São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

A epopéia do Ipen

Uma das mais fantásticas experiências científicas continuadas do país foi o esforço para o desenvolvimento nuclear brasileiro a partir dos anos 50. Ainda está por ser escrita essa epopéia, que contou com nomes como Rex Nazareth, os físicos Marcel Damy e Sérgio Porto, o almirante Othon e outros heróis quase anônimos da pesquisa brasileira.
O programa brasileiro do setor teve início nos anos 50 com as tentativas de construir reatores de água pesada, na base de urânio natural menos enriquecido e potente. O mentor desse programa foi o físico Marcel Damy. O programa foi abandonado quando o país optou pelo acordo nuclear com a Alemanha e pela transferência da tecnologia de enriquecimento do urânio.
No início dos anos 80, o governo brasileiro decidiu abandonar o acordo com a Alemanha e investir em um acordo nuclear paralelo. E aí recorre ao grupo de pesquisadores que, desde o início dos anos 70, defendia uma alternativa ao acordo. Participavam do grupo técnicos do Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), da Marinha, físicos da Unicamp.
O movimento era politicamente comandado por Rex Nazareth e cientificamente por Sérgio Porto. Acabou crescendo e passando para a responsabilidade do CNEN (Conselho Nacional de Energia Nuclear), presidido por Rex, figura central dessa história.
Quando se decide retomar as pesquisas atômicas, o único órgão aparelhado para tal era o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), um oásis de qualidade de gestão e pesquisa em um setor que, em geral, dispõe de muitos cérebros e quase nenhuma gestão.
O Ipen havia sido criado em 1956, no governo JK, por meio de um convênio da USP com o Conselho Nacional de Pesquisa e, nessa condição, administrou o primeiro reator nuclear, que entrou em operação em 1957 e que, durante 40 anos, produziu os mais diversos tipos de radioisótopos. Em 1970, virou autarquia estadual com a denominação de Instituto de Energia Atômico.
Em 1982, a estrutura do Ipen foi alterada. Virou autarquia associada à USP e vinculada à Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, mas operada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, em vista de decreto que colocou toda a pesquisa nuclear sob orientação direta do governo federal. Foi essa estrutura que permitiu a continuidade de gestão que faltou a outros institutos, garantindo-lhe o atual padrão de excelência.
Com a formalização do ingresso da Marinha, o programa ganhou fôlego. A Marinha aderiu ao programa por seu interesse na propulsão nuclear e aí toma vulto a figura do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva -miseravelmente fuzilado por uma reportagem leviana de uma revista, pouco tempo atrás.
Em 1982 se realizou no Ipen a primeira experiência de separação isotópica de urânio com uma centrífuga inteiramente desenvolvida no país. Em 1987, José Sarney, então presidente da República, fez o anúncio formal de que o Brasil finalmente dominava por completo o ciclo de enriquecimento isotópico do urânio. Toda a força científica foi do Ipen e a engenharia de projetos da Marinha.
No governo Collor, uma decisão impensada liquidou com as pesquisas atômicas, quando o país se preparava para as primeiras explosões pacíficas. Nem se cuidou de avaliar que havia outras aplicações para as pesquisas.
O Ipen perdeu o rumo e o retomou apenas no governo Fernando Henrique Cardoso, quando redefiniu seu planejamento e passa a contar com recursos orçamentários estáveis. Neste ano, a produção do Ipen beneficiará 2 milhões de pessoas em diagnósticos e tratamento de câncer.
Mas esse replanejamento eu conto em outra coluna, que o espaço desta acabou.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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