São Paulo, segunda-feira, 30 de dezembro de 2002

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ECONOMIA GLOBAL

Choques recentes não bastaram para tirar duas das maiores potências globais da paralisia econômica

Só um desastre salva Alemanha e Japão

Toshiyuki Aizawa - 27.dez.02/Reuters
Trabalhadores japoneses enfrentam um período deflacionário que vem desde o fim dos anos 90


JOHN PLENDER
DO "FINANCIAL TIMES"

Muito se disse recentemente sobre a semelhança dos problemas econômicos que afligem o Japão e a Alemanha. Ambos têm sistemas bancários fracos, e a Alemanha agora parece vulnerável à doença inflacionária que já atinge o Japão. Ambos cometeram sérios erros de política econômica nos últimos dez anos. E ambos terão de enfrentar uma poderosa maré demográfica para gerar crescimento econômico nas décadas futuras, quando suas forças de trabalho reduzidas terão de sustentar uma massa crescente de aposentados.
Não menos importante que esse diagnóstico econômico é a questão política. Por que esses dois países até há pouco tão bem-sucedidos vêm encontrando tamanha dificuldade para enfrentar suas respectivas dificuldades? Porque, nos dois casos, os governos fracassaram em enfrentar os desafios que lhes foram propostos.
A despeito de apresentar uma agenda reformista ao eleitorado japonês, o primeiro-ministro Junichiro Koizumi não obteve grande avanço na política econômica. A Alemanha, enquanto isso, sofre daquilo que Thomas Mayer, economista-chefe do Deutsche Bank para a Europa, classifica como um eleitorado complacente e uma liderança política fraca. Sob o governo do chanceler [primeiro-ministro] Gerhard Schröder, a coalizão governante não conseguiu enfrentar devidamente um sistema obsoleto de impostos e benefícios, ou desregulamentar mercados nitidamente esclerosados.
Parte do problema é que ambos os países sofrem do que se poderia designar como "paralisia dos ricos". A fim de persuadir os eleitores da necessidade de uma mudança radical, seria necessário criar uma sensação de crise. No Japão, a despeito de todas as dificuldades econômicas dos últimos 10 anos, o Produto Interno Bruto (PIB) continuava em US$ 37,6 mil per capita em 2000, enquanto no caso da Alemanha a renda per capita, inevitavelmente mais baixa por causa da unificação, ainda assim é de US$ 22,53 mil.
Trata-se, portanto, de países prósperos. E porque seus processos políticos funcionam de maneira consensual, talvez sejam precisos choques maiores para produzir mudanças. No entanto, as duas economias são bastante resistentes a choques. Na Alemanha, o desemprego é alto, mas o generoso sistema de seguro social reduz o incentivo para que os desempregados procurem trabalho. Uma taxa de participação reduzida, por sua vez, exacerba o problema demográfico. E problemas demográficos, por natureza, não induzem a crises, porque se agravam em ritmo de caramujo.

Dívida japonesa
No Japão, a fonte mais evidente de choque seria uma crise da dívida. Desde o estouro da bolha nos mercados de ações do país, o governo vem tentando compensar o declínio nos investimentos das empresas por meio de déficits fiscais cada vez mais elevados. Assim, a dívida pública subiu a um nível sem precedentes. Mas é virtualmente impossível ter uma crise fiscal no Japão porque as taxas de juros de curto prazo estão perto do zero, e o rendimento sobre os títulos de longo prazo do governo é de apenas 1,5%.
Assim ocorre, igualmente, no setor privado, em que as empresas "zumbis" endividadas em excesso nunca morrem porque o custo de serviço das dívidas é baixo. No capitalismo japonês, a deflação e as más decisões políticas removeram, em geral, a disciplina que a insolvência gera.
Enquanto isso, a experiência histórica de uma inflação muito alta ou de uma hiperinflação tanto na Alemanha quanto no Japão leva os dirigentes dos bancos centrais de ambos os países a um comportamento muito ortodoxo.
Por influência da Alemanha, o Banco Central Europeu tem estatutos ainda mais severos do que tinha o Bundesbank (o banco central alemão). Suas taxas de juros, mesmo que adequadas para a zona do euro como um todo, estão altas demais para a Alemanha.
De sua parte, as autoridades do Banco do Japão vêm relutando em contemplar as medidas heterodoxas que podem ser necessárias em um período de deflação, quando as taxas nominais de juros de curto prazo são zero, mas as reais estão em alta devido à queda nos preços. Seria sensato, por exemplo, ampliar a base monetária por meio de financiamento do déficit orçamentário via banco central ou bancos comerciais. Mas os banqueiros convencionais não se convencem disso.
Muitos desses obstáculos políticos refletem as características das economias administradas por consenso, tais como definidas pelo economista Mancur Olsen, além do fato de serem muitas vezes reféns da influência paralisante dos grupos de interesses.
Na Alemanha e também na Itália, que enfrenta muitos problemas semelhantes, os sindicatos demonstraram notável eficiência em retardar as reformas das leis trabalhistas e de aposentadoria. No Japão, os interesses especiais do Partido Liberal Democrata, com seus fortes vínculos a setores como a construção civil, impediram mudanças radicais.
É mais fácil ignorar tais interesses poderosos em um sistema eleitoral com dois partidos predominantes e eleições distritais. A chave das reformas de Margaret Thatcher no Reino Unido durante a década de 80, por exemplo, era o fato de que um governo eleito pela minoria dos eleitores apresentava condições de impor sua vontade à maioria relutante.
A Nova Zelândia oferece outro exemplo. Nos anos 80, experiências de liberalização econômica sob os governos de David Lange e Roger Douglas estavam longe de obter um consenso. A insatisfação do eleitorado com essas medidas duras (e não perceptivelmente efetivas) fez com que o sistema eleitoral do país adotasse a representação proporcional.

Dois mercados
Parte do dilema que os países administrados por consenso precisam enfrentar é que as coisas muitas vezes precisam piorar muito antes que comecem a melhorar. Isso representa um desafio para os mercados de capitais, onde a parte do leão do dinheiro está sob controle de anglófonos impacientes. Mas as percepções sobre o Japão e a Alemanha não são parecidas, surpreendentemente.
No mercado japonês de ações, os estrangeiros vêm aumentando suas participações à medida que as bolsas caem, nos últimos 12 anos. Os administradores estrangeiros de fundos continuaram a comprar ações enquanto os conglomerados informais vendiam suas participações acionárias cruzadas ante a pressão financeira.
Na Alemanha, o capital tem sido menos tolerante. Por algum tempo, antes da introdução do euro, os investidores se animaram com as perspectivas de reestruturação da Europa, em geral, e da Alemanha, em particular. Mas, quando o ritmo de mudança provou ser lento, a desilusão se instalou. E isso explica a fraqueza do euro até recentemente.
Por que o capital foi mais gentil com o Japão, cujos problemas têm raízes muito mais profundas que os alemães? Não se sabe, ou importa saber. Talvez o desempenho econômico do país até os anos 90 tenha sido tão espetacular que os administradores de fundos ainda mantenham certa boa vontade. Ou talvez alguns ainda comprem papéis da segunda maior economia com base nos pesos ponderados de índices mundiais.
O que fica claro é que a sucessão de choques não bastou para provocar uma virada nas duas grandes economias. A História nos diz que quando um choque grande o bastante surgir, eles serão capazes de mudar com imensa rapidez. A questão é determinar se alemães e japoneses terão de empobrecer de novo antes que um choque os tire de sua paralisia afluente e os devolva a um ritmo respeitável de crescimento econômico.


Tradução de Paulo Migliacci


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