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Neuro

Paixão e livre-arbítrio

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Não escolhemos por quem nos apaixonamos, mas podemos decidir o que fazer a respeito

Meu anfitrião australiano, também neurocientista, vive me atormentando por uma questão: se temos, ou não, liberdade em nossas escolhas. "Não escolhemos por quem nos apaixonamos" é como ele costuma abrir nossas discussões, nas quais tenta me convencer de que livre-arbítrio não existe e eu tento convencê-lo do contrário.

Sua lógica é a seguinte: nossas decisões dependem de preferências e, digamos, de modos de operar (valores, cadeias de raciocínio, hábitos). Tudo isso, por sua vez, depende tanto da nossa biologia inata, nosso ponto de partida genético e epigenético, quanto das experiências que vamos acumulando em nossas interações com o ambiente.

A cada instante, portanto, nossas decisões são influenciadas, guiadas talvez, por essas interações entre "natureza e ambiente", acumuladas em todas as nossas experiências anteriores.

"Você pensa que tem poder de decisão, mas está apenas decidindo o que seu cérebro decidiria de qualquer forma", ele diz. "Olhe só a paixão: não seria ótimo podermos decidir racionalmente por quem nos encantamos? E, no entanto, é impossível: não podemos mudar nossas emoções. O hipotálamo faz o que o hipotálamo faz."

Eu concordo apenas até certo ponto. Sim, acredito que nossas preferências -inclusive por amigos e parceiros românticos- são determinadas por essa interação entre biologia e vivências: o que experimentamos e nos dá prazer ou desagrado, quem nos trata bem ou mal, o que comemos e em que circunstâncias, o que nos dá dor de barriga ou apenas satisfação.

Emoções são a maneira de o cérebro manifestar no corpo sua resposta mais sincera ao que a vida nos oferece e assim tornar palpável para si mesmo -para nós, portanto- nossos sentimentos sobre algo ou alguém.

Concordo que quem nos desperta paixões, ira ou prazer não é algo que possamos influenciar: apenas nos cabe reconhecer. Mas é aqui justamente que podemos mudar a história: a partir do momento em que tomamos ciência de nossos sentimentos.

Se nosso córtex pré-frontal não consegue mandar no hipotálamo, ele ao menos nos permite reconhecer nossos impulsos... e mudar de ideia. Agir diferente. Conter um impulso. Responder diferente. Não escolhemos por quem nos apaixonamos - mas temos, sim, o poder de decidir o que fazer a respeito...

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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