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OPINIÃO ECONÔMICA
As agências reguladoras e o contrato de gestão
MARIA AUGUSTA FELDMAN
O governo federal, em seu
discurso inicial, questionava
a existência das agências reguladoras. Agora, defende a sua existência e o seu fortalecimento, desde que monitoradas por contratos
de gestão e por outros mecanismos de controle não convencionais, como a figura do "ouvidor",
com papel de "fiscal" do governo,
de plantão, dentro das agências.
Não se trata, portanto, de uma
questão conceitual, mas sim de
natureza política e passa pela definição do tipo de Estado que a sociedade almeja.
O "Estado regulador" contemporâneo é caracterizado pela
não-intervenção direta na atividade econômica e marcado pela
crescente tendência de "desgovernamentalização da atividade reguladora", estabelecendo a separação de funções entre tarefas de
orientação política da economia e
as de regulação, estas exercidas
por autoridades acentuadamente
independentes do governo.
A criação do Estado regulador
brasileiro não foi precedida de debate político ou jurídico, o que
torna pouco compreendido o seu
papel e justifica a ausência de formulação de uma política regulatória, sintonizada com um novo
tempo. O velho modelo regulatório, "estatista e burocratizante",
não mais responde às necessidades do país e aos anseios da sociedade. Nesse cenário surgiram os
órgãos de regulação, entes de Estado, perenes em relação aos governos, diferentes das agências
executivas, comandadas pelo Poder Executivo.
É fundamental diferenciá-las.
As agências executivas, para ampliar sua autonomia, são regidas
por contratos de gestão. As agências reguladoras, por sua vez, surgem da descentralização do Estado e da substituição da sua função empreendedora, o que requer
o fortalecimento das funções de
regulação e de fiscalização. Sua
característica essencial é sua autonomia, conferida e assegurada
por lei, e não pela contratualização de suas atividades.
Sob o argumento de que o contrato de gestão constitui instrumento de controle social e de
aperfeiçoamento de gestão, o governo pretende ampliar seu uso
para todas as agências, subordinando-as aos respectivos ministérios, especificando metas, obrigações, responsabilidades e penalidades. Essas punições são administrativas e, dizem, não envolvem a demissão dos dirigentes.
Mas, se as punições são administrativas, a rigor, está se falando de
tutela sobre a ação das agências e
do controle dos seus atos administrativos.
Não cabe, portanto, invocar o
parágrafo 8º, do artigo 37, da
Constituição, que prevê o contrato de gestão apenas para ampliar
a autonomia de entes da administração e não para estreitá-la.
Caso não atinja as metas pactuadas, o anteprojeto prevê a aplicação de punições administrativas,
como a suspensão da liberação de
recursos destinados às agências, o
que constitui desvio de finalidade. Tal fenômeno, que hoje já
ocorre indevidamente, via contingenciamento orçamentário,
será oficializado. A autonomia
administrativa, que engloba a
gestão dos recursos orçamentários e financeiros, restará comprometida, podendo subordinar-se a critérios políticos para sua liberação.
O governo invoca o argumento
do controle social, mas não avança nesse aspecto. Quer manter os
controles tradicionais do Executivo sobre as agências, sem considerar que estas já são controladas
pelos poderes Legislativo e Judiciário, Tribunal de Contas da
União, Ministério Público... A sistemática prestação de contas à
sociedade é essencial para o controle democrático das autoridades reguladoras, estando, aí sim,
caracterizado o verdadeiro controle social que significa a atuação direta da sociedade sobre as
ações do Estado. Cabe dizer que a
autonomia e a equidistância em
relação ao governo podem ser asseguradas por diferentes mecanismos de acompanhamento parlamentar.
Assim, substituir o controle do
Executivo, via contrato de gestão,
por ações legislativas, mediante a
prestação de contas ao Parlamento, é consenso. O envio de relatórios aos ministérios de vinculação, ao Senado e à Câmara, constitui apenas parte desse processo
de prestação de contas à sociedade, ou de "accountability" das
agências, que consiste na sua
obrigação de apresentar os resultados obtidos, devido a uma delegação de poder. O ideal seria, periodicamente, prestar contas ao
Congresso e, sempre que requisitado, às comissões temáticas das
Casas Legislativas. É esse o espaço
adequado para o controle social,
porque plural e amplamente representativo da sociedade.
O Congresso, atento, saberá, no
devido momento, ajustar o rumo,
fortalecendo as agências para
que, garantindo a estabilidade,
possam contribuir para o desenvolvimento nacional. Somente
por meio do debate democrático é
possível aperfeiçoar o modelo institucional das agências reguladoras e assegurar a credibilidade
necessária à atração de investimentos, assim como a qualidade
e o preço justo nos serviços prestados à sociedade.
Maria Augusta Feldman, 57, é presidente da Abar (Associação Brasileira de
Agências de Regulação).
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Antonio Barros de Castro.
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