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OPINIÃO ECONÔMICA
A Grécia Clássica, a Roma Imperial e o novo PT
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Confesso ao leitor da Folha
que estou obcecado com a
"versão poder" do Partido dos
Trabalhadores. Muitas vezes, em
conversas com amigos ou em reuniões mais formais, meus pensamentos escapam do mundo real e
voltam-se para esse fenômeno político extraordinário que estamos
vivendo.
Foi o que ocorreu recentemente
durante minha aula semanal de
gramática portuguesa com o professor Fabio Simonini, quando ele
discorria sobre um fato ocorrido
com o imperador Júlio César na
Roma Imperial. No auge de seu
poder e glória, visitava ele o Senado quando, surpreso, constatou
que os senadores expressavam-se
em grego. Nacionalista extremado, o imperador manifestou sua
revolta e indignação. Como podiam eles, membros da elite do
país, usar a língua de um povo
vencido e dominado pela grande
Roma no dia-a-dia de suas atividades?
Os senadores, acusados pelo imperador de falta de nacionalismo
e respeito pela pátria, responderam que assim procediam por
não haver, no latim de então, palavras e expressões que tratassem
de temas mais sofisticados e complexos como a filosofia e a política. A língua que se falava na Roma de Júlio César era ainda rústica e simplória, incapaz de expressar com precisão os temas mais ricos que faziam parte da cultura
helênica. Por isso, embora a Grécia fosse então apenas mais uma
Província do grande Império Romano, a elite política do dominador precisava da língua dos dominados para realizar sua tarefa
de ajudar a governar o país.
Júlio César resolveu então chamar os gramáticos mais sábios de
Roma e ordenou que produzissem uma gramática latina tão rica quanto a grega para evitar a
vergonha de serem obrigados a se
utilizar da língua de seus antigos
inimigos. Por isso, explicou-me o
professor Fabio, a palavra ginástica, que no grego clássico significava apenas o exercício para desenvolver a mente, passou a ter,
no latim, o significado mais amplo que tem hoje.
O leitor já deve ter entendido a
razão por que estou descrevendo
esse fato histórico na minha coluna de hoje. A similitude entre esses acontecimentos longínquos e o
que estamos vivendo nestes primeiros dias de governo Lula é
muito forte. Os vencedores das
eleições de outubro do ano passado e hoje os todo-poderosos em
nosso país estão, como fizeram há
muitos séculos os romanos, utilizando-se da língua dos tucanos
vencidos e deixando de lado a
sua, para governar nosso país.
Vejamos alguns exemplos marcantes desse fato:
1) O presidente Lula, em sua recente viagem à Europa, afirma
que a globalização da economia é
hoje uma realidade para a qual,
embora reconheça que ela crie
problemas graves nos países em
desenvolvimento, não se pode
simplesmente virar as costas. É
preciso aceitá-la e procurar minimizar seus efeitos perversos por
meio de políticas públicas eficientes e negociações comerciais inteligentes.
2) O ministro da Casa Civil e ex-presidente do PT, José Dirceu, declara em Porto Alegre que a redução dos juros só pode ocorrer se o
Congresso aprovar as reformas
da Previdência, Fiscal e Trabalhista.
3) José Eduardo Dutra, novo
presidente da Petrobras, ex-senador e um dos políticos do PT mais
críticos dos anos Fernando Henrique Cardoso, defende, em entrevista à jornalista Míriam Leitão,
a política de preços da Petrobras e
o respeito aos direitos dos acionistas privados da companhia de lucrar com o poder de monopólio
da companhia.
4) O Banco Central do governo
petista, apesar das críticas que o
partido fez à elevação dos juros
em novembro e dezembro do ano
passado, decide na primeira reunião do Copom elevar a Selic e recebe elogios das principais lideranças do partido, inclusive do
maoísta presidente do MST.
Poderia citar uma série de outros momentos em que os novos
detentores do poder expressaram-se em grego, ou melhor, em tucanês durante este primeiro mês de
governo do PT. Mas entendo que
os fatos já descritos são suficientes
para mostrar que Lula e seus comandados decidiram trocar a
agenda tosca do PT por uma mais
profunda e representativa do país
e do mundo em que estamos vivendo. Mesmo que ela tenha sido
desenvolvida ao longo da era
FHC.
Nada contra essa mudança radical, à medida que ela vai na direção dos interesses do nosso povo
e pode permitir uma retomada do
crescimento econômico nos próximos anos. O que me incomoda é a
falta de transparência com que
essa mudança está sendo realizada. Em política, a esperteza demais e a falta de legitimidade costumam cobrar, de quem assim
age, um preço muito elevado. O
governo Lula deveria, como fizeram os romanos sob Júlio César,
reconhecer a superioridade da
agenda de seus adversários e chamar técnicos competentes para
reescrever a gramática petista.
Caso contrário, corre o risco de
cair na mesma armadilha malanista que imobilizou o governo
Fernando Henrique Cardoso em
seu segundo mandato. Até porque a situação internacional em
2003 pode ser ainda mais complicada do que a de 2002.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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