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ENTREVISTA
Resultados dependem da qualidade criativa e não do tempo gasto na atividade, diz Domenico De Masi
"Liberem o trabalho da obsessão"
da Reportagem Local
Confira abaixo a entrevista
concedida pelo sociólogo italiano Domenico De Masi à Folha.
Folha - O sr. defende a idéia do
trabalho concentrado em um espaço menor de tempo. Isso pode
ser uma ferramenta contra o desemprego, sem afetar salários?
Domenico De Masi - Hoje, em
muitas famílias, o pai trabalha
dez horas por dia, e o filho, também diplomado, está desempregado. Para criar trabalho, não
basta incentivar os investimentos. Quando um empreendedor
investe capital, já não compra
mais mão-de-obra, mas robôs.
Os investimentos servem muito mais para criar produtos e serviços do que para originar trabalho. Para resolver o problema do
desemprego, é necessário criar
todo trabalho possível, mas, sobretudo, é necessário redistribuir
o trabalho que já existe.
Os únicos países que possuem
verdadeiramente uma baixa taxa
de desemprego são a Inglaterra
(que tem 22% de trabalhadores
em meio período) e a Holanda
(que tem 36% dos trabalhadores
em meio período). Meio período
é uma das possíveis formas de redistribuição de trabalho.
O salário não pode depender
mais da quantidade temporal de
trabalho, como acontecia na produção industrial de bens materiais em grande série. Agora, a
maior parte do trabalho é intelectual, e o seu resultado não depende da quantidade de horas trabalhadas, mas da motivação e da
qualidade criativa dos trabalhadores. Um trabalhador que tem
uma atividade criativa trabalha
24 horas por dia.
Isso porque sua mente corre
sempre ao encontro das idéias
que é desafiada a produzir. Cada
ano, nosso planeta produz 3% a
mais. Portanto, todo ano a retribuição deveria aumentar na mesma proporção. Em vez disso, um
número mínimo de pessoas (os
chefes das organizações) se apropria de uma parte crescente de riqueza enquanto o poder aquisitivo dos outros diminui 1% ao ano.
Folha - O sr. costuma afirmar
que as grandes empresas não são
criativas. Por quê?
De Masi - As grandes empresas
perdem continuamente a sua
criatividade porque a dimensão
as obriga a se burocratizar. As
grandes empresas são grandes
burocracias: seus objetivos são
incertos, o controle prevalece sobre a motivação, os chefes são
burocratas que preferem controlar os processos a valorizar os resultados. A cadeia hierárquica é
muito longa para que possam selecionar, valorizar e implementar
as novas idéias.
A potência das grandes empresas depende somente da sua força de inércia e da sua capacidade
de desperdício.
Seu pessoal é reduzido cerca de
4% ao ano. Portanto, todos aqueles que trabalham numa grande
empresa vivem no eterno terror
de ser demitidos. Quem vive no
terror não consegue elaborar
idéias novas. É um escravo, não
um ser criativo.
Folha - Vemos hoje o crescimento do setor informal.
Mais pessoas
se dedicam a
atividades em
que são responsáveis diretas pelo resultado do trabalho. Essa
tendência é
positiva ou as
condena à
mesma lógica
competitiva
adotada pelas
empresas?
De Masi - O
trabalho mudou substancialmente sem
que percebêssemos. Hoje o
trabalho criativo se confunde com o estudo e com a diversão.
A sociedade
industrial concentrava todo o divertimento na
infância, todo o estudo na juventude, todo o trabalho na maturidade e todo o repouso na velhice.
Hoje, ao contrário, é possível
conjugar lazer, estudo, trabalho e
ócio em cada momento da nossa
vida. As novas tecnologias finalmente consentem isso.
Mas, para que possamos chegar
a esse resultado de sabedoria e
poesia, é preciso liberar o trabalho da obsessão do prazo e da
competitividade destrutiva.
Folha - O sr. diz que os grandes
criativos, como o cineasta Federico Fellini, tinham muito tempo
para si próprios e que, por isso,
realizavam grandes projetos. Isso
é possível hoje em dia?
De Masi - O nosso tempo de vida dobrou em relação ao dos nossos bisavôs. Se eles tinham tempo
para amar, divertir-se, ler romances, trabalhar e fazer muitos
filhos, por que esse tempo tem de
faltar para nós?
