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OPINIÃO ECONÔMICA
Nem todo mercado é malandro
GESNER OLIVEIRA
O governo repetiu nesta semana o erro de várias outras administrações ao atirar indiscriminadamente contra os
postos de gasolina, acusando-os
de prática de cartel. A preocupação com a formação de cartéis é
correta. Mas a forma utilizada está equivocada.
Na segunda-feira, o presidente
Lula afirmou que "não adianta
os produtores serem sérios e reduzirem os preços, não adianta o governo ser sério e propor a redução
se há pessoas que acham que são
malandros e, portanto, podem
enganar os outros achando que
ninguém vai perceber".
No dia seguinte, a ministra de
Minas e Energia, Dilma Rousseff,
anunciou que o governo passaria
a calcular e divulgar um preço
teórico da gasolina, diesel e gás de
cozinha e que fiscalizaria as empresas que praticassem preços
maiores que a tabela, com a providencial ajuda da Receita Federal e do Cade.
E, a exemplo daquilo que vários
outros governos já fizeram no
passado, ameaçou os inimigos
com a aplicação da lei. Segundo a
ministra, as "empresas terão a
contabilidade virada ao avesso, e
quem não repassar as reduções
correrá o extremo risco de se incomodar bastante em todas as instâncias do governo federal".
Acusações tão genéricas, em relação a mercados tão diferentes
entre si, espalhados pelos quatro
cantos do país, estão fadadas a
cometer sérias injustiças.
O regime típico no qual esses
mercados operam é o da chamada concorrência monopolística.
Trata-se de uma mistura de monopólio e concorrência. Há aspectos monopolistas porque certos
atributos de um posto podem lhe
conferir poder de mercado, como
a boa localização em um cruzamento importante.
Mas é um poder reduzido porque a facilidade de entrada de
novos concorrentes que existem
em grande número inibe o exercício de preços sistematicamente
mais elevados. Além disso, as condições de concorrência variam
muito, pois são mercados locais,
com inúmeras especificidades.
Isso não descarta a prática de
combinação de preços, que caracteriza o cartel e deve ser punida.
Mas isso vale para todos os mercados da economia e com muito
mais razão para aqueles setores
mais concentrados do que o de
postos de gasolina, como os da
maioria das matérias-primas para a indústria de transformação.
Além disso, os instrumentos utilizados são inadequados. A divulgação de uma tabela com a finalidade de "orientar" o consumidor
não ajuda. Ironicamente, uma
das dificuldades para a formação
de um cartel é precisamente a falta de referência daquilo que deveria ser o "preço justo".
Quando o próprio governo, ainda que na melhor das intenções,
procura substituir o mercado
confeccionando uma tabela de referência, elimina-se, pelo menos
parcialmente, um dos custos inerentes a um acordo de preços. Na
prática, a mão pesada do governo
termina por ajudar um eventual
cartel.
Diferentemente daquilo que poderia parecer à primeira vista, os
mercados concorrenciais são caracterizados pela grande variação de preços entre um concorrente e outro. Cabe ao consumidor a tarefa de exercer sua soberania, escolhendo os melhores e
mais baratos e rejeitando os mais
caros.
Em vez de uma tabela de referência, que lembra os velhos tempos de controle de preços, seria
mais útil ao consumidor se o governo desse mais informação ao
mercado. Algo possível, por exemplo, com uma melhor divulgação
da pesquisa de preços de combustíveis da ANP (Agência Nacional
do Petróleo), que precisaria ser
ampliada e reformulada para se
tornar mais representativa.
Em vez de ameaçar os postos
com uma devassa, o governo deveria assegurar ao contribuinte e
ao administrador de um modo
geral processos administrativos
céleres e sem nenhum tipo de pré-julgamento.
Destaque-se que cruzamentos
com dados da Receita Federal
não cabem em investigações antitruste, pois uma das principais
fontes de informação do governo
para combater cartéis é o próprio
mercado. Para que a fonte não
desapareça, é preciso assegurar
pleno respeito à confidencialidade e ausência de cruzamentos
dessa natureza.
Cachorro que ladra não morde.
Em vez de gritar contra mercados
relativamente concorrenciais como os de postos de gasolina, seria
melhor preparar bem os instrumentos de combate a cartéis, fortalecendo os órgãos de defesa da
concorrência com recursos materiais e humanos. Só assim será
possível punir discreta mas exemplarmente os verdadeiros abusos
do poder econômico.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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