São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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ANÁLISE/FRAUDES DO CAPITAL

A lei que Bush foi obrigado a assinar

DO "FINANCIAL TIMES"

Com uma penada vigorosa e aparentemente satisfeita, um dos presidentes norte-americanos mais conservadores do último meio século, George W. Bush, assinou uma lei que representa uma das maiores expansões do papel do governo dos Estados Unidos na regulamentação do livre mercado.
É dessas ironias que a política moderna é feita. Mas a passagem da Lei Sarbanes-Oxley, que aumenta penas para executivos e endurece leis sobre a administração de empresas, por mais marcante que seja, não passa do primeiro passo na satisfação de um apetite que parece cada vez maior, da parte do público norte-americano, por reforma ampla da governança corporativa dos EUA.
A despeito da súbita alta nos preços das ações americanas registrada na semana passada, o governo, as agências regulatórias e o Congresso ainda têm muito que considerar antes que a confiança no sistema de prestação de contas financeiras seja restaurada.

Como a lei vai funcionar
O primeiro desafio é implementar a estrutura legislativa mais ampla. A Lei Sarbanes-Oxley dá consideráveis poderes à Securities and Exchange Commission (SEC, agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza os mercados de valores mobiliários) para executar os novos arranjos de fiscalização corporativa.
Sob a presidência de Harvey Pitt, a organização [a SEC] não se distinguiu como instituição especialmente efetiva na defesa dos interesses dos investidores. A carga que ela terá de portar quanto à fiscalização da nova lei é especialmente pesada.
Uma tarefa imediata será indicar os membros do Conselho Supervisor de Contabilidade de Empresas Abertas. Essa nova organização terá poderes consideráveis de fiscalização sobre os balanços das empresas, e os contadores e diretores que os produzem.

Independência
Garantir a independência do órgão deveria ser a maior prioridade da SEC. Sua posição se torna ainda mais importante à luz do fato de que dois dos cinco comissários da SEC eram sócios de empresas de auditoria, enquanto Pitt mesmo ganhou milhões em honorários desse mesmo setor enquanto dirigia um escritório privado de advocacia. O novo conselho precisa ser composto por pessoas cuja independência não possa ser questionada.
Definir as fronteiras do trabalho da nova agência é outra das tarefas da SEC. Questões até agora não resolvidas -como a maneira pela qual as empresas deveriam tratar as operações de ações- precisam ser decididas em favor da máxima transparência.
A maior dúvida depois da Lei Sarbanes-Oxley é o que mais deveria ser feito para corrigir alguns dos defeitos que continuam a ser expostos à medida que baixa a maré da bolha dos anos 90. Diversas questões exigem escrutínio mais aprofundado.

Promiscuidade no mercado
Os comitês do Senado mês estão escavando novos detalhes sobre a obscura e simbiótica relação entre as empresas de Wall Street e as companhias para as quais elas canalizam financiamentos. Os conflitos de interesse inerentes ao fato de que as empresas de Wall Street operam a um só tempo como bancos de investimento e corretoras de valores deveriam ser solucionados.
Nesta semana, o "Financial Times" está relatando os saques quase intoleráveis praticados por executivos de primeiro escalão contra empresas quase falidas, no momento em que elas atravessavam crises graves. Diversas outras questões da proteção das contas de aposentadoria ao papel dos diretores precisam ser estudadas.
Todos esses problemas são críticos para a confiança do público nas empresas norte-americanas. O truque é como lidar com eles sem criar uma camisa de força de novos regulamentos, as quais restringiriam os executivos e sufocariam a inovação e o risco criativo. Boa parte do trabalho pode ser realizada por meio de um melhor funcionamento das instituições regulatórias já existentes, em lugar de novas e audaciosas iniciativas legislativas.


Tradução de Paulo Migliacci


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