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DEBATE
Falta foco na qualificação profissional
Para governo e especialistas, é necessário haver mais investimentos em programas
e cursos que aliem formação de mão-de-obra à melhora do nível de escolaridade
OS PROGRAMAS de formação e qualificação
profissional estão fora de foco para atender a realidade do mercado de trabalho do
país e as necessidades dos trabalhadores
mais carentes. Apesar das iniciativas existentes nos
setores público e privado, é necessário haver mais investimentos em cursos gratuitos que combinem formação profissional e educação básica. Sem ampliar a
escolaridade dos que freqüentam os cursos, não haverá qualificação nem formação profissional eficiente
no Brasil. Para isso, os investimentos devem ser contínuos, a longo prazo e feitos de forma maciça no país.
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A necessidade de aperfeiçoar
os programas de formação de
mão-de-obra e de qualificação
profissional foi tema de debate
promovido anteontem pela Folha, em que participaram o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o secretário do Emprego e
Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, Guilherme Afif
Domingos, o diretor regional
do Senai São Paulo, Luis Carlos
de Souza Vieira, e o economista
Claudio de Moura Castro, ex-chefe da Divisão de Políticas de
Formação da OIT (Organização Internacional do Trabalho)
e da Divisão de Programas Sociais do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
"O que constatamos, ao fazer
diagnóstico com municípios do
Estado de São Paulo para preparar o programa estadual de
qualificação, é que grande parte
dos cursos dados não tem a ver
com a demanda do mercado",
afirmou Afif Domingos, ao se
referir a cursos de artesanato e
padarias comunitárias, que vinham sendo executados no Estado, quando o trabalhador
apontava a necessidade de se
preparar para funções como
pedreiro, recepcionista, vendedor, entre outras. O programa
estadual deve ser lançado nas
próximas semanas, com previsão para atender 30 mil pessoas
neste ano, 60 mil em 2009 e 90
mil pessoas em 2010.
"Quando você não tem diagnóstico preciso, o que ocorre
são gastos dispersos com qualificação, não investimento. Não
adianta ficar esparramando os
recursos", disse o secretário.
Sistema único
Uma das sugestões que Afif
Domingos aponta para evitar
essa dispersão de verbas destinadas à formação e à qualificação é criar sistema que concentre todas as ações e os recursos
de todos os programas das
áreas privada e federal para
atender de forma mais eficiente as demandas do mercado. A
medida, segundo ele, pode levar ao aumento na quantidade
de cursos gratuitos.
Em recente viagem ao Ceará,
o ministro Lupi diz ter constatado a distância entre o que é
ofertado pelos cursos de qualificação e a realidade do trabalhador. "Alunos de cursos de
garçom, por exemplo, queriam
ter aulas de espanhol e inglês
para atender os turistas que vão
a Fortaleza. O desejo dos alunos era diferente do que oferecia a área técnica do ministério.
Após essa constatação, mudamos os cursos."
Lupi discorda, entretanto, da
idéia de centralizar todos os recursos destinados à formação e
à qualificação da mão-de-obra.
"A descentralização dos recursos permite maior fiscalização
das Câmaras Municipais, dos
Tribunais de Contas, além de
permitir mais acesso à cidadania", afirmou.
Falta de controle
O ministro admite que o governo tem dificuldades em controlar os recursos do FAT
(Fundo de Amparo ao Trabalhador) destinados a essa finalidade porque o número de entidades envolvidas no repasse de
verbas é grande. "Em 2007,
aplicamos R$ 300 milhões em
verbas do FAT. No ano passado,
foram R$ 800 milhões. Mas a
execução [dos programas] depende da terceirização. Não temos como controlar a seriedade ou não das entidades que fazem cursos nem a eficácia", disse o ministro do Trabalho.
"O controle é muito fragilizado porque a administração pública não tem condições para
estar em 6.000 municípios brasileiros", afirmou Lupi.
Ainda segundo o ministro,
houve mudanças nas regras em
abril para controlar os repasses
e o cancelamento de convênios
com oito ONGs, que "não tiveram competência para controlar o processo".
