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Anna Veronica Mautner

A luta para aprender um novo idioma

Para esgotar os recursos de uma língua é preciso o uso cotidiano desde a mais tenra infância

Como aprender uma língua nova, desconhecida, se, em qualquer uma, as palavras apresentam-se com quase infinitas acepções? Para esgotar os recursos de uma língua é preciso convívio e uso cotidiano desde a mais tenra infância. Língua se aprende ouvindo, falando e repetindo o que se ouviu.

Em hebraico, por exemplo, existem dois sentidos para a palavra "se". Enquanto possibilidade é um sentido, referindo-se à impossibilidade é outro. Por exemplo, "se continuar chovendo, eu não irei ao cinema" -nesse caso, a condição "parar de chover" pode acontecer. O outro exemplo é: "se eu fosse homem, eu entraria para o exército" -como eu não sou homem, eis aí uma condição impossível.

Em lexicografia, cada um dos sentidos que palavras ou frases apresentam está de acordo com um contexto (exemplo: o sentido de ponto em pontuação, costura, geografia, geometria, jogos, na rotina escolar etc.).

As línguas que possuem os verbos "ser" e "estar" apresentam uma diferença no trato do conceito de "grande". Coitadas dessas línguas e dos países que têm que lidar com "large" e "big"! Em português é mais fácil.

Em inglês temos muitas palavras para significar "grande": "big", "large", "great" e "grand" ("the Grand Canyon"). Será que "pequeno" apresenta a mesma diversidade? Não. Só tem "small" e "little".

Qual é a diferença entre "large" e "big"?

"Está grande", "é grande": qual é "large", qual é "big"? "Está grande" é "large", acho; "é grande" é "big", suponho.

Onde não existem os verbos "ser" e "estar", como distinguir o grande/eventual do grande/grandeza/enorme? O feto cabe dentro de um ovo: qual é grande? Será que eu posso dizer que grandeza é o genérico de grande?

Grandeza não é o que ocupa um espaço, é uma ideia de tamanho. Grande não é transitório. "Large" é transitório. "Big" apenas é. Grande não tem dimensão, não tem comparativo. Corrigimos a criança ou o estrangeiro quando ainda não sabem que grande não é nem "mais grande" e nem "menos grande". Mais grande não pode. Logo a gente aprende que maior é "mais grande". Quando grande passa para maior, deixa de ser absoluto. É assim em português.

Deus é grande. Se puder ser maior, não é Deus. Aí, é um deus. O Universo é grande? Já foi. Hoje os astrônomos nos contam que ele ainda está crescendo, vai entrar em outra categoria. Mesmo crescendo, o Universo é ainda "grande", porque não conhecemos outro. Não lhe cabe comparativo. Deus é grande, o Universo é grande, coração de mãe é grande.

Mas ainda existe uma palavra nessa família de sentidos: "máximo". Máximo é um superlativo.

Será que pequeno tem também? Tem "mínimo". Também é superlativo.

Se em torno de duas palavras podemos lucubrar tanto, podemos imaginar a dificuldade implícita no aprendizado de uma nova língua.

E nós só lidamos neste texto com a partícula "se" e a ideia de mensurável e não mensurável.

Além de existirem línguas muito diferentes das de origem latina, temos dialetos, que são variações de uma mesma língua.

No Brasil, temos os sotaques do Norte diferentes dos do Sul. O gaúcho, por outro lado, usa a segunda pessoa (tu e vós) muito mais do que o paulista.

Quando se trata de sonorização, as diferenças são grandes também.

Na Itália, o italiano falado no sul é bem diferente do italiano do norte enquanto musicalidade; o alemão da Bavária é diferente do falado na Prússia e assim por diante.

Pelo pouco que disse, dá para perceber quão difícil é aprender uma língua. Com esforço, muita decisão e empenho, consegue-se chegar lá. Tropeçando!

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)

ROSELY SAYÃO
A colunista está em férias

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