São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

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LUÍS NASSIF

O renascer argentino

Pouco antes de explodir a Lei da Conversibilidade na Argentina -que permitia a livre conversão da moeda local, o peso, com o dólar, na paridade de um por um- conversei com alta autoridade monetária brasileira que não tinha dúvida: a economia do país seria totalmente dolarizada, espantando para sempre o fantasma de crises cambiais. Ponderei que, com aquela paridade, a dolarização significaria a desindustrialização total do país. Resposta: eles têm bom nível de instrução, boa agricultura, precisam se conformar em serem exportadores de produtos agrícolas e de serviços. Indaguei se ele tinha combinado isso com os russos.
Há países que se deixam matar. Outros resistem até o fim. Depois de ter descido ao inferno com a implosão do sistema cambial e amargado quedas recordes do PIB, a Argentina está renascendo.
Há quem atribua a queda do PIB ao calote da dívida externa. Há duas malícias aí. A primeira é que a queda do PIB foi conseqüência da explosão da conversibilidade. O calote está sendo aplicado agora, e o país está crescendo. A segunda é que calote é deixar de pagar, podendo. Quando não se consegue, o nome adequado é "reestruturação da dívida".
Tanto assim que, em janeiro, se completado o processo de renegociação com os credores, não há dúvida de que capitais externos -grande parte dos próprios argentinos- começará a retornar ao país.
A Argentina está saindo do buraco comandada por Néstor Kirchner, um presidente boquirroto, ironizado por qualquer argentino pensante, com um ministério medíocre.
Dos grandes intelectuais argentinos, historiador, jornalista e músico, o octogenário Félix Luna é desses entusiasmados com a recuperação do país, embora não tenha um pingo de admiração por seu presidente.
A economia está se recuperando, a indústria renascendo, o superávit fiscal está de volta, assim como o superávit das contas externas, e a inflação está sob controle. O país que está acabando de impor aos credores perdas gigantescas -embora menores do que os ganhos gigantescos que tiveram antes de o país quebrar- tem juros razoáveis e não padece da "incerteza jurisdicional" brandida por economistas brasileiros.
O que Kirchner fez foi apenas rejeitar as imposições ilógicas do FMI -que, a cada queda da arrecadação, por conta da recessão, recomendava mais aumento de impostos, que traziam mais recessão-, endurecer na renegociação da dívida, por absoluta falta de alternativa, e manter um câmbio favorável para a produção. Está meramente praticando o bê-a-bá do desenvolvimento: a defesa, mesmo que por vezes primária e intransigente, do interesse nacional.
Luna faz parte do grupo de intelectuais que acredita que a aproximação com o Brasil é irreversível e fundamental para o país. Atribui os problemas comerciais atuais apenas à assimetria das duas economias e à retórica candente de Kirchner.

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Luisnassif@uol.com.br

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