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São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A Grécia Clássica, a Roma Imperial e o novo PT

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Confesso ao leitor da Folha que estou obcecado com a "versão poder" do Partido dos Trabalhadores. Muitas vezes, em conversas com amigos ou em reuniões mais formais, meus pensamentos escapam do mundo real e voltam-se para esse fenômeno político extraordinário que estamos vivendo.
Foi o que ocorreu recentemente durante minha aula semanal de gramática portuguesa com o professor Fabio Simonini, quando ele discorria sobre um fato ocorrido com o imperador Júlio César na Roma Imperial. No auge de seu poder e glória, visitava ele o Senado quando, surpreso, constatou que os senadores expressavam-se em grego. Nacionalista extremado, o imperador manifestou sua revolta e indignação. Como podiam eles, membros da elite do país, usar a língua de um povo vencido e dominado pela grande Roma no dia-a-dia de suas atividades?
Os senadores, acusados pelo imperador de falta de nacionalismo e respeito pela pátria, responderam que assim procediam por não haver, no latim de então, palavras e expressões que tratassem de temas mais sofisticados e complexos como a filosofia e a política. A língua que se falava na Roma de Júlio César era ainda rústica e simplória, incapaz de expressar com precisão os temas mais ricos que faziam parte da cultura helênica. Por isso, embora a Grécia fosse então apenas mais uma Província do grande Império Romano, a elite política do dominador precisava da língua dos dominados para realizar sua tarefa de ajudar a governar o país.
Júlio César resolveu então chamar os gramáticos mais sábios de Roma e ordenou que produzissem uma gramática latina tão rica quanto a grega para evitar a vergonha de serem obrigados a se utilizar da língua de seus antigos inimigos. Por isso, explicou-me o professor Fabio, a palavra ginástica, que no grego clássico significava apenas o exercício para desenvolver a mente, passou a ter, no latim, o significado mais amplo que tem hoje.
O leitor já deve ter entendido a razão por que estou descrevendo esse fato histórico na minha coluna de hoje. A similitude entre esses acontecimentos longínquos e o que estamos vivendo nestes primeiros dias de governo Lula é muito forte. Os vencedores das eleições de outubro do ano passado e hoje os todo-poderosos em nosso país estão, como fizeram há muitos séculos os romanos, utilizando-se da língua dos tucanos vencidos e deixando de lado a sua, para governar nosso país. Vejamos alguns exemplos marcantes desse fato:
1) O presidente Lula, em sua recente viagem à Europa, afirma que a globalização da economia é hoje uma realidade para a qual, embora reconheça que ela crie problemas graves nos países em desenvolvimento, não se pode simplesmente virar as costas. É preciso aceitá-la e procurar minimizar seus efeitos perversos por meio de políticas públicas eficientes e negociações comerciais inteligentes.
2) O ministro da Casa Civil e ex-presidente do PT, José Dirceu, declara em Porto Alegre que a redução dos juros só pode ocorrer se o Congresso aprovar as reformas da Previdência, Fiscal e Trabalhista.
3) José Eduardo Dutra, novo presidente da Petrobras, ex-senador e um dos políticos do PT mais críticos dos anos Fernando Henrique Cardoso, defende, em entrevista à jornalista Míriam Leitão, a política de preços da Petrobras e o respeito aos direitos dos acionistas privados da companhia de lucrar com o poder de monopólio da companhia.
4) O Banco Central do governo petista, apesar das críticas que o partido fez à elevação dos juros em novembro e dezembro do ano passado, decide na primeira reunião do Copom elevar a Selic e recebe elogios das principais lideranças do partido, inclusive do maoísta presidente do MST.
Poderia citar uma série de outros momentos em que os novos detentores do poder expressaram-se em grego, ou melhor, em tucanês durante este primeiro mês de governo do PT. Mas entendo que os fatos já descritos são suficientes para mostrar que Lula e seus comandados decidiram trocar a agenda tosca do PT por uma mais profunda e representativa do país e do mundo em que estamos vivendo. Mesmo que ela tenha sido desenvolvida ao longo da era FHC.
Nada contra essa mudança radical, à medida que ela vai na direção dos interesses do nosso povo e pode permitir uma retomada do crescimento econômico nos próximos anos. O que me incomoda é a falta de transparência com que essa mudança está sendo realizada. Em política, a esperteza demais e a falta de legitimidade costumam cobrar, de quem assim age, um preço muito elevado. O governo Lula deveria, como fizeram os romanos sob Júlio César, reconhecer a superioridade da agenda de seus adversários e chamar técnicos competentes para reescrever a gramática petista. Caso contrário, corre o risco de cair na mesma armadilha malanista que imobilizou o governo Fernando Henrique Cardoso em seu segundo mandato. Até porque a situação internacional em 2003 pode ser ainda mais complicada do que a de 2002.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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