras podem ser plantadas, está limitado a 34 mil hectares desde 1927 devido a uma lei que regulamenta a produção do champanhe e que estabeleceu a apelação de origem controlada para o vinho.
Pouquíssima coisa mudou desde então. A colheita, que este ano começou em meados de setembro e dura mais ou menos três semanas, é toda feita à mão, por cerca de 100 mil trabalhadores temporários -desde ciganos até estudantes e turistas.
Tudo é rigorosamente controlado. Um máximo de 4.000 quilos de uvas podem ser prensadas de cada vez para produzir 2.050 litros de suco, ou cuvée, que vai se transformar nos três tipos de vinho usado na "assemblage" do champanhe.
Muitas "maisons" utilizam somente o suco da primeira prensagem das uvas, o que encarece ainda mais o processo.
O nome champanhe não pode ser usado em nenhum produto que não seja o vinho produzido na região. Os produtores, representados pelo CIVC, já processaram desde fabricantes de perfume até donos de hotéis pelo uso indevido da marca e das plantas.
"Uma vez a Prefeitura de Epernay decidiu plantar umas vinhas de chardonnay na entrada da cidade para fazer um arranjo decorativo. Os produtores protestaram, com razão, e a prefeitura mudou de idéia" disse Philippe Wibrotte, do CIVC.
E há ainda a classificação do "terroir" -os viticultores donos de terras consideradas "grand cru" ou "premier cru", que denota solos de excelente qualidade, conseguem preços muito melhores para as sua produção. "Cru" quer dizer região ou vilarejo e, apesar das áreas produtoras serem muito próximas umas das outras, "algumas produzem uvas muito mais interessantes do que outras, com uma consistência impressionante", acrescentou Wibrotte.
Um hectare de terra em uma área considerada "grand cru" pode custar 1 milhão, enquanto um terreno na mesma região, mas onde não se é permitido plantar vinhas porque o solo é considerado de qualidade inferior, tem preço cem vezes menor.


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