São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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A SOMBRA DO LUTO

Incompreensão dificulta a volta de quem perde parente

Queda da produtividade e da concentração são alguns efeitos do luto

Marcelo Justo/Folha Imagem
A advogada Malu Gualberto, cujo marido morreu no acidente com o vôo da TAM no ano passado

MARIA CAROLINA NOMURA
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco menos de um mês após a morte de seu pai, a advogada Adriana Calvo, 34, recebeu um telegrama da universidade onde lecionava dizendo que ela havia sido demitida.
A insensibilidade da instituição em relação ao momento de luto, conta, deixou-a chocada. "Meus alunos me deram muito apoio, mas, para a faculdade, eu era mais um número", lamenta.
Calvo diz que retomou os trabalhos depois de uma semana da morte de seu pai. "Liguei o piloto automático. Mas houve um dia em que comecei a chorar no meio da aula", lembra.
No ambiente de trabalho, teve apoio dos alunos e de alguns colegas -a maioria, porém, deixou de conversar com ela.
Essa reação dos companheiros é comum e fruto da cultura ocidental, que não discute a morte, segundo a psicóloga Elaine Alves, do Laboratório de Estudos sobre a Morte da Universidade de São Paulo.
"A morte é um tema interdito e não existe estudo sobre luto no ambiente de trabalho. Mas já há empresas que buscam informações para lidar com isso."
"Chefes e colegas não compreendem que a dor continua e que o nível de estresse do enlutado sobe. As pessoas ficam constrangidas com a sua dor e, às vezes, com raiva porque têm de trabalhar dobrado", acrescenta Rosane Melo, especialista em estudo da morte.
Por não sentirem abertura para falar sobre a perda, as pessoas não conseguem trabalhar o luto dentro de si e, além de terem crises de choro, podem aumentar o consumo de álcool e cigarro, segundo Holly Prigerson, professora de psiquiatria da Universidade Harvard.

De volta
Se, por um lado, o luto impede que a pessoa dê seu máximo no trabalho, por outro, retornar à profissão pode ter efeitos terapêuticos, na visão da psicóloga Carla Hisatugo, 33, que perdeu o filho, que tinha três anos e meio, há um mês.
"Voltei a trabalhar depois de 15 dias da morte do Gustavo. Gostar do trabalho é um motivador porque, quando você retoma a atividade, sente que tem alguma utilidade na vida", diz.
Para a educadora em saúde Marta Gunther, 51, que perdeu o marido há sete meses, trabalhar é um alívio. "Fico ocupada e não penso na dor."


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