São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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DEBATE

Falta foco na qualificação profissional

Para governo e especialistas, é necessário haver mais investimentos em programas e cursos que aliem formação de mão-de-obra à melhora do nível de escolaridade

OS PROGRAMAS de formação e qualificação profissional estão fora de foco para atender a realidade do mercado de trabalho do país e as necessidades dos trabalhadores mais carentes. Apesar das iniciativas existentes nos setores público e privado, é necessário haver mais investimentos em cursos gratuitos que combinem formação profissional e educação básica. Sem ampliar a escolaridade dos que freqüentam os cursos, não haverá qualificação nem formação profissional eficiente no Brasil. Para isso, os investimentos devem ser contínuos, a longo prazo e feitos de forma maciça no país.

CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A necessidade de aperfeiçoar os programas de formação de mão-de-obra e de qualificação profissional foi tema de debate promovido anteontem pela Folha, em que participaram o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, o diretor regional do Senai São Paulo, Luis Carlos de Souza Vieira, e o economista Claudio de Moura Castro, ex-chefe da Divisão de Políticas de Formação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e da Divisão de Programas Sociais do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
"O que constatamos, ao fazer diagnóstico com municípios do Estado de São Paulo para preparar o programa estadual de qualificação, é que grande parte dos cursos dados não tem a ver com a demanda do mercado", afirmou Afif Domingos, ao se referir a cursos de artesanato e padarias comunitárias, que vinham sendo executados no Estado, quando o trabalhador apontava a necessidade de se preparar para funções como pedreiro, recepcionista, vendedor, entre outras. O programa estadual deve ser lançado nas próximas semanas, com previsão para atender 30 mil pessoas neste ano, 60 mil em 2009 e 90 mil pessoas em 2010.
"Quando você não tem diagnóstico preciso, o que ocorre são gastos dispersos com qualificação, não investimento. Não adianta ficar esparramando os recursos", disse o secretário.

Sistema único
Uma das sugestões que Afif Domingos aponta para evitar essa dispersão de verbas destinadas à formação e à qualificação é criar sistema que concentre todas as ações e os recursos de todos os programas das áreas privada e federal para atender de forma mais eficiente as demandas do mercado. A medida, segundo ele, pode levar ao aumento na quantidade de cursos gratuitos.
Em recente viagem ao Ceará, o ministro Lupi diz ter constatado a distância entre o que é ofertado pelos cursos de qualificação e a realidade do trabalhador. "Alunos de cursos de garçom, por exemplo, queriam ter aulas de espanhol e inglês para atender os turistas que vão a Fortaleza. O desejo dos alunos era diferente do que oferecia a área técnica do ministério. Após essa constatação, mudamos os cursos."
Lupi discorda, entretanto, da idéia de centralizar todos os recursos destinados à formação e à qualificação da mão-de-obra. "A descentralização dos recursos permite maior fiscalização das Câmaras Municipais, dos Tribunais de Contas, além de permitir mais acesso à cidadania", afirmou.

Falta de controle
O ministro admite que o governo tem dificuldades em controlar os recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) destinados a essa finalidade porque o número de entidades envolvidas no repasse de verbas é grande. "Em 2007, aplicamos R$ 300 milhões em verbas do FAT. No ano passado, foram R$ 800 milhões. Mas a execução [dos programas] depende da terceirização. Não temos como controlar a seriedade ou não das entidades que fazem cursos nem a eficácia", disse o ministro do Trabalho.
"O controle é muito fragilizado porque a administração pública não tem condições para estar em 6.000 municípios brasileiros", afirmou Lupi.
Ainda segundo o ministro, houve mudanças nas regras em abril para controlar os repasses e o cancelamento de convênios com oito ONGs, que "não tiveram competência para controlar o processo".

Investimentos contínuos
Para o diretor regional do Senai São Paulo, a falta de profissionais preparados e a eficácia dos programas de qualificação dependem de investimentos "maciços", que devem ser realizados a longo prazo.
"Faltam profissionais qualificados para determinadas ocupações de alta tecnologia e falta emprego para o trabalhador desqualificado", afirmou o diretor do Senai. "A origem desse problema é histórica. Nenhum país resolve o problema de qualificação profissional sem investimentos maciços, persistentes e contínuos em educação básica", avaliou.
Souza Vieira lembrou que, do total de trabalhadores com emprego formal no Brasil, 43% deles (ou 16 milhões de pessoas) não têm o ensino médio completo. E outros 20% (ou 7,5 milhões) não têm sequer ensino fundamental completo. "Estamos falando da elite da classe trabalhadora, que está empregada com carteira assinada", ressaltou o diretor regional do Senai São Paulo.
A situação da falta de mão-de-obra qualificada afeta principalmente o setor da construção civil, segundo destacou. "Estamos, por essa razão, lançando programa, em parceria com o sindicato dos trabalhadores e da indústria da construção civil, ofertando 42 mil vagas só no Estado pelo Senai São Paulo", afirmou Souza Vieira.
Para o economista Claudio de Moura Castro, o Brasil é "um dos únicos países do Terceiro Mundo com sistema de formação industrial de Primeiro Mundo". A afirmação foi feita em referência aos programas de qualificação profissional executados por entidades como o Senai, que integra o chamado Sistema S. As entidades desse sistema recebem 2,5% da folha de pagamento das empresas de forma compulsória.

Proposta
Ao discutir a proposta do Ministério de Educação, que prevê mudanças na destinação dos recursos para o Sistema S (uma das idéias é repassar verbas somente às entidades que ofereçam cursos gratuitos), o economista disse que "mexer em um sistema que funciona há mais de 60 anos no país é um crime".
Em reação, o ministro Lupi disse que o objetivo não é intervir nem administrar o Sistema S. "O governo quer apenas que o foco seja na gratuidade dos cursos." Castro defendeu que, no caso do Senai, pode haver uma cobrança seletiva dos cursos. "O que faz o sistema? Para aumentar a escala de operações, eles oferecem cursos nas empresas, que pagam para sua clientela. A lógica é correta." No caso dos cursos técnicos oferecidos pelas entidades, o economista defende que a cobrança seja feita "de quem pode pagar".
No Estado de São Paulo, o diretor regional do Senai ressaltou que os cursos técnicos não são cobrados. "São 45 mil alunos do curso técnico e de aprendizagem estudando gratuitamente", diz Souza Vieira.

Papel do Estado
O papel do Estado na formação profissional, ainda segundo destacou Castro, é "estimular o mercado", e não substituí-lo. "Toda vez que o governo tentou fazer isso foi um desastre."
Castro também criticou a legislação brasileira, que, ao seu ver, engessa a contratação de jovens como aprendizes. "O Brasil está liquidando todo o sistema de aprendizagem pelo excesso de exigências e de privilégios que são dados [aos aprendizes] e pela falta de vantagens que a empresa leva [para contratá-los]", disse.

Valores insuficientes
Os investimentos feitos pelo governo federal em qualificação são considerados insuficientes e foram alvo de críticas.
O Ministério do Trabalho aumentou recentemente de R$ 2,75 para R$ 3,50 o valor do custo médio do aluno/hora nos programas de qualificação. "Aqui em SP, esse valor não dá. É um convite à fraude", disse Afif Domingos. Lupi rebateu as críticas dizendo que havia cerca de dois anos o valor do custo por aluno não era reajustado.


NA INTERNET
www.folha.com.br/081511

Assista ao vídeo do debate sobre trabalho e qualificação profissional



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