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BEBIDAS
Enquanto o setor enfrenta um momento ruim, espumantes têm boa safra e vendas hoje são 50% maiores que em 1990
Champanhe escapa da crise do vinho francês
ADRIANA BRASILEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE EPERNAY
Ele pode ser intenso e persistente, delicado e refrescante, clássico
e floral, arrojado e radiante, generoso e selvagem. Dependendo da
sua composição e maturação, o
champanhe adquire personalidade marcante, que dá à sua fabricação um status quase artístico.
Mas, atualmente, o que mais diferencia esse vinho espumante de
outros grandes vinhos franceses é
o sucesso de vendas.
Depois de uma safra excelente
em 2004, a produção de champanhe em 2005 deve chegar próximo ao resultado recorde de 1999,
quando a demanda disparou às
vésperas das comemorações do
novo milênio, levando à fabricação de 327 milhões de garrafas.
No ano passado, a pequena região produtora, localizada a 150
km a leste de Paris, com uma área
de 34 mil hectares espalhados nas
encostas do vale do rio Marne,
produziu 300 milhões de garrafas,
das quais 40% foram exportadas.
A venda mundial de champanhe
atingiu US$ 4,5 bilhões em 2004
-um aumento de mais de 50%
desde 1990.
"A colheita está anunciando um
ano excepcional, com uvas de altíssima qualidade e maturação
perfeita. Se tudo correr bem, vamos ter uma safra memorável",
disse Ghislain de Mongolfier, presidente e tetraneto do fundador
da Maison Bollinger, uma das
mais tradicionais produtoras de
champanhe, localizada no vilarejo de Ay, que produziu 2,1 milhões de garrafas no ano passado.
O champanhe é o único vinho
francês que continua fazendo sucesso e conquistando mais consumidores a cada ano. Considerado
a expressão máxima da elaboração, ou "assemblage", na vitivinicultura, o champanhe é fruto de
um processo de fabricação caro,
complexo e altamente regulado.
Outros vinhos, com o Bordeaux, estão sofrendo com a estagnação da economia européia e
com o desemprego crescente, que
tem diminuído sensivelmente o
poder de compra do consumidor.
Os vinhos franceses também estão perdendo espaço para produtos mais baratos e de qualidade
semelhante vindos dos Estados
Unidos, Austrália, Nova Zelândia
e Chile. Outra dor-de-cabeça para
os produtores são os efeitos da superprodução e superoferta de vinhos na própria França.
Além disso, os hábitos dos franceses com relação ao consumo de
vinho estão mudando: desde
2000, 1 milhão de franceses pararam de tomar a bebida. Atualmente, um terço da população bebe vinho com freqüência, comparado a 40% há dez anos.
Em 1960, o consumo de vinho
na França era exatamente o dobro
do consumo atual e a tendência é
a queda continuar, diz a Onivins
(Agência Nacional Interprofissional do Vinho). Uma bebida bem
mais simples e mais saudável -a
água mineral engarrafada- é a
maior concorrente do vinho, ganhando cada vez mais espaço nas
mesas francesas.
"O consumo de vinho saiu da
esfera agroalimentar e entrou no
universo do lazer", disse Patrick
Aigrain da Onivins, comentando
uma pesquisa com 4.000 franceses sobre o consumo de vinho. "A
tendência é o vinho ocupar cada
vez menos espaço nos hábitos dos
franceses." O consumo ocasional
se tornou, nos últimos anos, a regra para 40% dos franceses e, hoje
em dia, 30% dos adultos jamais
tomam vinho.
Mas com o champanhe, a história é bem diferente.
As vendas do chamado néctar
dos deuses não param de crescer,
apesar de uma garrafa custar, em
média, mais que um vinho tinto
como um Merlot ou Borgonha de
qualidade média.
Uma garrafa do champanhe
mais vendido no mundo, o Brut
Impérial da Moët & Chandon, sai
por 26,75 (cerca de R$ 73). Já o
Grande Dame da Maison Veuve
Clicquot Ponsardin custa em média 120 (R$ 330).
Os maiores fãs do famoso espumante são justamente os franceses. Eles podem até optar por beber vinhos estrangeiros, ou simplesmente não beber mais vinho,
mas o champanhe continua tendo lugar garantido não só nas celebrações e festas francesas mas
também nos bares, piqueniques e
refeições especiais em família.