Com relação a nossos antepassados, nós temos máquinas que
nos permitem economizar tempo (desde o telefone até o avião e
o correio eletrônico), máquinas
para estocar tempo (do gravador
à secretária eletrônica), máquina
para enriquecer o tempo (o rádio, enquanto viajamos no carro
ou enquanto fazemos os serviços
domésticos), máquinas para programar o tempo ("timer", agendas eletrônicas).
Portanto, a sensação de que nos
falta tempo deriva sobretudo da
nossa incapacidade de planejá-lo
e da tentação de preencher as horas disponíveis com uma gama
exuberante de atividades.
Os grandes criativos têm a capacidade de se concentrar e dedicam grande parte de seu tempo à
introspecção, ao amor, ao convívio e ao lazer.
Folha - Segundo a sua teoria,
não sabemos o que fazer no nosso tempo livre e, por isso, nos dedicamos cada vez mais ao trabalho. Como isso acontece?
De Masi - O trabalho ocupa
agora menos de um sétimo da
nossa vida. Mas tudo, a escola, a
família, a empresa, a igreja, nos
prepara somente para o trabalho.
Ninguém nos
ensina a cuidar
de nós mesmos: dormir
bem, amar
bem, distrair-se, divertir-se,
valorizar o
tempo livre
sem desperdiçá-lo na libertinagem, no
tédio e na
agressividade.
O ócio, para
ser criativo, é
uma arte difícil, à qual devemos ser encaminhados
por mestres de
vida como Sócrates ou como Adriano.
Folha - Por
que muitas
empresas ainda encaram
como ócio o
fato de seus
funcionários tirarem alguns momentos do expediente para ler,
estudar ou trocar idéias?
De Masi - As empresas se formaram sobretudo em função da
indústria, onde nasceu a organização científica do trabalho, que
atinge seu pico no final do século
19 e início do 20.
A linha de montagem representou a obra-prima organizacional
e constituiu um modelo para a
sociedade. Na sociedade industrial, eram consideradas "trabalho" somente atividades executivas capazes de produzir riquezas.
Ainda hoje, por exemplo, a atividade de estudo de um aluno e a
atividade doméstica de uma dona-de-casa não são consideradas
"trabalho". Não criam salário.
Hoje grande parte do trabalho
físico e executivo é delegada às
máquinas; ao homem sobra todo
o trabalho criativo, que precisa
ser alimentado pelo estudo, pela
discussão e pelo divertimento.
Mas as empresas pós-industriais, comportando-se como se
fossem ainda industriais, vetam
essas atividades indispensáveis.
Para introduzir a mentalidade
industrial no mundo rural, foram
necessárias duas gerações. Para
introduzir a pós-industrial no
mundo industrial, será necessária pelo menos uma geração.
Folha - Estudos mostram que o
aumento de produtividade causado pela tecnologia não trouxe
tempo livre para os trabalhadores. Pelo contrário, o trabalhador
produz hoje, em uma hora, mais
que no passado, só que seu tempo total de trabalho continua aumentando. O que acontece?
De Masi - Na sociedade agrícola, a vida média dos trabalhadores não atingia os 40 anos. A
maioria morria antes mesmo de
chegar à idade da aposentadoria.
Mas o trabalho agrícola está condicionado às estações do ano e,
portanto, deixa muito tempo livre. Por isso as sociedades agrícolas tinham muitas festividades
religiosas, e os ritmos eram muito lentos.
O trabalho da sociedade industrial foi regulado não mais pelas
estações da natureza, mas pelo
ritmo dos negócios e das máquinas. O tempo tornou-se dinheiro,
e a eficiência (a quantidade de
bens produzidos) tornou-se a
medida de todas as coisas.
Na sociedade industrial, a vida
foi rigidamente dividida em três
fases: a primeira, destinada ao estudo e à preparação profissional;
a segunda, destinada ao trabalho;
a terceira, à espera da morte.
Durante a primeira e a terceira
parte, cada indivíduo dispõe de
muito tempo, mas não sabe o que
fazer com ele. Na segunda parte,
gostaria de fazer muitas coisas,
mas não tem tempo suficiente.
Há algum tempo, os pobres trabalhavam muito, e os ricos ficavam na ociosidade, dedicando-se
ao esbanjamento ou à política e
às artes liberais.
Hoje é o contrário: os operários
conquistaram o direito a parar de
trabalhar no final da jornada.
Empresários, dirigentes e chefes
trabalham dez horas por dia e,
com frequência, levam trabalho
para casa nos fins-de-semana.
Tradução de Anastasia Campanerut
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