São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

O PT perto do gol

Grandes países do mundo se forjaram em cima de soluções criativas, tecnicamente consistentes, mas que afrontavam o convencional, o estabelecido, não desperdiçando oportunidades históricas. Foi assim quando a Índia decidiu se transformar em referência mundial de software, quando a Coréia do Sul planejou virar referência mundial de tecnologia, quando a Finlândia montou seu projeto que a transformou em uma das líderes mundiais de telefonia e mesmo quando o pequeno Portugal planejou sua segunda rota de conquista de mercados internacionais.
Os grandes transformadores foram aqueles que ousaram fugir do convencional e, depois de identificado o caminho correto, ousaram pensar grande.
O governo Lula explicitou alguns conceitos e projetos relevantes durante a campanha. Defendeu a idéia de que o investimento estrangeiro deveria ser suplementar e que o importante seria consolidar a poupança interna. Apresentou um projeto de criação de um capitalismo popular, por meio do fortalecimento do mercado de ações e da destinação de 1% do FGTS para investimento no setor. Anunciou a prioridade de ampliar a penetração dos fundos de pensão.
Pois esse conjunto de conceitos pode dar um salto extraordinário, se se aproveitar o momento. O que se tem é um país quebrado, com um conjunto monumental de passivos. Há Estados dizendo-se sem condições de pagar o que devem ao governo federal, grandes grupos nacionais em crise, necessitando de capitalização.
Há uma crise aguda na mídia, na aviação civil, na petroquímica. O mercado internacional está fechado às empresas brasileiras. Em alguns setores, como a mídia e a aviação civil, não atende o interesse nacional permitir o controle das companhias por grupos estrangeiros.
O que resta de alternativa então? O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) é um banco de fomento, mas que trabalha de acordo com normas rígidas de concessão de crédito. E os problemas das empresas não são de financiamento, mas de capitalização.
Por seu lado, a União deve -e muito- aos chamados fundos sociais. Estados e empresas devem ao FAT, ao FGTS, à Caixa Econômica Federal, há os passivos atuariais da Previdência. Se a equipe de transição do PT conseguir colocar o nariz para fora da água dos problemas imediatos por alguns instantes, terá pela frente a matéria-prima para uma revolução sem precedentes no país.
A proposta não é nova, mas é mais oportuna do que nunca. Trata-se uma operação financeira que permita ao governo capitalizar os fundos sociais com títulos, cuja única finalidade será participar de investimentos em empresas públicas ou privadas.
Na última década, o BNDES e o mercado financeiro desenvolveram técnicas apropriadas de avaliação de empresas. Por seu lado, a indústria de fundos de pensão já avançou em técnicas de auto-regulação interna e das empresas nas quais têm recursos investidos. O mercado de capitais desenvolveu regras de governança corporativa capazes de conferir segurança aos investidores. Falta o quê? Grandes empresas dispostas a abrir seu capital. O momento é agora. De que forma o governo pretenderia ajudar a Globopar? Dando dinheiro a fundo perdido? Permitindo sua venda a grupos estrangeiros? Colocando dinheiro do BNDES lá? E a Brasken, as companhias aéreas ou mesmo os investimentos necessários para o saneamento?
Há condições de montar um amplo pacto nacional em torno do tema. As empresas seria convencidas a abrir seu capital. A subscrição seria feita por fundos sociais, constituídos por trabalhadores dispostos a sacar sua parte no FGTS ou no FAT e investir nessas empresas. As avaliações seriam feitas pelo BNDES, com a fiscalização dos representantes de trabalhadores.
Não se pense em comitês populares gerindo as empresas. Mas em acionistas minoritários, com representantes no conselho das empresas, fiscalizando e exigindo o que é necessário para garantir a aposentadoria dos seus membros: gestão e rentabilidade.
O PT assume o governo com o gol sem goleiro e a bola quicando na pequena área. Falta apenas alguém que a empurre em direção ao gol.

E-mail - LNassif@uol.com.br

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