Crescer junto à tela
Os pediatras começam a parar de condenar a exposição das crianças a tablets; se bem utilizados, eles não são tão ruins quanto a TV, apontam eles
Por enquanto, o consenso entre pediatras é radical quando o assunto é expor crianças pequenas a qualquer tipo de tela: o certo seria nenhuma exposição a TV, tablets e smartphones antes dos dois anos. Mas brechas importantes estão começando a aparecer nesse consenso.
Um dos autores do guia internacional mais recente sobre o tema, publicado no fim de 2011 pela AAP (Academia Americana de Pediatria), agora defende que telas interativas não devem ser demonizadas, até porque ainda há poucos estudos sobre seus efeitos.
E um relatório produzido por uma instituição dos EUA afirma que há maneiras positivas, ainda que limitadas, de usar esse tipo de mídia com crianças de até três anos.
O "mea culpa" sobre o tema saiu em artigo na prestigiada revista especializada "Jama Pediatrics", assinado pelo médico Dimitri Christakis, do Instituto de Pesquisas da Infância de Seattle.
Christakis argumenta, para começar, que o relatório de 2011 passou por um processo de revisão tão lento que, na verdade, foi redigido antes que existissem tablets, e também antes que os smartphones se tornassem comuns.
Com isso, a restrição estaria baseada apenas nos dados a respeito do uso da TV, e há diferenças importantes entre as diferentes mídias, diz.
A mais crucial é que um aplicativo interativo pode ter propriedades de um brinquedo real, como o estímulo à resolução de problemas e de raciocínio de um conjunto de peças de montar. Não é o mero estímulo passivo de assistir a um desenho animado.
Com base em estudos recentes, a ONG Zero to Three, que pesquisa o desenvolvimento infantil, fez o relatório "Screen Sense" ("Telas com Bom Senso"), coordenado pela psicóloga Rachel Barr, da Universidade de Georgetown, e aponta na mesma direção.
A exposição, porém, teria de ser limitada a uma hora por dia. E o relatório veta o uso da TV como "música de fundo": se a criança está brincando "no mundo real", deixe tudo desligado, para não atrapalhar o desenvolvimento da atenção. Telas no quarto também devem ser evitadas.
Além disso, um estudo de 2013 mostrou que crianças cujos pais liam histórias em e-books tiveram compreensão de leitura menor do que as que usaram livros, talvez por ficarem mais focadas no aparelho do que na história.
O uso de tablets que leve em consideração tais cuidados poderia, segundo o relatório, evitar os malefícios normalmente associados ao uso excessivo da TV, como desenvolvimento mais lento das capacidades linguísticas e sociais.
PÓ-PÓ-PÓ
Mayra e Fabricio Mazocco, pais de Liz, de 1 ano e 7 meses, seguem intuitivamente algumas das dicas dos especialistas americanos. A exposição a vídeos fica clara quando Liz começa a cantarolar o "pó-pó-pó" onipresente nas músicas da série Galinha Pintadinha.
"O que ela realmente gosta é do movimento de mudar de tela", diz Mayra, imitando o gesto com o indicador. "Ela raramente fica prestando atenção num desenho que é só história. Prefere clipes com música." Segundo eles, a pequena não costuma usar as telas mais de meia hora por dia.
Camila Jaqueto, mãe de Isabella, 4, e André, 2, também considera importante limitar o uso dos eletrônicos.
"Eles assistem Netflix, brincam de quebra-cabeça, ouvem contos de fadas. A Isabella começou a querer a me ajudar na cozinha porque gosta de um aplicativo de receitas. Já o André brinca com um aplicativo de identificar círculos, triângulos, quadrados."