A França é onde mais se consome champanhe: no ano passado,
cada adulto bebeu em média três
garrafas de 0,75 litro do espumante. Um total de 177,6 milhões de
garrafas foram vendidas no país
em 2004, de acordo com o CIVC
(Comitê Interprofissional de
Champanhe), órgão regulador do
setor e representante de viticultores e "maisons" produtoras.
A Europa consome grande parte das exportações. No ano passado, a União Européia, excluindo a
França, importou 77 milhões de
garrafas. Outros países, incluindo
os Estados Unidos, importaram
45,8 milhões de garrafas.
A Inglaterra tem o segundo lugar em termos de consumo per
capita: meia garrafa de champanhe por ano por adulto em média.
Os americanos estão consumindo
cada vez mais champanhe, passando de poucas garrafas por 100
habitantes há alguns anos a uma
garrafa por 21 adultos, em média,
no ano passado.
Mas não são só os países ricos
que sustentam a demanda pelo
espumante. O champanhe seduz
um número crescente de consumidores em mercados emergentes como a Rússia e a China.
No Brasil, apesar das vendas
ainda modestas, as importações
vem crescendo a um ritmo de 2%
ao ano, atingindo 485 mil garrafas
de junho do ano passado até julho
deste ano, disse o CIVC.
"O champanhe é um vinho mítico, uma marca conhecida no
mundo inteiro, e cada vez mais
apreciado por sua complexidade", disse de Mongolfier, da Maison Bollinger. "Mesmo que sejam
aumentos discretos, as vendas
têm melhorado consistentemente
ao longo dos anos porque o poder
de compra está aumentando em
muitos mercados."
O setor vai tão bem que grandes
investidores estão começando a
se interessar, apesar do alto grau
de regulação e do longo ciclo do
negócio. Recentemente, o fundo
americano de investimento Starwood Capital comprou a Taittinger, o sexto maior grupo produtor
de champanhe.
Mas pequenos produtores não
acreditam nas previsões de uma
eventual tomada de controle do
negócio do champanhe por grandes grupos.
"O investimento é muito alto no
início e só vai gerar retorno em
dez ou mais anos", disse Daniel
Lorson, do CIVC. "É um negócio
para quem ama o champanhe de
verdade, não para quem quer fazer um lucro rápido."
Em Champanhe, todos os custos de produção estão muito acima da média da indústria do vinho. As uvas chardonnay, pinot
noir e pinot meunier são as mais
caras do mundo, saindo a 5
(R$ 14) o quilo.
O "terroir", ou terra onde as videiras podem ser plantadas, está
limitado a 34 mil hectares desde
1927 devido a uma lei que regulamenta a produção do champanhe
e que estabeleceu a apelação de
origem controlada para o vinho.
Pouquíssima coisa mudou desde então. A colheita, que este ano
começou em meados de setembro e dura mais ou menos três semanas, é toda feita à mão, por cerca de 100 mil trabalhadores temporários -desde ciganos até estudantes e turistas.
Tudo é rigorosamente controlado. Um máximo de 4.000 quilos
de uvas podem ser prensadas de
cada vez para produzir 2.050 litros de suco, ou cuvée, que vai se
transformar nos três tipos de vinho usado na "assemblage" do
champanhe.
Muitas "maisons" utilizam somente o suco da primeira prensagem das uvas, o que encarece ainda mais o processo.
O nome champanhe não pode
ser usado em nenhum produto
que não seja o vinho produzido
na região. Os produtores, representados pelo CIVC, já processaram desde fabricantes de perfume
até donos de hotéis pelo uso indevido da marca e das plantas.
"Uma vez a Prefeitura de Epernay decidiu plantar umas vinhas
de chardonnay na entrada da cidade para fazer um arranjo decorativo. Os produtores protestaram, com razão, e a prefeitura
mudou de idéia" disse Philippe
Wibrotte, do CIVC.
E há ainda a classificação do
"terroir" -os viticultores donos
de terras consideradas "grand
cru" ou "premier cru", que denota solos de excelente qualidade,
conseguem preços muito melhores para as sua produção. "Cru"
quer dizer região ou vilarejo e,
apesar das áreas produtoras serem muito próximas umas das
outras, "algumas produzem uvas
muito mais interessantes do que
outras, com uma consistência impressionante", acrescentou Wibrotte.
Um hectare de terra em uma
área considerada "grand cru" pode custar 1 milhão, enquanto
um terreno na mesma região, mas
onde não se é permitido plantar
vinhas porque o solo é considerado de qualidade inferior, tem preço cem vezes menor.
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