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ENTREVISTA/CLAUDIA MORENO
Trabalhar à noite faz mal
à saúde, diz especialista
Profissionais podem ter problemas psíquicos e gastrointesti nais, além de menor rendimento
ANDRESSA ROVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Para suportar uma cidade
que funciona sem pausa, é preciso contar com profissionais
dispostos a inverter o relógio
biológico e a dispensar a luz do
sol. Pode parecer simples: à primeira vista, o sono é o primeiro,
e único, inimigo a ser dobrado.
No Brasil, não há dados estatísticos sobre o contingente de
profissionais que trabalham
durante à noite, mas estima-se
que eles somem 10% da população economicamente ativa.
Apesar de a lei prever que esses profissionais recebam um
adicional no salário, a recompensa financeira pode não valer o desgaste da jornada.
Para a professora pós-doutora do departamento de saúde
ambiental da Faculdade de
Saúde Pública da USP Claudia
Moreno, que estuda o tema há
20 anos, o trabalhador noturno
não relaciona o aparecimento
de doenças com o horário da labuta, mas esse é um de seus
principais fatores.
FOLHA - Trabalhar à noite é como
trabalhar durante o dia?
CLAUDIA MORENO - Não. A espécie humana é essencialmente
diurna. Isso é geneticamente
determinado, ou seja, não é tão
simples de inverter. Quem trabalha à noite precisa saber que
não terá o mesmo desempenho
na madrugada como teria à tarde, pois o organismo não vai
responder da mesma forma.
FOLHA - Quais são os principais
efeitos na saúde do profissional?
MORENO - De imediato, ele passa a sentir os efeitos do débito
de sono, porque não vai conseguir dormir durante o dia como
faz à noite. Então, podemos dizer que, em geral, quem dorme
de dia tem duas horas a menos
de sono. Esse déficit vai gerar
dor de cabeça, fadiga e sintomas relacionados ao estresse.
Com o passar do tempo, o trabalhador começará a ter queixas de má digestão -isso pode se transformar em gastrite, úlcera ou em problemas gastrointestinais. Além disso, há problemas cardiovasculares,
como hipertensão, e distúrbios
psíquicos, como a depressão.
Mas as principais queixas estão
relacionadas ao sono: a pessoa
deita para dormir e não consegue, tem dificuldades para
adormecer e manter o sono.
Depois, apresenta o que chamamos de "despertar precoce":
acorda antes da hora que gostaria e não consegue dormir mais.
FOLHA - Pode-se dizer que, biologicamente, esse profissional está mais
disposto a desenvolver doenças?
MORENO - Sim. Podemos afirmar que trabalhar à noite faz
mal para a saúde. O Ministério
da Saúde edita um manual de
doenças relacionadas ao trabalho usado pelos peritos para definir se uma doença é ocupacional. O último, de 2001, inclui as
conseqüências do trabalho noturno. Ou seja, no Brasil, isso já
é reconhecido por lei.
FOLHA - As empresas estão atentas
a isso? O que têm feito?
MORENO - Eu diria que nos últimos anos essa preocupação
tem aumentado, mas ainda é
muito pequena. Na maioria das
indústrias, o que é servido no
almoço também é no jantar.
Uma feijoada vai estar lá tanto
de dia como à noite. Aí há um
problema sério: as nutricionistas das firmas dizem que os trabalhadores teriam dificuldades
em aceitar que precisam de alimentos diferentes dos demais.
FOLHA - O trabalhador conhece riscos e direitos da atividade noturna?
MORENO - Muito pouco. Uma
das frases muito comuns que
ouvimos é a de que o trabalhador "se acostuma". Isso não é
bem verdade. Existem as pessoas mais matutinas e as mais
vespertinas -estas têm melhor
desempenho no período noturno. Mas existem, por exemplo,
pessoas que simplesmente não
suportam a função. Então,
quem está trabalhando à noite
é alguém que conseguiu tolerar
esses horários. Mesmo assim,
pode ter problemas gastrointestinais sem saber que isso está correlacionado ao trabalho
noturno que desenvolve.
FOLHA - As conseqüências podem
se agravar com o tempo?
MORENO - Sem dúvida. Existem
efeitos a longo prazo. Com mulheres, por exemplo, há casos
de problemas de reprodução,
alteração do ciclo menstrual e
aborto espontâneo. Hoje, o que
se recomenda é que quem tem
intenção de engravidar não trabalhe à noite, e que gestantes
também evitem esse trabalho
nos primeiros meses. Muitas
vezes a pessoa não relaciona o
problema ao horário de trabalho por puro desconhecimento.
FOLHA - Diante de todos esses fatos, o que leva um trabalhador a desejar trabalhar à noite?
MORENO - São vários os fatores,
mas em primeiro lugar está o
adicional noturno, que é um
aumento na renda. O profissional também pode querer usar o
dia para outras atividades, como cuidar dos filhos, o que é comum entre as mulheres. Por
fim, outro argumento é a facilidade do ir e vir durante a noite,
por haver menos trânsito para
os que moram longe.
FOLHA - Há como render mais?
MORENO - A pessoa que trabalha à noite tem de perceber que
ela não é igual ao que é durante
o dia. E aqui fica uma sugestão
para o empregador: é importante que o trabalhador possa
cochilar ao menos 20 minutos
[durante o expediente], o que
recupera o nível de alerta e reduz a ocorrência de falhas. Um
cochilo pode evitar acidentes.
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