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Londres lança orçamento de carbono
País terá metas qüinqüenais e revisão por comitê para redução de 80% nas emissões de gases do efeito estufa até 2050
Proposta coincide com início da reunião sobre mudança climática de Poznan, na Polônia, onde britânicos querem tomar a dianteira
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Duas crises infernizam o
mundo: a financeira, para ontem, e a climática, para amanhã. Disposto a dar o exemplo
na conferência sobre mudança
climática que começa hoje em
Poznan (Polônia), o governo
britânico engatilhou um segundo orçamento nacional, expresso em toneladas de gás carbônico (CO2) e não em libras
esterlinas.
A adoção do orçamento carbônico começa amanhã, com o
lançamento da primeira proposta, e vai até 1º de junho de
2009. É a peça central da Lei de
Mudança Climática aprovada
pelo Parlamento no dia 18. Foi
formulada pelo Comitê de Mudança Climática (CCC, na sigla
em inglês), um órgão independente de aconselhamento e supervisão do governo na matéria, outra inovação britânica.
Até março, o governo do trabalhista Gordon Brown tem de
anunciar se acata a proposta do
CCC e justificar as alterações
que nela fizer. Seguem-se dois
meses de debates parlamentares sobre o orçamento consolidado por Brown. Em 1º de junho, a peça tem de virar lei, e o
governo passa a responder por
seu cumprimento, sob a vigilância de revisões anuais do comitê enviadas ao Parlamento.
Haverá sempre três orçamentos enfileirados, todos
qüinqüenais. Na primeira leva,
para os períodos 2008-2012,
2013-2017 e 2018-2022. Cada
um deles terá metas específicas
de redução de gases do efeito
estufa propostas pelo CCC, de
modo a delinear a trajetória para alcançar o objetivo de cortar
80% das emissões até 2050.
A idéia é dar segurança a empresários para que invistam em
sistemas de produção com
maior eficiência energética. É
quase certo que haverá uma
meta intermediária, em torno
de 30% de corte, para 2020.
O Protocolo de Kyoto previa
redução de 12,5% para o Reino
Unido no período 2008-2012.
O objetivo foi alcançado com
folga, em grande medida graças
à troca de carvão por gás natural na geração de eletricidade.
Mas isso resultou da desregulamentação e da privatização do
setor na década de 1980, não de
políticas ambientais.
Agora o governo britânico almeja liderar, dando o exemplo,
a travada negociação internacional sobre clima. Um corte de
80% nas emissões até 2050
-em todos os países- é tido
como necessário para evitar
que a temperatura média da atmosfera planetária se aqueça
mais que 2C. Acima disso, avaliam cientistas, o clima poderia
enlouquecer de vez, com secas
graves, tormentas e inundações mais freqüentes.
Até agora as tratativas para
distribuir o ônus entre as nações foram paralisadas pela
disputa entre países desenvolvidos, maiores responsáveis
pelo carbono já emitido, e em
desenvolvimento. O Reino
Unido pretende romper o impasse dando o exemplo e exibindo metas ambiciosas e uma
lei que o obriga a cumpri-las.
Mesmo com a adoção de metas similares pelos EUA de Barack Obama, que prometeu
US$ 150 bilhões em dez anos
para a pesquisa de tecnologias
limpas, o avanço da negociação
é encarado com ceticismo. Caso um improvável acordo consiga estabilizar as emissões
mundiais nos níveis do ano
2000, ainda assim haveria 75%
de chance de a temperatura ultrapassar os 2C.
A projeção se encontra num
relatório da consultoria
McKinsey & Company muito
citado no governo britânico, "O
Desafio da Produtividade do
Carbono", lançado em junho.
Combater o pior da mudança
climática custaria menos de 1%
do PIB de 2050, estima o documento, ecoando cifra do Relatório Stern, de 2006.
A McKinsey fez também a
conta do aumento necessário
na produtividade do carbono
(unidades de PIB por tonelada
de CO2) para manter o crescimento da economia mundial
na média de 3% -valor que hoje parece irreal. Seria preciso
multiplicá-la por dez, passando
de US$ 740/t para US$ 7.300/t.
Algo comparável ao aumento
da produtividade do trabalho
na Revolução Industrial, mas
em 40 anos, não 120.
David Kennedy, secretário-executivo da CCC, está otimista. Ele acredita ser possível
descarbonizar inteiramente a
matriz energética britânica até
2050. Para isso, o orçamento
de carbono que ajudou a finalizar prevê um leque amplo de
medidas, da conservação de
energia à eletricidade nuclear.
Haveria lugar ainda para biocombustíveis e créditos de carbono (leia abaixo), além de investimentos para desenvolver
usinas termelétricas a carvão
"limpas": com captura e injeção subterrânea do CO2.
Um dos grandes nós são as
emissões da aviação e da navegação, que não foram incluídas
no Protocolo de Kyoto, mas farão parte dos orçamentos carbônicos britânicos e, talvez, do
acordo climático que for possível alcançar em Copenhague,
daqui a um ano. Sem a inclusão
desses setores, seria impossível
alcançar a meta de longo prazo:
baixar a emissão per capita a algo da ordem de 2 toneladas
anuais, na média mundial.
Uma coisa é certa: o governo
britânico, entusiasta de mecanismos de mercado como créditos de carbono, está convencido de que a prevenção do
aquecimento global depende
da coordenação de governos,
assim como na crise financeira.
O colunista MARCELO LEITE viajou a Londres a
convite da Embaixada Britânica no Brasil.
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