Investimentos contínuos
Para o diretor regional do Senai São Paulo, a falta de profissionais preparados e a eficácia
dos programas de qualificação
dependem de investimentos
"maciços", que devem ser realizados a longo prazo.
"Faltam profissionais qualificados para determinadas ocupações de alta tecnologia e falta
emprego para o trabalhador
desqualificado", afirmou o diretor do Senai. "A origem desse
problema é histórica. Nenhum
país resolve o problema de qualificação profissional sem investimentos maciços, persistentes e contínuos em educação básica", avaliou.
Souza Vieira lembrou que, do
total de trabalhadores com emprego formal no Brasil, 43% deles (ou 16 milhões de pessoas)
não têm o ensino médio completo. E outros 20% (ou 7,5 milhões) não têm sequer ensino
fundamental completo. "Estamos falando da elite da classe
trabalhadora, que está empregada com carteira assinada",
ressaltou o diretor regional do
Senai São Paulo.
A situação da falta de mão-de-obra qualificada afeta principalmente o setor da construção civil, segundo destacou.
"Estamos, por essa razão, lançando programa, em parceria
com o sindicato dos trabalhadores e da indústria da construção civil, ofertando 42 mil vagas
só no Estado pelo Senai São
Paulo", afirmou Souza Vieira.
Para o economista Claudio
de Moura Castro, o Brasil é "um
dos únicos países do Terceiro
Mundo com sistema de formação industrial de Primeiro
Mundo". A afirmação foi feita
em referência aos programas
de qualificação profissional
executados por entidades como o Senai, que integra o chamado Sistema S. As entidades
desse sistema recebem 2,5% da
folha de pagamento das empresas de forma compulsória.
Proposta
Ao discutir a proposta do Ministério de Educação, que prevê mudanças na destinação dos
recursos para o Sistema S (uma
das idéias é repassar verbas somente às entidades que ofereçam cursos gratuitos), o economista disse que "mexer em um
sistema que funciona há mais
de 60 anos no país é um crime".
Em reação, o ministro Lupi
disse que o objetivo não é intervir nem administrar o Sistema
S. "O governo quer apenas que
o foco seja na gratuidade dos
cursos." Castro defendeu que,
no caso do Senai, pode haver
uma cobrança seletiva dos cursos. "O que faz o sistema? Para
aumentar a escala de operações, eles oferecem cursos nas
empresas, que pagam para sua
clientela. A lógica é correta."
No caso dos cursos técnicos
oferecidos pelas entidades, o
economista defende que a cobrança seja feita "de quem pode
pagar".
No Estado de São Paulo, o diretor regional do Senai ressaltou que os cursos técnicos não
são cobrados. "São 45 mil alunos do curso técnico e de
aprendizagem estudando gratuitamente", diz Souza Vieira.
Papel do Estado
O papel do Estado na formação profissional, ainda segundo
destacou Castro, é "estimular o
mercado", e não substituí-lo.
"Toda vez que o governo tentou
fazer isso foi um desastre."
Castro também criticou a legislação brasileira, que, ao seu
ver, engessa a contratação de
jovens como aprendizes. "O
Brasil está liquidando todo o
sistema de aprendizagem pelo
excesso de exigências e de privilégios que são dados [aos
aprendizes] e pela falta de vantagens que a empresa leva [para
contratá-los]", disse.
Valores insuficientes
Os investimentos feitos pelo
governo federal em qualificação são considerados insuficientes e foram alvo de críticas.
O Ministério do Trabalho aumentou recentemente de R$
2,75 para R$ 3,50 o valor do
custo médio do aluno/hora nos
programas de qualificação.
"Aqui em SP, esse valor não dá.
É um convite à fraude", disse
Afif Domingos. Lupi rebateu as
críticas dizendo que havia cerca de dois anos o valor do custo
por aluno não era reajustado.
NA INTERNET
www.folha.com.br/081511
Assista ao vídeo do debate sobre trabalho e qualificação profissional
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