São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Neoprotecionismo


O agronegócio do país, que em condições normais não precisa de proteção, vive demanda de mecanismos defensivos


ANALISTAS importantes repetem todos os dias, pelo mundo afora, que a atual crise nascida nos Estados Unidos é o reflexo de uma "liberalização" exagerada do sistema financeiro e que se faz necessária uma nova regulação para esse setor, para que ele volte a ser um instrumento de desenvolvimento e de geração de empregos e riquezas nas empresas e nas nações.
Não será fácil chegar a isso, e o G20, que se reunirá no próximo abril, pode bem ser o fórum para essa importante implementação. Enquanto não se costura essa complicada regulação, os países estão se defendendo da crise montando redes de proteção. Para evitar a recessão ou o desemprego, estão colocando dinheiro para valer em bancos, empresas gigantescas e empreendimentos com vertente social. O próprio presidente Obama acaba de conseguir mais US$ 819 bilhões da Câmara dos Representantes dos EUA para ajudar a combater a crise, protegendo setores. É uma nova onda de protecionismo, um neoprotecionismo, que tem pelo menos duas claras derivações. A primeira é uma "trombada" com a globalização econômica. Se barreiras e fortalezas protecionistas são erguidas, projetos de liberação comercial, como a Rodada Doha da OMC, ficam obviamente sacrificados. E até mesmo as grandes instituições multilaterais acabam perdendo protagonismo. Pode-se ver isso começando, mas não dá para saber como vai acabar.
E a segunda é ainda mais interessante: se todos os países estão se protegendo, aqueles que não o fizerem ficarão expostos a uma concorrência predatória que pode causar graves problemas a seus setores produtivos. Portanto o neoprotecionismo acaba virando uma regra a ser seguida por todos os países.
Evidentemente, nenhum governo deve criar pânico em relação à crise, e sim mostrar à sociedade confiança de que será possível superá-la com galhardia. Mas também precisa tomar atitudes concretas na nova regra.
Nesse sentido, o agronegócio brasileiro, que é competitivo, eficiente e, em condições normais, não precisa de proteção -e sim apenas de isonomia em relação aos concorrentes-, vive agora uma demanda de mecanismos defensivos. A safra de grãos que começaremos a colher em poucas semanas é muito cara (por causa do aumento dos custos) e teve crédito insuficiente: com isso, os produtores reduziram a área que pretendiam plantar e usaram menos tecnologia (menos fertilizantes), de modo que a produção será menor do que se estimava. E a seca no Sul quebrou ainda mais essa previsão. Ainda não sabemos o que vai acontecer com os preços, mas, se a crise se tornar recessão mundial, a demanda cairá e os preços também. Isso seria trágico: safra cara, pequena e de preços baixos seria uma equação dramática, que levaria o setor rural a grande inadimplência e incapacidade de plantar safra boa neste ano, a ser colhida em 2010. E isso traria inflação, déficit na balança comercial e queima de reservas.
Proteção é necessária, e a política de preços mínimos resolveria o assunto. Além disso, setores exportadores em grande dificuldade, como o sucroalcooleiro ou o de carnes, precisam de crédito para exportar (ACC) e capital de giro, com carência, prazo longo e juros compatíveis, para manter vivo o sistema produtivo.
Todos esses instrumentos são aceitos pela OMC e, implementados no Brasil, nos colocariam em melhor condição de competir com nossos protegidíssimos competidores.


ROBERTO RODRIGUES , 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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